À medida que as sociedades humanas vão evoluindo e os seus componentes se vão afastando do instintos mais básicos do animal que são, vai crescendo em importância e dimensão o fenómeno da cultura. Ver as pessoas a apreciar uma qualquer expressão artística constítui a maior demonstração daquilo que nos separa dos seres irracionais, algo que as está a transformar preenchendo um espaço essencial na sua vida, o de tentar dar respostas impossíveis a perguntas eternas. A atitude contrária, de mera luta pela sobrevivênvia, corresponde a uma paragem ou mesmo um recuo relativamente ao respeito por valores tão importantes como a tolerância, a solidariedade, a dignidade, a civilidade, ou a luta por uma vivência em harmonia para exprimir o conceito de forma mais abrangente.
Sendo um caminho com altos e baixos, é um processo que cíclicamente tende a perder vigor porque o seu avanço corresponde a um estado de maior esclarecimento, destruindo portanto a ignorância alimentadora de toda a espécie de excessos e abusos que invariávelmente beneficiam alguns à custa e em detrimento de quase todos, ainda assim, digamos que a um nível ou numa perspetiva mais larga e profunda, vai sistemáticamente evoluindo, pouco a pouco. Esse efeito de fundo leva a que, cada vez mais, a denominada atividade cultural, porque envolvendo um número de pessoas que felizmente não pára de aumentar, seja uma aposta apetecível em termos de investimento economicofinanceiro. A prová-lo o peso que já tem atingido dois dígitos no PIB de alguns países. Os que, nessa matéria, vale a pena emitar.
É, por isso, muito triste e até incompreensível, só explicável por preconceito, revanchismo ou pouca nobreza de caráter, como é que políticas como a de Rui Rio na cidade do Porto durante mais de uma década, e sobretudo, porque mais global, a do atual governo têm tantos e tão supostamente ilustres e informados seguidores. Como é possível defender-se a manutenção e até o incremento da ignorância? O resultado está à vista através do exponencial crescimento da mediocridade, violência dentro de portas das famílias, um evidente decréscimo cívico na postura das pessoas em geral quando em sociedade. Fala-se, e até parece que erradamente porque fruto da viciação de dados estatísticos, que a violência diminuíu, simplesmente, a ser verdade, é óbvio que tal se deve ao ambiente de medo instalado, uma sensação de perda e confusão ainda subliminares que aconselha o encolhimento. Voltamos ao tempo do bodo aos pobres, do pão e circo, enquanto só uma pequena elite tem direito a viver no sentido mais amplo e justo do termo.
É só reparar, a título de exemplo, como às poucas salas de cinema que restam por esse país fora o que chega são exclusivamente os blockbusters plenos de barulho, violência, vazios de qualquer sentido edificante ou humanísta, assustadoramente estupidificantes, ou então enlatados para crianças teimosamente defensores de uma certa moda baseado nas importância das aparências, e de um sarcasmo precoce disfarçado de inteligência. É que as fitas verdadeiramente interessantes ficam em Lisboa, sendo o Porto premiado com uma pequena parte delas. Porque não há espetadores, dizem. Pois não! E, por este andar haverão cada vez menos. A quem compete inverter esta lógica? Onde nos vai levar este lastimável retrocesso civilizacional? A mistura explosiva de uma austeridade míope e autoritária, apontada aos mais frágeis, criadora de uma bipolarização entre uma minoria esclarecida e poderosa, e a esmagadora maioria vergada à luta pela sobrevivência sem tempo ou força para levantar a cabeça da lama para olhar as estrelas, mera perda de tempo segundo os iluminados que reservam exclusivamente para si esse direito, não é solução para coisa alguma. Como no passado, o futuro irá demonstrá-lo.