Quem é mais livre? O idealista que recusa escravizar-se via casamento, uma vida de subsistência material, os filhos e tudo o que vem atrás para sustentar, e moral, o ficar amarrado a compromissos supostamente irrevogáveis com terceiros, ou o que aceita a partilha com o companheiro, e se realiza observando o filhos crescendo para a vida? Quem é mais livre? Quem aceita com humildade e resignação assumida, tranquilamente, ser mais um, elo na corrente infinita de milhões, ou o que se revolta, e em nome de uma existência melhor, para ele e para os outros, tenta a transformação da sociedade nem que para isso tenha que recorrer à inevitável violência? Quem é mais livre? É o conjuge políticamente correto, postura dita adequada perante os outros, exemplo a seguir, ou o que não resiste a pisar o risco? Seja por todos os dias se perder num qualquer bar embriagando-se com os amigos não obstante sempre regressar a casa, ou por, ainda que por mero capricho, querer experimentar outros relacionamentos jamais pondo em causa a família? Quem é mais livre? O que assume as suas preferências sexuais independentemente do olhar e práticas que sobre ele possam acontecer, ou o que, em nome de uma vivência minímamente harmoniosa com os outros opta pelo sacrifício da silêncio?
Tendo por cenário o Egito entre as duas grandes guerras mundiais, e uma família em particular, Naguib Mahfouz dá-nos hipóteses de interpretações de tudo isto no livro, O Açucareiro. O relato é minucioso e ele próprio um autêntico exercício de libertação, o que numa sociedade terrívelmente estratificada funciona como verdadeiro grito de liberdade. A ambiência exótica do oriente, bem como uma linguagem que vai do comum ao quase poético, muito contribuem para que esta leitura fique gravada na memória. E depois, não menos importante, de reconhecido valor histórico dada a evidente visão superior e independente do autor.