Os novos e os velhos, os inocentes e os sábios, é especialmente deles que se enchem as praias durante os dias úteis nas primeiras semanas de bom tempo. As crianças são às centenas e manifestam-se como nelas é próprio, plenas de energia, truculentas, barulhentas, gritam vida e alegria por todos os poros. Quando param é possível ler-lhes nos olhos o espanto da sucessão de descobertas no que as rodeia, e as altas expectativas de em tudo aquilo virem a participar o mais ativa e rápidamente possível. Observam atentamente e com uma capacidade de gravação da qual sequer suspeitam, o que lhes parece ser o mais apetecível que os adultos exibem, a escolha depende da sua circunstância, meio ambiente e pessoas que as rodeiam, sejam comportamentos, roupas, haveres, aparências. Há contudo um grupo também por ali presente com o qual não perdem muito tempo, o dos mais velhos, porque naquele já não depositam muitas esperanças nem encontram grandes motivos de admiração. É que normalmente permanecem quietos, com expressões mais ou menos vazias nos rostos, corpos quebrados, decadentes, usando vestuário sem qualquer atrativo. Na verdade, tudo aquilo, o frenético desfile dos "adultos", que são as razões para o espanto de uns, os mais novos, é-o para o desencanto de outros, os velhos, exceto exatamente aquelas criaturas que as ignoram, as crianças, onde se reconhecem na memória e, sobretudo, por via de quem recuperam uma réstia do remoto sentimento de esperança e entusiasmo, um breve vislumbre num escasso instante, logo perdido face a uma realidade demasiado evidente.
Pelo meio, entre as crianças e os velhos, unidos quase exclusivamente pela fragilidade, a turba, a esmagadora maioria, os que fazem "andar a roda", origem e destino da maior parte daquilo que convencionou chamar-se de vida ativa, onde estão alicerçados boa parte dos fundamentos da existência tal qual a conhecemos. Tudo feito em volta de um conjunto de interesses sob os quais prevalece a sobrevivência e o medo, e sobre os quais paira o poder e o sonho. Fazem-se anunciar das mais diversas formas, desde as posturas, um vasto leque, nascidas do berço, da educação, dos genes, passando pela exibição do status via todo o género de ornamentações, até ao mais, ou menos, informal contacto, onde reside a verdadeira possibilidade de descodificação do individuo.
Estranho mistério este, onde o habitual tocar dos extremos também na vida parece querer explicar através de uma espécie de fechar do ciclo, o encontro entre a magia da ilusão, e a dura realidade do irrevogável, entre os quais é percorrido um caminho feito da lenta e dolorosa constatação, e da absoluta impossibilidade de transmissão de algo que tem de ser vivido de facto, sentido na pele e na mente, realidade indispensável para que se cumpra a nossa condição de seres insaciáveis na demanda da diferença. Como se houvesse uma força invisível que impede os velhos de revelarem aos novos a "segredo" da existência, como se esta não resistisse a essa revelação, quase como se a génese de tudo estivesse exatamente aí, nessa cegueira obstinada, que permite que os mesmos equívocos sejam permanente e repetidamente cometidos, e em nome dos quais é construída a evolução. Uma espécie de primordial crescimento, pela dor, onde o lugar da dúvida sincera, essência da humildade, tem de ser conquistado à custa de sangue, suor e lágrimas de todos e cada um, e ao longo de muito, muito tempo, por vezes, a maior parte delas?, toda uma vida não chega.