Hipnotizado, fiquei absolutamente estático alguns segundos. Talvez porque a maneira como a contemplava era de tal modo intensa que se sentiu apalpada, sem que se tenha mexido um milímetro ou feito o mínimo ruído, tal como é costume ver-se nos filmes de terror, súbitamente, abriu muito os olhos para me ver, espantada, e com a voz a escapar-lhe, quem é o senhor? Como que despertando balbuciei, calma...vim só trazer a sua avó que foi contra um mur...ainda não tinha terminado a palavra e já me tinha apercebido da má abordagem ao assunto, mas ela não me deu tempo para qualquer explicação, mãe!, gritou, onde está a minha mãe? e sentou-se puxando o lençol para cobrir o peito. Desculpe, não queria assustá-la. Ela está bem, ali em baixo a descansar deitada num sofá, deve ter sido só uma queda de tensão. Bastante pálida fitou-me muito séria e eu senti-me como que trespassado por raios x. Como não dava sinais de querer mudar de atitude disse-lhe, vou descer, ver se acordou.
A senhora continuava a dormir profundamente, não se apercebera de nada. Sentei-me no outro extremo do amplo salão. Poucos minutos depois vi-a descer as escadas. Tinha enfiado uns jeans e uma tshirt branca larguíssima, e caminhava sem tirar os olhos de mim. Tratava-se de uma bela mulher, relativamente alta, morena, muito queimada pelo sol, trazia o cabelo castanho escuro preso num "rabo de cavalo". Quando se sentou a menos de dois metros, pude observar a cor mel dos olhos rasgados, encimados pelas magníficas sobrancelhas. O nariz fino dava-lhe uma expressão austera não obstante os lábios sensualmente grossos, confirmada pelo maxilar igualmente estreito. Um formoso e elegante rosto triangular. Recordei brevemente os traços da mulher que dormia e percebi a semelhança. Desculpe ter-me sentado mas queria contar-lhe o sucedido antes de me ir embora, justifiquei-me. Faça o favor, e recostou-se para me escutar. Que eu saiba é a primeira vez que isto lhe acontece, afirmou quando terminei. Logo depois, hesitou momentâneamente o que interpretei como um convite para que me retirasse e levantei-me, mas então afirmou algo abruptamente, espere...acho que a minha mãe vai querer agradecer-lhe...interrompía, não tem nada que agradecer, e além disso acho que agora o que lhe vai fazer bem mesmo é descansar. Ela, ignorando o facto de eu estar em pé, esquisito é ainda ter vestida a roupa com que saiu ontem para ir ver um espetáculo ao casino com umas amigas! O que se terá passado? E encarou-me como que aguardando uma resposta. Durante os minutos em que estivera a descrever-lhe o sucedido, havia pousado sobre mim uma estranha expressão, algures entre o tranquilo e o contemplativo, que me deixara perplexo, mas logo me avisei, tem juízo! não faças filmes! pelo que rápidamente desisti de qualquer espécie de encorajamento que, aliás, afigurava-se-me aproveitador e mesmo baixo. Mas agora...toda aquela insistência, e perante tão esbelta criatura...sentei-me.
Foi espreitar a mãe e após voltar perguntou, quer beber alguma coisa? ainda não tomei o pequeno almoço, e você? e sem esperar resposta, vamos ali para a cozinha e enquanto comemos pode ser que ela acorde e, entretanto, o senhor fala-me de si e eu de mim. Apesar de, como habitualmente, ter saído de casa já de pequeno almoço tomado, concordei e estendendo-lhe a mão, nesse caso vai ter que me tratar por Vasco. Vi-lhe o deslumbrante sorriso pela primeira vez e dizer enquanto correspondia ao meu cumprimento permitindo-me tocar-lhe a mão de veludo, mas firme, Rute.