Como de costume caminhando sobre o passadiço reparo em várias peças de roupa lá adiante, numa cota uns quantos metros mais abaixo, num improvisado campo de futebol para jogadores de fim de semana mas com balizas a sério, penduradas na trave superior de uma destas a bailar suavemente ao vento ligeiro e quente que faz apesar de pouco passar da dez da manhã. A aproximar-se com mais algumas nas mãos, uma mulher que me parece bastante nova a avaliar pela firmeza do belo corpo que exibe generosamente dado só usar um biquini preto diminuto. É bastante alta, percebo-o pela facilidade com que chega áquela considerável altura. Junto áquilo que julgo uma manta estendida no chão perto de uns arbustos uma outra mulher, menos jovem, mexe em algo lá pousado. Estão a secar a roupa, penso enquanto procuro com os olhos uma tenda que acredito possa estar por ali algures. Estou nisto quando vejo um vulto entre os tais arbustos a movimentar-se, sorrateiramente, na direção da segunda mulher. Tal como elas parece não reparar em mim quando, já a correr, leva qualquer coisa, uma mochila?, de cima da manta, e dirige-se para um outro aglomerado de arbustos uns cem metros mais longe, e relativamente perto do local onde o passadiço me levava. A mulher começa a chamar a jovem com uma voz esganiçada, confusa, virando a cabeça em todos os sentidos procurando o larápio mas perdendo-lhe o rasto. Depressa desistem sentando-se ambas certamente amaldiçoando o ladrão, e talvez satisfeitas por as perdas não serem assim tão importantes. Aumento o ritmo da minha marcha tentando simultâneamente fazer-me notar o menos possível a quem, provávelmente, permanecesse no local onde vira o vulto esconder-se. Demoro menos de cinco minutos a lá chegar, e o que vejo entre os ramos carregados de folhas verdes é um rapazito aí de uns catorze anos com uma bela máquina fotográfica na mão, daquelas tipo reflex mas concerteza já com as ultimas novidades tecnológicas, a avaliar pelas dificuldades que me parece o rapaz estar a enfrentar ao tentar descobrir o seu funcionamento. Estava tão concentrado na sua tarefa que quando me viu encontrava-me em cima dele. Rápido como um gato esgueirou-se sem que eu conseguisse sequer tocar-lhe mas, na sua atrapalhação, deixou ficar a máquina para trás.
Quando cheguei junto das mulheres estas ainda permaneciam no mesmo sítio, sentadas e a conversar num idioma que não entendi. Mantive-me parado a dois/três metros perante aquele quadro onde a beleza e a sensualidade se misturavam com uma espécie de sensação de fragilidade, como pano de fundo naquele cenário verde, que lhe conferia uma feminilidade arrasadora e perturbante. A mais nova era realmente uma rapariga, talvez com uns dezoito anos, belíssima em todos os aspetos, e que demonstrava algum desalento, parecia até ter choramingado. Estava nos braços da mais velha, mas pouco mais, igualmente lindíssima e que a confortava. Logo me apercebi que o tipo de carinho era bastante intímo face á forma como se olhavam e tocavam. Em silêncio entreguei-lhes a máquina o que me valeu um sorriso deslumbrante da rapariga enquanto estendia o braço, fazendo elevar-se ligeiramente os magníficos seios dos quais resisti tirar os olhos para mergulhar no azul claríssimo dos dela. Da outra, que rápidamente se apercebeu como me tinham hipnotizado, mereci um you are our hero, uma afirmação feita com um sorriso malandro nos lábios incrívelmente convidativos, e num inglês que de imediato detetei claramente melhor que o meu. Foi nesse enferrujado pseudoinglês que lhes contei como havia recuperado a máquina que, de facto, e só agora o confirmava, se tratava de um aparelho sofisticado, até porque, disseram-me, um dos objetivos da viagem era mesmo fotografar, nomeadamente plantas e insetos mais ou menos raros pelas bandas delas, a Holanda como me informaram, mas comuns por cá. A rapariga queria seguir botânica. Entretanto chegaram de bicicleta mais duas autênticas beldades, uma delas loura como as outras e uma morena deslumbrante, igualmente escultural ainda que de curvas mais acentuadas como nelas é habitual, ás quais explicaram naquela lingua em que parece estarem sempre a entalar-se, extremamente gutural e completamente incompreensível, para além da minha presença ali, os seus planos, e naturalmente puseram-se todas de acordo em convidar-me para almoçar. Porque foi exatamente isso que fizeram antes de ficarem aqueles quatro pares de olhos, três azuis e um castanho, todos de uma expressividade e beleza impressionantes, absolutamente especados em mim debaixo de um silêncio ensurdecedor. Aceitei.
