Hoje cruzei-me com a Vanessa, essa, a filha do velho Lau.
Ainda antes de a reconhecer reparei numa figura esguia que se aproximava rápidamente, correndo, passada larga, elegante, e pensei, vem aí atleta. E vinha. Morenaça, muito fashion num conjunto verde fluorescente próprio para o efeito, onde não faltavam uns folhinhos nas alças para dar um toque feminino. E dava. Ao contrário da generalidade dos transeuntes não escondeu o olhar. Senti simpatia por aquela figura. Ainda não há muito tempo no topo do mundo como melhor trialista de sempre, agora, há tanto desaparecida das noticías, ali estava ela, quase anónima.
Fiquei a pensar até que ponto a ascenção meteórica no reconhecimento mediático tem que ser paga. Muito se disse e escreveu sobre esta rapariga. Tudo somado a ideia que me ficou é que a Nessa, para além do Fernandes, só foi buscar ao pai aquela força fisica incrível para trepar montanhas, quanto ao resto, a humildade e perseverança que o levou a uma carreira para além dos quarenta, deve ter ficado perdido naquela troca de fluidos que lhe deu origem.
Sem que desse por isso estava a pensar num texto que li recentemente, O Duelo, de Anton Tchekhov.
Cem páginas onde o autor põe em confronto meia dúzia de personagens, habitantes de uma pequena vila situada numa das antigas repúblicas soviéticas do Cáucaso, através do qual faz uma demonstração tão simples quanto eficaz do que é essencial na relação entre as pessoas. Ao contrário do outro, que por não ter tido tempo, enviou uma missiva demasiado longa ao amigo, Tchekhov teve tempo para a simplicidade.
Em duas linhas: dois antagonistas, em comum serem ateus, em tudo o resto a antítese um do outro, um, trabalhador incansável, metódico, frontal, autêntico, implacável a respeito de qualquer tipo de parasitismo, tal como na selva, deve ser destruído, em nome da evolução de espécie. Outro, enganador, preguiçoso, caótico, vicioso e indisciplinado, que sempre viveu de expedientes e aldrabices. Quando, após toda uma trama genialmente construída pelo autor, o confronto se dá, opera-se o milagre e, por caminhos opostos, ambos descobrem que ninguém é dono da verdade. Lição de humildade tantas vezes citada e tão poucas aplicada.
Permite-me, pensar, oh ingénuidade!, que se a Nessinha , concerteza que é assim que o pai a trata (como esquecê-lo nos jogos olímpicos da China, enquanto se esfalfava a acompanhar a prova da filha, a gritar, Vánessa isto, Vánessa aquilo), tivésse acesso a esta quase fábula, iria ficar a pensar e, quem sabe, voltasse ao nosso convivío a grande Vanessa Fernandes.