Tendo acabado de assistir a "O Renascido", ainda cheio de sede de vingança e com as mandíbulas ensanguentadas a clamar por carne, optei por um restaurante de grelhados. Nunca lá tinha ido e aquela hora, meio da tarde, é pouco frequentado pelo que para além do patrão que simpáticamente nos serviu e da patroa que por detrás do balcão nos ía lançando uns sorrisos comerciais, andava a deslizar ali pelo meio das mesas a empregada da limpeza agarrada a uma esfregona a qual fazia passear indolentemente, mas com eficácia, pelo piso negro de um material que não consegui identificar. Mulher talvez pelos quarenta, baixinha, cabelo preso e com um rosto indistinto fazia-se notar por um olhar fugídio, para além de um relance que me lançou exatamente antes do momento em que desapareceu dali nunca a encarei nos olhos, possuidora de uma visão lateral de pedir meças ao Messi, eram sobretudo as enormes protuberâncias que se lhe elevavam orgulhosamente do peito que chamavam a atenção. Usava uma camisola branca em algodão PGM, fina e transparente, que deixava ver o sutiã preto, daqueles que são uma espécie de quarto de bola e fazem jus ao nome, sustentam por baixo e imagino sejam feitos de poderosa fibra de carbono tal o peso que suportam, deixando à solta todo o resto que goza alegre e saltitante daquela liberdade controlada. Primeiro o filme, das mais paradigmáticas demonstrações do que pode ser o cinema em toda a sua força e espetacularidade, exceto naquilo que talvez mais conte numa autêntica obra de arte, transmitir uma qualquer espécie de esperança no futuro por via de um exercicío de beleza, mesmo se recorrendo à mais atroz das violências como é o caso, o que manifestamente não consegue. Depois aquele restaurante vazio mas pleno de interesse face à postura, digamos, comercial, dos três personagens, particularmente da inusitada empregada, que me fez lembrar o trocadilho entre "butterface" e "but her face!", utilizada para nomear mulheres feias mas apetitosas, neste caso o mais adequado seria "mas aquelas prateleiras!", levaram-me a recuar trinta anos e a outros restaurantes mas na terra do Tio Sam.
Na verdade desde que deixámos para trás o Canadá, frio e cinzento por fora, demasiado quente e iluminado por dentro, insonso e triste em qualquer dos casos, pelo menos naquele remoto mês de Maio ainda bem nevoso por aqueles lados o que nos obrigou a fazer, literalmente, quilómetros, em verdadeiras cidades subterrâneas, e entrámos nos EUA, sempre dentro de um jipe percorrendo desde as montanhas Cherokee bem a norte até ao sulista Alabama, cruzando vários estados e cidades como Nashville, Charlotte, ou Atlanta de onde seguimos de avião para Nova Iorque, isto é desde o interior à mais palpitante das cidades, parecia estarmos permanentemente na presença de um qualquer eficiente e simpático vendedor. Fosse o índio da reserva junto ao qual nos fizémos fotografar, o patrão e as empregadas da várias fábricas textil que visitámos, os ascensoristas dos hoteis, enfim fosse quem fosse que nos atendesse em todo o lado, não havia ninguém que não estivesse a vender alguma coisa. Um imenso e eficiente departamento comercial.
Por estes dias em que paira no ar como que uma dúvida global, o que realmente importa? O pragmatismo do negócio e da feroz concorrência que prometem o sacrossanto crescimento, ou a dita utópica opção por uma espécie de meio caminho entre isso e o respeito pela dignidade humana, seja lá isso o que fôr em função das latitudes de que se fale? Apetece-me pensar que apesar da inegável excelência de uma obra notável como é "O Renascido", seguramente, nestes próximos tempos, um potente arauto da força dos EUA e, acima de tudo, fonte de imensamente lucrativo negócio mas considerávelmente vazio de uma mensagem da esperança pela qual todos gritámos, escolho o outro escaparate, as "prateleiras" de todas as anónimas e simples empregadas que por esse mundo fora representam com simplicidade aquilo que realmente interessa, a ingénua(?) e saudável humanidade.