Magnifícos e estranhos estes esqueletos, incómodos em vida, e fantasmas que continuam a assombrar quem fica, sempre na dúvida se poderiam ou deveriam ter feito mais qualquer coisa para que não tivessem morrido daquela maneira, como quem parte no meio de um diálogo, a sensação, remorso nunca sarado, de que ficou algo por dizer. Enquanto por cá esgotam-se a gritar a sua irremediável incapacidade para viver segundo as normas maioritáriamente estabelecidas, e por isso são severamente punidos por todos, rigorosamente todos e, mais ainda, explorados na sua fragilidade, alguém que não se pode defender e que é sugado, usado e abusado até à morte, após a qual permanecem vivos na memória como algo mal resolvido, uma culpa que toca a todos porque, nestas matérias, ninguém é inocente. Por vezes, de entre eles, emerge alguém cuja força é tal que consegue superar essa condição de extrema fragilidade e tornar-se um ícone, não só para os que como ele sofrem mas, o mais extraordinário, para os que o rejeitam e o enterraram antes de tempo.
No filme O Clube de Dallas, fala-se de um destes homens, e da sida, mas aquela personagem e a sua circunstância não se esgota ali, neste preciso momento há inúmeras pessoas a sujeitar-se áquilo mesmo, ou mesmo pior, por esse mundo fora porque o estado das coisas que levaram à situação relatada no filme estão aí, laboratórios farmacêuticos que põe à frente de tudo o lucro, e uma sociedade que insiste em rejeitar a diferença. São quase diárias as noticías de gente a morrer, cobaias vítimas de experiências com novos fármacos, especialmente em países subdesenvolvidos e, ainda não vai muito tempo, a vergonha universal que foi o aproveitamento do medo generalizado da gripeA, dada como epidemia global, para, após biliões gastos e cofres cheios, serem pura e simplesmente destruídos largos milhões de vacinas. E, por cá, supostamente o primeiro mundo, é só verificar a enorme dificuldade para implementar os genéricos ou, mais recentemente, as burlas consecutivas nomeadamente por exportação de medicamentos a melhores preços, ao mesmo tempo que morre gente por não existirem nas farmácias.
Se o filme pode ser acusado de chegar atrasado vinte anos quanto ao assunto específico de que trata, no essencial mantém-se absolutamente atual e, nesse particular, atinge os seus objetivos, alertar. Muito se deve a esta gente que utiliza a ficção como suporte para passar mensagens muitíssimo importantes. Se, ainda por cima, o fazem com o brilhantismo que aqui acontece, então talvez de possa afirmar que estamos perante uma obra maior. Muito contribui para isso a interpretação de dois dos tais esqueletos, Matthew McConaughey e Jared Leto, particularmente o primeiro, numa interpretação a fazer lembrar níveis de perfeição como o de Robert de Niro em Touro Enraivecido, ou Daniel Day Lewis em O Meu Pé Esquerdo, uma transformação fisíca incrível, para um boneco verdadeiramente inesquecível. Depois, ao longo daquelas duas horas, fruto da mestria com que aquilo tudo é feito, chega a ser impressionante como somos envolvidos por uma espécie de dança macabra entre todos os protagonistas, da qual ninguém ignora o fim, mas com essa diferença fundamental entre quem, saudável, mesmo sabendo ser impossível, finge querer curar matando, e quem, doente, só pede que lhe seja dado mais tempo para viver em condições minimamente aceitáveis. No fim inclusivamente semeia nos espirítos uma questão muito candente, a quem interessa que quase todas as doenças se tornem crónicas?