Um dia destes, numa daquelas ocasiões que quando olhámos vemos, reparei num senhor algo decadente ali à minha frente. Estava ao espelho.
Confesso que fiquei um tanto chocado quando notei alguma frieza nuns olhos agora sempre ligeiramente aguados e num ardor quase constante, percebi a velhice a avançar na pele das mãos enrugada e plena de manchas, vi os músculos a descair nos ossos, deixando o esqueleto cada vez mais a descoberto, a barriga já de dimensão indisfarçável não obstante o exercicío, as brancas a avançarem sem piedade, idem nos pelos da barba, bem como uma quantidade inusitada destes a crescer nos sítios mais insuspeitos.
Desde esse momento de verdade, tenho estado atento a outros sintomas. Foi então que comecei a reparar numa alarmante repetição de expressões como, se chegar lá; de atitudes como uma certa desvalorização do que me rodeia, como que já não constítua novidade; a cada vez maior dificuldade em colaborar, ainda que compreenda e chegue a aceitar, a arrogância, a presunção, a violência ou a vaidade fútil; alguma condescendência perante situações que mereceriam outra postura; e mesmo, em certas ocasiões, uma tentação para a desistência face à evidente(?) impossibilidade de mudar seja o que fôr.
É certo que o motivo para esse estado de espiríto tem razões bem reais: começarem a morrer-nos pessoas mais frequentemente; a cada vez maior incapacidade de contrariar rotinas; as doenças que começam a apertar o cerco; o descodificar boa parte do que nos rodeia passando a ver tudo a preto e branco; sentir que a maior e melhor parte da caminhada já ficou para trás; a crescente impossibilidade de manter, quanto mais potenciar os prazeres da vida; a imparável perda de energia; perceber que a inexorável marcha do tempo jamais permitirá corrigir o que se fez de errado; o medo do sofrimento, aqui tão perto; enfim o cada vez mais próximo confronto com o fim de todas as dúvidas, única verdadeira razão de viver.
Perante um certo olhar, silêncioso, que os mais jovens pousam sobre nós, que grita a constatação da nossa decadência, há obviamente diferentes possibilidades de agir: em casos limite precipitar a desenlace; deixar andar, mantendo os serviços minimos até à estação final; ou entender que esta não é mais que uma fase num processo em curso, nas quais sempre existe a verdade...que se vai alterando de umas para as outras. Como poderia ser de outra maneira?
Poderei comprová-lo se tiver a possibilidade de reler estas linhas daqui a dez ou vinte anos, como me irão parecer ingénuas!