Como se me tivessem esquecido meteram-se a caminho entre os arbustos na direção da estrada que passa adiante. Seguias obediente e calado até uma enorme caravana, magnífica, onde reparei em mais duas bicicletas presas numa grade na parte superior. Durante o pequeno percurso houve tempo para as minhas primeiras duas conhecidas trocarem um demorado beijo na boca, mesmo em andamento, naquilo que me pareceu uma espécie de enterrar definitivo, do momento negro que havia sido o breve desaparecimento da máquina fotográfica. Teria sido impressão minha ou a mais velha delas tinha-me lançado um relance, no curtíssimo intervalo do tempo em que deixou de estar com os olhos fechados permanecendo a sua boca colada à da companheira? Não tive oportunidade para refletir muito neste meu dilema porque começaram imediatamente a preparar uma refeição leve, nada de cozinhados, mas muito diversificada, com vários queijos, fiambres, mariscos, pães e bolhachas, compotas e outros doces, um vinho branco gelado e outro tinto, ambos de qualidade média/baixa, indiquei-lhes outras marcas, pelo que bebi cerveja. Ainda antes a tal que me havia dispensado um olhar eventualmente convidativo mostrou-me a casa delas, enorme e inacreditávelmente completa. Durante a refeição explicaram-me serem todas de Amesterdão e arredores, duas ainda a estudar e as outras a trabalhar num gabinete de arquitetura, sendo que só uma delas, a mais nova, pretendia seguir outra atividade, idealmente ligada à botânica. Este ano tinham escolhido Portugal para as suas, com esta, terceiras férias nestes moldes e as mesmas quatro amigas, mais ou menos dois casais, foi rigorosamente assim que se definiram. A escolha do Porto em particular não foi inocente, mas graças ao reconhecimento internacional que a Escola de Arquitetura da cidade, escola no sentido mais amplo do termo, tem lá por fora, e também motivadas por alguns edificíos que por cá queriam conhecer. À medida que a garrafas íam esvaziando foi crescendo e adensando-se pelo interior daquele espaço estranhamente fresco, atendendo à alta temperatura exterior, uma carga de sensualidade, de apetites sexuais, à qual era impossível tornar-me indiferente. Súbitamente as duas últimas que havia conhecido retiraram-se para um dos quartos, havia um outro, e depressa começamos a escutar os inconfundíveis sons do amor. Pressentindo-me algo, para não dizer muito, alterado, Ruth, assim se chamava a minha loura preferida, com a sua jovem companheira ao lado fitando-me de uma maneira a um tempo doce e atrevida, disse-me, queremos dar-te uma prenda. Como gostas de fotografar (já lho havia confessado antes), e porque já tinhamos falado entre nós as quatro que haveríamos de arranjar alguém que nos fotografasse juntas, em poses livres (aqui lançou um sorriso irónico que me deixou ligeira e agradávelmente apreensivo), concordámos fazê-lo hoje e seres tu o fotógrafo. Queres? E, sem aguardarem a resposta que já conheciam, desapareceram metendo-se dentro do outro quarto. Na expectativa, preparado tudo, esperava excitadíssimo e eis que me surgem, práticamente as quatro ao mesmo tempo, pela frente. Duas em bikini, reduzidíssimos, e outras duas também mas com umas túnicas muito finas e coloridas por cima, três delas maquiadas, menos a mais nova que apresentava o rosto limpo. Queremos que nos fotografes na praia, sentenciou Ruth. A partir daquele momento, e durante perto de três horas, como que entrei numa outra dimensão. A maré estava vaza pelo que consegui algumas fotos muito boas de entre as muitas que lhes tirei. Numa espécie de transe, enquanto elas se íam revezando à frente daquele olho voyeurista que glosei como nunca, sózinhas, duas a duas ou as quatro, ora umas ora outras só de bikini, sempre extremamente sensuais, algumas vezes até em posições arrojadas e atitudes eróticas, fui aperfeiçoando o estilo de forma que, a dado momento, quase me sentia um profissional a trabalhar com umas quantas modelos/divas. Por fim, todos considerávelmente cansados, Ruth encarou-me e declarou solene, pronto, agora vamos escolher algumas, passar para uma pen drive, e levas de recordação para casa. Agradeci com um ar onde deve ter transparecido algum desencanto, tendo em conta o que me pareceu uma leve expressão zombeteira no rosto das restantes. Depois de mais uns copos, não saí sem que todas elas manifestassem calorosamente, muito especialmente Ruth, o seu apreço por mim. E lá fui, com um sentimento misto de felicidade e frustração, o preço a pagar por uma mente imaginativa..., a matutar na vida mas nada arrependido de, quase sem esforço, aquela máquina fotográfica milagrosamente me ter caído nas mãos.