Positivo! disse o médico. Petrificados ficámos a olhá-lho como quem espera a confirmação ou que desatasse a rir confessando estar a brincar. Mas não. A expressão que manteve não só não indicava quaisquer tréguas como parecia preparada para desferir novos golpes, a espada ainda a postos com sua lâmina a brilhar ameaçadora. E está grávida. Os últimos segundos, que sentira como horas, consumira-os a sorver sôfregamente tudo o que Laura falava no seu silêncio e, completamente desarmado, pareceu-me perceber uma espécie de alívio imediatamente após a segunda avassaladora notícia ainda dentro do mesmo minuto. Confirmei-o logo de seguida quando disse, acho que li em qualquer lado que o bébé pode nascer saudável, e ficou especada como quem espera uma sentença. Sim. Se a mãe mantiver certos cuidados.
A caminho de casa esclareceu-me a propósito de uma observação que o médico fizera ao facto de, apesar de ter decorrido um tempo considerável entre o ato sexual em causa e a análise, ainde serem detetáveis no sangue vestígios de uma droga da família, ou mesmo de cocaína. Depois da desbunda que tinha sido a festa de apresentação do livro, ele ainda abriu mais uma garrafa de champagne já no quarto do hotel e, na altura, aquilo soube-me um bocado amargo, mas levei a coisa mais para a bebedeira, a saturação do organismo. Agora acho que o gaijo deve ter metido no copo um comprimido qualquer, um speed, é típico naquela malta da alta. Já tudo experimentado, tudo vivido, nada a perder. Meu Deus! Que burra fui! E como eu me sentia feliz no meio daquela gente...o mais longe que tinha ido foram uns charritos, e há quantos anos! Claro depois...só as vezes que recomeçamos durante horas! O preservativo foi um próforma, uma espécie de licença para entrar...
Refletindo no que disse, pousou a mão no meu ombro o que me levou a tirar os olhos da estrada e constatar que as lágrimas lhe corriam pela face, mais uma máscara, que mantinha o aspeto de falsa tranquilidade. Não sei de quem é esta criança, houveram outros, mas sabemos que não é teu Ivo. Vou tê-lo. Vou fazer dele a razão da minha existência. Parou observando-me, e desde já, fazendo tudo o que fôr necessário para que nasça sem problemas, mas tu és um homem livre. Sei que não precisas que tu diga, é só para que saibas a minha disposição. Calou-se.
Ainda hoje não sei como chegámos a casa! Não recordo dessa viagem outra coisa que não seja um turbilhão de ideias que me revolviam nessa, e em todas as outras entranhas. No momento em que ela se calou fui incapaz de articular uma palavra sequer e, sem que com isso eu tivesse qualquer intenção, instalou-se entre nós um silêncio pesado que serviu para mentalmente articular-mos os respetivos discursos que se seguiriam, pelo menos era isso que eu pensava até ao momento de, eu já a preparar-me para abrir a porta da garagem e ouço-a, fria, se quiseres posso ficar na minha casa.
Fitando-a e percebendo o seu desespero reagi suavemente não obstante a vontade que, também eu, senti-a de "explodir", primeiro sabes que isso é um completo disparate, não tens lá condições, mas mesmo que aquilo fosse o Ritz, hoje, especialmente hoje, nunca te deixaria sózinha, depois, já devias saber que esse tipo de observações me magoam e ofendem. Abraçou-me e desatou num choro convulsivo que haveria de continuar até se meter na cama, depois de tomar um comprimido sonorífero de uma caixa que Sílvia lá deixara esquecida. Quanto a mim tinha pela frente uma daquelas que haveriam de ser das mais longas noites da minha vida.