Há uma série de comportamentos digamos, marginais, que habitualmente são caracterizados como problemas, ou doenças, do foro psicológico, que desde há muitas décadas têm vindo a ser estudados, e objetos de conclusões não raramente completamente diferentes ao longo do tempo, e à medida que novas especificidades nelas vão sendo descobertas. A questão da obsessão-compulsiva é um deles e já vi o abordado das mais diversas maneiras, oferecendo várias saídas para o minimizar, mas nunca havia sido confrontado com uma abordagem simultâneamente tão leve e profunda quanto Kingsley Amis o faz no seu livro, O Homem Verde.
Quando este problema surge, o que é relativamente comum, aliado à hipocondria então estamos perante uma pessoa cuja vivência se pode tornar num verdadeiro inferno, tal é o extremo nível de vigilância que exerce sobre sí própria, corpo e mente, uma espécie de camisa de forças que jamais larga quem sofre desta doença. Aparentemente a única fuga possível a uma obsessiva e supersensivel atentividade sobre os mais singelos sintomas fisícos, logo interpretados como sinais de grave enfermidade, e consequente crescer de um complexo labirinto mental onde rápidamente o paciente se perde, é recorrer a drogas ou ao álcool o que, a prazo, se vem a verificar trágico.
Muitas vezes a defesa ao tormento passa também por uma definição meticulosa de uma rotina, constituída por uma série de tarefas que se repetem religiosamente, como de algo absolutamente essencial se tratasse, o que acaba por transmitir uma certa tranquilidade e segurança, mas que pode resultar numa situação de grande desiquilíbrio, caso algum dos passos não se cumpra rigorosamente segundo o préestabelecido. Noutros casos, quando o caráter da pessoa é mais expansivo, menos virado para a organização, amante do contacto social, então a solução passa mais por uma vivência quase caótica, se vista de fora, como forma exclusiva de escapar à fatal tentação de não sair de si durante o tempo todo.
É por aqui que a obra de Amis vai, acredito que fosse essa a natureza do autor, extrovertido, e com o desconcertante bom humor que é a sua principal marca, recorrendo a uma fantástica metáfora de um fantasma como móvel para a obsessão que o persegue, num relato carregado de sensualidade e erotismo, e sobretudo muito inteligente, num agradável estilo de prosa sem nunca utilizar os hoje tão vulgares facilitismos na tentativa de agradar depressa, mas antes obrigando o leitor a um permanente estado de alerta, porque indispensável para decifrar uma escrita fluente e apelativa mas sem nunca abdicar de profundidade. Aconselhável a hipocondríacos, uma lição de como viver descontraídamente, sem se levar muito a sério, pode ser francamente libertador.