semtelhas @ 11:41

Sex, 10/06/16

 

Dia feriado. O passadiço parece a rua Stª Catarina à hora de ponta mas, ainda assim, não são poucos os que resolvem levar os quadrúpedes a passear. A maior parte leva-os pela trela há no entanto sempre uns quantos que os deixa soltos. Desde umas centenas de metros atrás havia reparado numa mulher, aí pelos trinta, que exibia notória dificuldade e insegurança tentando segurar pela trela um bem disposto e enorme labrador de pelo quase branco. Sempre que se cruzavam com outro cão o bicho, claramente por raramente o fazer, excitava-se imenso obviamente contagiando o seu semelhante.

 

Aconteceu quando seguíamos numa daquelas partes em que o caminho de madeira se eleva  relativamente ao chão, no caso talvez metro e meio a dois metros, Na ocasião estava já bastante próximo do duo de que me vinha paulatinamente aproximando. Súbitamente, como circulava muita gente a visibilidade não era a melhor, surge um doberman, como uma seta, castanho claro, não muito grande e ainda jovem mas já com aquele porte que distingue a raça. Aparentemente nada aconteceria caso o irrequieto labrador não demonstrasse incontrolável entusiasmo e a intenção de "cumprimentar" o primo afastado. Assustado o doberman reage mordendo-o ao de leve levando a que o pobre labrador imediatamente desse um salto para trás caindo no pequeno abismo.

 

Aquilo a que se assistiu depois foi um misto de horror e incredulidade, ainda por cima naquele cenário de pacífica fruição das maravilhas de uma natureza que convidava, quase obrigava, todos os sentidos a viverem a beleza das cores, a magnitude das fragâncias libertadas pelas plantas recentemente molhadas, o calmante rumorejar do mar sereno, a ternura da brisa morna na pele. Aflita, a mulher tentou puxar o cão que se debatia frenéticamente pendurado pela trela presa debaixo das patas da frente. Arrastada face à evidente impossibilidade de içar um peso de mais de trinta quilos altamente potenciados pelo movimento intenso, num movimento cuja rapidez e engenho só o instinto permitem, consegue passar o resistente artefacto por cima das cordas que unem os troncos a delimitar o passadiço, ganhando assim cerca de um metro. Tudo isto acontece em escassos segundos enquanto os transeuntes ou se afastam rápidamente ou pura e simplesmente paralisam face à ameaça do doberman que, entretanto, como que esperando o reaparecimento do labrador para o respectivo ajuste de contas, distribuía ferozes latidos impedindo a aproximação de fosse quem fosse, nem daquele que parecia tratar-se do dono a multiplicar-se em ridículas supostas ordens infalíveis, uma espécie de linguagem de código que o bicho nem ouvia.

 

Foram dois ou três minutos naquilo até que, completamente descontrolada, a mulher, tinha amarrado fortemente a trela ao pulso direito, gira sobre si própria a uma velocidade incrível, talvez na tentativa de ganhar impulso e trazer o animal até à plataforma de madeira, mas este, vendo o que o esperava finca as patas por baixo daquela levando a que a dona, num inacreditável exercício de contorcionismo, acabe por ficar ela própria com o pescoço entre a grossa corda e a larga e resistente tira de cabedal. Só nesse momento o dono do doberman resolve aplicar-lhe um furioso pontapé, penso que lhe acertou meio na cabeça meio no pescoço, levando a que este, depois de cair, se afastasse cambaleante.

 

Para além de uma inesperada atitude de quase absoluta calma provocada pela exaustão extrema, o labrador parecia estar bem tranquilamente refastelado observando a dona a um metro a chorar convulsivamente. Não sei se só pelo efeito da descarga nervosa, afastei-me de imediato da multidão que crescia e se acotevelava em tão pouco espaço, mas acredito que com algumas lesões e seguramente muitas nódoas negras mas, apesar de tudo, com alguma sorte. O enorme vermelhão na parte lateral do pescoço, e a incapacidade de mexer o braço direito que repetia entre esgares de dor, não anunciavam nada de bom, mas podia ter sido bem pior.

 

 


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"O medo de ser livre provoca o orgulho de ser escravo."
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