Sentado na sala de espera do veterinário ouço uma psicóloga dos EUA que, após os acontecimentos de 11/9/2001, acompanhou as vítimas. Dizia, entre lágrimas, que ainda se comove lembrando-se do sofrimento de quem tinha perdido alguém, mas sentia sobretudo a falta do espírito de solidariedade que por aqueles dias todos contagiou, criando um ambiente mágico de esperança no futuro apesar do cheiro nauseabundo e do fumo que impedia a pessoas de ver e respirar. Olho em volta e vejo umas quantas pessoas nas quais era possível notar consideráveis diferenças, sociais e outras, ali manifestadas por sinais exteriores ou pela forma como se exprimiam, mas rigorosamente todas irmanadas no comum sofrimento que as tinha juntado. Desde logo sinceramente agradecidas pela simpatia e afeto dispensados ao seu animal de estimação, retribuiam com igual ou reforçado empenho, criando assim um ambiente de tranquila convivência, mesmo que algo ruidosa dada a natureza de alguns dos bichos, rápidamente diluindo qualquer hipotético sinal de de superioridade, ou inferioridade, fosse de quem fosse.
Não obstante a óbvia enorme diferença entre a gravidade do que vejo pela televisão e o processo em que participo ativamente ali e naquele momento, dou comigo a pensar como o medo comum sempre juntou, e há-de juntar as pessoas à volta de um mesmo objetivo, deixando para trás mais mesquinhos interesses e disfarçando, desgraçadamente só por algum tempo, sentimentos tão nefastos que inevitávelmente estiveram por detrás de muitas das circunstâncias que levaram a essa mesma espécie de tomada de consciência. Outros medos existem igualmente necessários mas por razões mais objetivas, como o do piloto automóveis de alta velocidade, indispensável para que se mantenha concentrado e não se despiste, comum a todos os que desempenham funções arriscadas como o do soldado que entre a vegetação, de arma em punho, vigia o inimigo.
Outros, bem diferentes, são os medos mais ou menos subreptíciamente utilizados para exercer domínio sobre os outros. É impressionante o nível de sofisticação que se está a atingir neste aspeto em particular. Se qualquer um se der ao trabalho de desmontar, com total honestidade intelectual, boa parte das ações que o fazem mover durante um dia da sua existência, e excluindo os tais medos bons, depara-se com a constatação das mesmas terem sido fruto de um qualquer temor, desde o mais simples ao mais complexo, não chegar a horas, que esteja calor, ou frio, de não agradar, de não conseguir, de ser agressivo, ou permissivo, de perder, do olhar das pessoas, das pessoas não olharem, das dores, de ter um acidente, de estar trânsito, de chover, de não estar à altura, do outro estar ou ser melhor ou ter mais, de morrer.... É precisamente explorando todo este universo de medos que, rigorosamente todos, ainda que em escalas imensamente diversas, são manietados, explorados, numa palavra, utilizados. Talvez por isso alguém muito sábio dizia que, provávelmente, o estado mais próximo da inatíngivel felicidade absoluta seja a ausência de medos.