semtelhas @ 12:08

Qua, 19/12/12

 

Apanhar, rebuscar, procurar.

 

Pareciam formigas. Em anos anteriores já tinha visto um aqui, outro ali. Quando chego ao ponto onde posso ver o areal, lá estão eles, homens, mulheres, novos e velhos. Agora que o mar, já farto, resolveu devolver tudo o que durante um ano andaram a impingir-lhe, é ver um exército munido das mais diversas armas, varas, navalhas, cestos, sacos, até sofisticados carros com rodas para transportar grandes pedaços de madeira, a atacar o precioso lixo. No meio daquela multidão que trabalha ao longo dos três quilómetros que percorro, descubro aquele velhote que, últimamente desaparecido, habitualmente vejo sentado no muro que separa as dunas da estrada. Quase sempre só, por vezes com mais um ou dois compinchas, com pinta de abastado, semana atrás de semana a apanhar sol e a deixar a vida correr. O que andava ali a fazer?

 

Passado um bocado ouço um chilrear que vai aumentando de intensidade. Descubro lá em baixo, num espaço relativamente liso delimitado por duas balizas, um ervado, uma dúzia de crianças que gritam correndo atrás de uma bola. Cá em cima, por onde passo, ela, catorze, quinze, berra - querem ir caminhar? - em uníssono - NÃO. Ela, exatamente quando me cruzo com ela murmura - foda-se. Ele, da mesma idade, displiscente, e duplamente, encostado às cordas, ordena - daqui a vinte minutos vamos caminhar, não é só jogar à bola (pode ser que o cantinho e a oportunidade aconteçam).

 

Rasantes passam dois ucranianos(?) a correr ao mesmo tempo que conversavam algo que devia ser muito interessante, dado o entusiasmo com que o faziam, mas que me escapou no meio daquele confusão de  ieves, oves e itches. Devia ser sobre o apurado nível de forma que estavam a atingir. O mesmo não podia dizer aquela caminhante senhora, de lânguido olhar, que seguramente procurava outra coisa.

 

Lá longe, quase inaudíveis, as viaturas na estrada só deixavam escapar um zumbido, insetos em movimento de olhos acesos, a manhã seguia escura. Dentro delas podiam-se adivinhar diferentes vontades: o escritório ou a fábrica da sobrevivência; o comboio, o barco, o avião, o continuar ao encontro de um qualquer objetivo; o regresso ao conforto da casa; a deslocação ao café, pequeno-almoço e jornal, quebrar rotinas, invadir outros mundos.

 

De repente, ainda a marítima zanga, o AVISO: passagem proibida, passadiço em manutenção. A experiência estende o olhar mais adiante e descobre que é possível contornar o desastre evitando assim o nefasto contacto com o alcatrão da estrada. Baixo-me para ultrapassar a minha desobediência e, ZÁS, ouço os calções a rasgar-se (ainda bem que trouxe o capote contra a chuva!). Vão-se os calções chega a memória. Foi há quanto tempo? Para aí dezasseis anos. Uns Abanderado todos catitas que ainda um destes dias apreciei no meu filho, pose vaidosa, numa fotografia na Tavira do nosso contentamento. Mas ainda há esperança. Para os calções e para Tavira.

 

A bicharada lá anda, em maior número e mais feliz quando chega o frio e a chuva, porque mais livre dos intrusos que para eles fomos(?). Coisas, sexo, amor, sobrevivência, reconhecimento, memória...respigadores, é o que todos somos.


direto ao assunto:

"O medo de ser livre provoca o orgulho de ser escravo."
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