Sobe-se pelo Porto acima até às Antas e constata-se uma cidade cada vez mais desigual, lado a lado com as lojas chiques das grandes multinacionais, multiplicam-se os passa-se e os vende-se do nosso descontentemento. Outrora pequenos negócios familiares de sobrevivência e teia de vivência de uma sociedade feita de vizinhos. Agora sobram nas suas soleiras, tantas vezes esfregadas orgulhosa e frenéticamente com sabão azul-e-branco por senhoras de ar fresco e satisfeito, indigentes de mão estendida. Sinal dos tempos.
Mas chegados às imediações da igreja das Antas como que se mergulha numa twiligth zone, uma outra dimensão! Delimitada a norte pelo magnifíco templo relogioso e a sul pelo imponente, e não menos sagrado templo do Dragão, alonga-se por escassas mas deslumbrantes centenas de metros a Alameda. Ladeada por duas vias de circulação para veículos, de duas faixas cada, alarga-se pelo meio um vasto corredor para passeio separado das estradas por não menor espaço relvado e arborizado de ambos os lados. Em dias como ontem, fim de tarde de inverno em fase de tréguas, a luz solar remanescente ilumina e reaviva o verde dominante, revela-o sedoso e confere às silhuetas das árvores ainda em crescimento um aspeto nostálgico. Acendem-se as luzes públicas, e só então se repara nos estilizados mas simples pequenos postes de luzes alaranjadas que nos vão acompanhando na descida. Tal como tudo o resto conferem ao conjunto uma sensação algures entre o minimalismo, eficácia, beleza e funcionalidade. Não obstante a crise, que aqui se faz sentir menos, os prédios de elevada qualidade e preço, fazem-se notar crescentemente na sua opulência, mas nunca diminuindo as possibilidades que a Alameda oferece, dada a grande distância que separa cada uma das margens daquele rio de gente que por ali costuma correr, mais, ou menos, alteroso em dias de jogo.
Ainda antes de contornar o estádio mesmo junto às portas de acesso ao anfiteatro, é já possível adivinhar a grandeza do que se vai oferecer ao olhar, mas é após percorrer algumas dezenas de metros, para trás ficou já o Feijão, pavilhão ultramoderno onde o FCP, em tão poucos anos ganhou tanto!, assim chamado por acompanhar a forma da espetacular obra de engenharia que é a Via de Cintura Interna naquele lugar, que se pode perceber a real dimensão de tudo aquilo. Debruçados sobre uma paisagem que abrange dezenas de quilómetros, uma enorme varanda muito acima das formigas que lá em baixo se apressam, vê-se, parece logo ali!, um intrincado enxame de viadutos por onde circulam centenas de veículos cujos farois e motores lhes dão a aparência de insetos a zumbir ao longe. Estende-se o olhar o somos literalmente esmagados por milhares de lâmpadas amareladas até perder de vista! Gondomar, Valongo, S. Pedro da Cova, aqui mesmo Campanhã e o Metro ligados por um infinito labirinto de trilhos, do outro lado em Gaia, pelo meio serpenteia brilhante o Douro atravessado pela ponte do Freixo, plena de luzinhas brancas para cá, vermelhas para lá, Oliveira do Douro, Avintes, o Monte da Virgem, imponente e assinalado pela bela torre de antenas da RTP, a cosmopolita Av. da República adivinhada pela fileira de prédios que a resguardam. Fabuloso e único.
Lá vem um avião a nascente, descobre-se pelos sinais luminosos que emite. Sigo-o e só então me apercebo da enorme distância a que viria, dada a enormidade de tempo que o vejo até o perder já a poente. Durante estes minutos mágicos em que vagueei por outros lados fez-se noite fechada e as pessoas encheram as zonas de torniquetes de acesso. Lá vão elas todas atarefadas, já possuídas por um nervoso miúdinho que tantas vezes as impossibilita de ver e não simplóriamente olhar. Todo o conjunto que constitui esta obra que acabei de relatar, está destinado a perdurar nas memórias, quando outros que não esta gente poderosa mas assética que atualmente por aqui vive, polularem entre prédios marcados pelo tempo, mas também eternizados pela cultura que este traz. E então, daqui a muitos anos, alguém, aqui neste mesmo sítio onde estou, vai pensar, visionária, fantástica e abençoada gente que, tão à frente do seu tempo, contribuiu para a construção de tudo isto!