Ao longo da rua colada à praia, lado a lado com belas vivendas, sobretudo renovadas mas também mais recentes com os seus orgulhosos proprietários cortando a relva dos bonitos jardins fronteiros, os cães de raça a desafiá-los para a brincadeira escondidos atrás das vistosas máquinas último modelo, podem-se ver outras semiabandonadas, tudo fechado, marcas de alguma degradação, jardins caóticos. Sinal dos tempos.
Já passei por ali centenas de vezes, no entanto só hoje reparei numa em especial. Cercada por uma autêntica floresta nascida do crescimento e multiplicação excessivos de vários tipos de árvores e arbustos por todo o lado, só com alguma atenção se pode descobri-la lá no meio. Enorme, daquelas com dois pisos para além de mais uns acrescentos adequados a pequenos sotãos altaneiros, com as suas típicas janelas, ali autênticas vigias para o mar a escassas dezenas de metros, bastante larga e comprida, ainda lhe descobri, bem ao fundo do vasto jardim, uns quantos edifícios mais pequenos que julgo serem vários anexos e garagens. Tudo indica ali ter albergado, durante largos anos dado o proveta idade que aparenta na sua evidente robustez, uma família numerosa onde, muito provávelmente atendendo às excelentes condições, terá vivido os seus dias mais felizes . Ainda antes de perceber porquê comecei a sentir algum incómodo, parecia faltar-me o ar, até que vi tudo aquilo que havia sido entrada de pessoas, luz, ar, pura e simplesmente tapado com tijolos, que formavam paredes obviamente mais recentes que as originais ainda que, também elas, já com alguns anos. E a quantidade de janelas, portas, postigos, etc., que aquilo tinha!
Como se uma daquelas peças de plástico e afins injetadas de uma só vez se tratasse, constítuida por uma peça só, monstruosa, que, seguramente, terá o tal pequeno e muito disfarçado orifício por onde entrar, o plástico no molde, as pessoas benvindas nesta casa. Pus-me a imaginar o que terá levado alguém a assim tão violenta e selváticamente sufocar semelhante castelo. Concerteza tentando protegê-lo dos ladrões, que, mesmo assim, não se coíbiram de roubar parte do que cobre o placa de betão, resisto a chamar-lhes telhas apesar daquela para essas parecer estar preparada, dando mais a impressão de serem umas placas em xisto, mas perfeitamente cortadas para o encaixe. Compreende-se a preocupação e o cuidado, o que é difícil aceitar é essa mesma proteção não ser feita por outros meios menos, digamos, definitivos. É que é uma verdadeira agressão ao olhar e para a alma, deparar com esta magnifíca construção, mesmo do ponto de vista arquitetónico, assim sufocada. Acredito que quem quer que o tenha decidido fazer se defrontasse com grandes dificuldades ao optar, ali mesmo em frente à vastidão do mar naquela belíssima paisagem, tão cruelmente cegar e abafar aquela casa como quem venda e amordaça uma linda mulher, ainda na sua pujança e plenitude, para a esconder e abandonar, deixando-a a envelhecer cada vez mais e mais esquecida.