Esta quarta-feira, quando chegou a vez do DN na revista de imprensa que faço diáriamente, já mesmo no fim ao chegar à secção das opiniões, sou confrontado com uma surpresa que não o devia ser, afinal tinha conhecimento do sucedido e até já ouvira e vira várias homenagens ao cronista, mas, súbitamente, como que se me abriu um buraco no peito ao constatar que, de facto, Vasco Graça Moura, a sua crónica, não constava ali ao lado da de Batista Bastos e de Ferreira Fernandes, as que eu áquele dia costumo ler. Uma terrível e inesperada interrupção na rotina que salva!
Não simpatizava particularmente com a figura, achava-o bastante arrogante e muito vaidoso, mas escrevia maravilhosamente e era possuídor de uma cultura rara, a qual tantas vezes me deixou a perguntar-me do que falava. Ao contrário dos outros dois, bem mais alinhados pelas minhas ideias, VGM era um homem profundamente liberal, um menino bem proveniente de uma família abastada do Porto, mais concretamente da Foz, e não tinha qualquer espécie de problema em demonstrá-lo, bem pelo contrário, frontal, escrevia textos por vezes violentíssimos, utilizando para o efeito o mesmo brilhantismo com que escrevia fosse o que fosse.
Nestes últimos dias tive a possibilidade de o ouvir e ver mais vezes do que enquanto era vivo, e confirmei ser uma pessoa rara, onde a inteligência, a genuidade, a frontalidade, e os vastos conhecimentos, justificaram a razão pela qual eu, tantas vezes admirando-me comigo mesmo, não resistia à tentação de começar a leitura das crónicas de opinião do DN daquele dia da semana, precisamente por aquela personagem que defendia a regime atual, mas também o criticava, o enquadrava no vasto conhecimento político que tinha sobre a europa, mas sobretudo escrevendo maravilhosamente sobre um qualquer livro, filme, música, ou pessoa com um conhecimento de causa e assertividade raros.
Já conhecia a sua poesia, mas também esta me entrou pela vida dentro muito mais durante estes últimos dias que em todos os anos anteriores, e é como ele era, honesta, acutilante, sensivel e direta. Impressionante como a surpresa provocada pela ausência de um pequeno texto de um autor pode provocar semelhante vazio! Especialmente quando com essa pessoa se tem tão pouco em comum! Só explicável, e mais uma prova, que a obra de um autor é algo que, tantas vezes!, pouco tem a haver com a pessoa na vida real, mesmo quando o que dele se lê não seja ficção, para isso bastará, ter essa capacidade mágica de tirar o leitor de si mesmo e transportá-lo nas asas das palavras que lê.