Ou Saramago. Erva daninha indomável. Indestrutível. Autosuficiente. Impede o desenvolvimento à sua volta.
Atacou frontal e violentamente as religiões, implacável com os políticos, demolidor para aqueles que achava o tinham injustiçado, impiedoso para os mais chegados quando o entendia inevitável, seco, de relacionamento dificíl porque absolutamente direto, cru.
É verdade que podemos encontrar muitas destas carateristícas na personalidade de José Saramago, simplesmente, quase sempre aplicadas de uma forma adequada, por boas razões, como acreditava. Certamente que cometeu injustiças, mas quem não as comete? Acontece que o homem tinham um caráter rude, moldado por formas severas mas também firmes, inteiras, de onde saiu uma criatura acima de tudo autêntica.
Juntar tudo o que foi dito a um talento enorme para observar o mundo e uma arte ímpar para o explicar por palavras, através de fantásticas e gigantescas metáforas, resultou num escritor formidável, lido por todo o lado, por todo o tipo de pessoas, credor de uma admiração sem limites.
Imagino que quem comece agora a ler Saramago, especialmente as primeiras obras, longos parágrafos sem qualquer vírgula, enfrente o mesmo problema que eu no inicío. Digo-lhes o que o meu irmão, já grande fã, me disse, faz de conta que as virgulas estão lá, lês até te faltar o fôlego e recomeças. Resulta.
Acredito que o escritor viveu duas vidas, uma até conhecer Pilar Del Rio e outra depois. É certo que a sua obra mais monumental foi escrita na primeira vida e a razão por que estas duas pessoas se encontraram, mas o que fez daí para a frente, em crescendo, vai adquirindo uma luz, tonalidades mais abrangentes, uma espécie de mundovidência que me parece estaria vedada aquele Saramago algo amargurado a quem a espanhola trouxe lucidez por via de um amor que, só por si, já constitui uma espécie de mistério ou, no minimo, a prova da falência da racionalidade opressiva que parecia dominar Saramago.
Cada livro é uma obra de arte, todos os que li dignos dessa classificação, umas brilham mais que outras mas, na essência, são todas igualmente enormes. A imaginação, os pormenores, a riqueza de caráter das pessoas, a forma mágica, ou laboriosa, ou rigorosa dos enredos, a importância destes na vivência de todos nós, a omnipresença da defesa do respeito pela pessoa humana, pela sua sensibilidade pela positiva ou da total falta dela pela negativa, personagens inesquecíveis. Verdadeiros compêndios de sabedoria para aplicar na vida.
Memorial do Convento ensina-se e continuará a ensinar-se por muito tempo nas escolas. O Ano da Morte de Ricardo Reis é o livro certo para conhecer o autor e o Portugal de Salazar. Ensaio Sobre a Cegueira, posto em filme por Fernando Meireles é premonitório sobre o futuro do mundo. Todos os Nomes é uma metáfora fabulosa sobre o funcionamento das pessoas em sociedade. A Viagem do Elefante é um divertimento fantástico com história dentro. Para o fim a obra da minha preferência, A Caverna, genial cruzamento entre a Alegoria da Caverna de Platão e os Centros Comerciais dos nossos dias para trazer à luz as várias facetas da natureza humana.