Reparei nela há dois ou três anos, sempre com a mãe, ocasionalmente também com o pai e, curiosamente, apesar ou talvez por isso mesmo, de se parecer com uma boneca, uma autêntica Barbie, não lhe noto diferenças com o passar do tempo, nem sequer consigo determinar a idade que tem, algures entre os 16 e os 26?
Magra qb, com a altura certa, tem um rosto aparentemente de pele imaculada, invariávelmente supermaquiado, e mesmo postura, será o seu ídolo? tipo Audrey Hepburn, extremamente fino, olhos negros grandes, rasgados e dotados de umas enormíssimas pestanas, encimados por fortes, mas bem domadas, sobrancelhas igualmente negras, um nariz a raiar a perfeição, os lábios cheios mas não demasiado e, quando se ri, o que faz com frequência cativando com um ar algo coquete mas onde se adivinha determinação, mostra uma corretíssima fileira de dentes muito brancos. O cabelo é bastante comprido, na maior parte das vezes usa-o solto e já lho notei preto ou, como agora, mais acastanhado com suaves nuances mais claras nas pontas.
Nunca a vi com outra indumentária que não sejam calças que julgo serem de licra, bem justas a evidenciar umas pernas longas, bem torneadas, quase sempre com motivos tipo pele de tigre ou leopardo mas também simplesmente pretas. Sobre o tronco, tem os seios pequenos, mais ou menos leve conforme o tempo que faz, usa uma peça de roupa a condizer com as calças, isto é igualmente vistosa. Nas mãos muito magras e pálidas que tornam os dedos ainda mais finos e compridos e que terminam em aparatosas unhas pintadas de vermelho vivo, brilham vários aneis qual deles o mais exótico e, nos pés, calça sempre elegantes botins de tacões altíssimos, de forma que é possível vislumbrar uma nesguinha de perna nua até onde começam as calças.
Espécie de versão renovada da omnipresente mãe como fácimente se comprova ao primeiro relance tal é o mimetismo, a qual, óbviamente, se faz continuar na filha com tudo o que isso arrasta atrás mas que agora não é para aqui chamado. Tal como a progenitora anda muito direita mas dengosa, pelo que quando ambas chegam não há cabeça que não siga, hipnotizada, a triunfal entrada. O olhar em frente ignora toda a gente oferecendo-se à adoração que sentem na pele, e lá vão elas sentar-se nos seus lugares meia dúzia de filas acima do que ocupo. O pai, nas raras vezes que vem, ostenta uma atitude semelhante, no sentido de ignorar os outros mortais, mas, em tudo o resto, muito mais descontraído no seu estilo elegante que transpira bem-estar. Um trio que, apesar de tudo, suscita uma certa sensação de mistério em toda aquela sensualidade.
Últimamente, já é para aí a terceira vez consecutiva, resolveram fazer umas sessões fotográficas, bem à minha frente, aí a uns dois metros. Ela encostada a uma pequena estrutura metálica situada a seguir à entrada e sobranceira às filas de cadeiras, tendo por fundo as bonitas bancadas e o magnífico relvado do Dragão, e o pai, de máquina em punho, toca a fotografar, enquanto a mãe, sentada lá em cima, supervisiona. Mais para a direita, para a esquerda, de lado de frente, de trás, enfim...um sufoco! No rosto, ainda mais sedutor porque parcialmente encoberto por uma madeixa de cabelo, aquele sorriso misto de desafio e sobranceria, e mesmo, mais raramente, uma pequena gargalhada contida. Não faço a mais pequena ideia para que é aquilo tudo, que ela, aliás, inspeciona atentamente durante os intervalos da sessão. Num desses momentos, ontem, não obstante já nos cruzarmos ali há anos, pela primeira vez, tive direito a um olhar bem de frente, até um tanto demorado, com aquele sorriso que parece iluminar tudo à volta, onde penso ter descoberto uma ligeira mistura, só para mim, de ironia. Porquê? Terá sido por eu, tendo perdido por completo quaisquer resquício de pudor, pura e simplesmente me ter esticado descontraídamente na cadeira para melhor usufruir daquele verdadeiro espetáculo para deuses, imaginando como aquela criatura, se quisesse, me escravizaria para o resto da vida?