Liberdade ou Morte, grito de guerra dos habitantes da ilha de Creta, é também o título de uma obra do grego Nikos Kazantzákis, um épico em toda a linha, forma e conteúdo.
Lendo este livro somos surpreendidos pela semelhança entre a situação vivida pelos cretenses durante um dos vários períodos de ocupação daquela ilha pelos turcos no séc XIX, e aquela que atualmente vive o povo grego. Refiro-me à existência de características tão bem marcadas de um povo, das quais por nada deste mundo abrirão mão, da forma como repetidamente foram utilizados por outros e como por estes foram abandonados quando mais precisavam.
Mas este facto não passará de uma coincidência registada pela passagem do tempo. O livro é sobretudo uma maravilhosa viagem pelo modo de vida de otomanos e cristãos durante aquele período naquela ilha. Apesar de pontuais escaramuças, cerca de metade do relato é em tempo de paz entre invadidos e invasores. A descrição das idiossincrasias de cada uma daquelas formas de estar, cristã e muçulmana, põe a nú muito daquilo, quase tudo, que há de comum na vivência dos povos e as razões mais profundas que levam a que se mutilem e destruam mutúamente, o benefício de muito poucos por troca pelo sofrimento de todos. Quando esta clivagem é feita em nome de profetas religiosos, na medida em que mais incompreensíveis se tornam, aumenta proporcionalmente a cegueira dos oponentes, única maneira de, pela enorme dimensão do ruído produzido pelo entrechocar das armas, tentar não ouvir as vozes da consciência que gritam o absurdo que vivem. Por outro lado aquelas páginas também deixem bem claro até que ponto, e a enorme quantidade de pessoas, que só pelos limites impostos pela brutalidade e violência da guerra, se conseguem cumprir atingindo alguns dos mais elevados sentimentos humanos, coragem, pertinácia, fidelidade.
O resto, o essencial na verdade, é humor, é sensualidade, é fraternidade, é a natureza através da descrições tão detalhadas que fazem sentir o sol, a neve, os cheiros intensos da putrefação ou do almíscar, ver a beleza hipnotizante da turca, sentir o desespero na suas formas mais lancinantes, aprender com a sabedoria dos velhos, turcos ou cristãos. No fim a sensação de ter somado muitas vidas à vida e acrescentado mais um sólido tijolo na construção deste dique contra a indiferença.