É o conteúdo do livro "Orlando" de Virgínia Woolf.
Já tinha tentado ler "Ondas" da mesma autora mas tal tarefa revelou-se impossível por de tão etérea obra se tratar. Uma escrita que vai aos confins da mente humana de uma forma sistemática, raramente a escritora sobe à tona, à vulgar vivência do comum dos mortais, como quem, jogando xadrez, vai por ali fora tentando anticipar os movimentos do adversário até ao ponto de correr o sério risco de se perder no seu próprio labirinto.
Após a leitura de "Orlando" voltei à carga, já mais armado, mais capaz de descodificar o pensamento desta genial mulher, mas ainda não foi desta que consegui ler aquela que é considerada a sua melhor obra. Fica para a próxima.
Ainda assim do pouco que avancei deu para perceber que o seu tema preferido consiste numa certa obsessão pela passagem do tempo, pela incontornável incapacidade que temos de compreender o fenómeno, e como, perante isso, as várias faces da existência adquirem uma aura de mera transição, reduzindo à expressão mas simples todas as formas de cultura ou mostrando absoluto desprezo por todo o tipo de preconceitos. A personagem Orlando, atravessa três séculos durante os quais foi primeiro homem e depois mulher, foi rico e conheceu a pobreza, viveu em terras cristãs e viajou longamente por países muçulmanos, sedentária/o e introvertida/o por natureza experimentou o nomadismo dos ciganos e amou a natureza ao ponto de nela se desejar perder. Impressionante a densidade da sua escrita que, num pequeno livro, nos explica as múltiplas formas da alma humana se apresentar, mas também de como retrata fielmente os hábitos da população que constituía as várias sociedades que vai descrevendo, para finalmente ficar claro que, mesmo mudando radicalmente a sua forma de vida com o passar do tempo, Orlando, homem ou mulher, metáfora de todos nós, continuava com as inquietações e problemas de sempre.
Certa vez, num considerável estado de alucinação, experimentei um autêntico momento de pânico ao ousar espreitar as profundezas do abismo que pode ser qualquer tentativa de perceber esta diabólica máquina do tempo da qual parece fazermos parte. Tenho a veleidade de pensar que, numa insaciável procura de verdade, foi a incrível capacidade que Virgínia Woolf tinha para cavar fundo nesse tão incomprensível quanto magnético mundo infinitamente grande ( infinitamente pequeno?), que é a mente humana, que a levou a buscar a paz por via do mais radioso dos caminhos, fundindo-se com a natureza, origem e destino deste tudo e/ou nada que julgámos conhecer.
Obs - Há uma versão em filme de Orlando que recordo vagamente. Bem presente tenho a imagem de Tilda Swinton, ainda pouco conhecida na altura, que interpreta magistralmente as duas facetas, masculina e feminina, da andrógina personagem central da estória.