É no que acaba por se tornar o filme Cosmopolis, último de David Cronenberg.
O que não deixa de ser surpreendente num realizador cujos filmes costumam ser tudo menos vulgares. Ou estão muito à frente, visionários, entre os quais eXistenZ ou A Mosca sobressaem, ou recriam adaptando ao nosso tempo, dando a conhecer a novas gerações, realidades que quando foram escritas eram inovadoras, M. Butterfly, Crash ou Métodos Perigosos são disso exemplo.
Se houve alguma novidade relativamente a Cosmopolis foi quando Dondelillo escreveu este romance há uma década atrás. Hoje ler qualquer jornal na diagonal nos proporciona estórias mais pungentes do que as relatadas naquele livro. Acontece que Cronenberg fica prisioneiro do relato do romancista não lhe acrescentando coisa alguma. Nem os bons momentos como a frase do barbeiro, é incrivel como o cabelo de rato pode ser tão humano, enquanto fazia um corte ao protagonista, nem os habituais truques utilizados por este realizador, nomeadamente aqueles ambientes surrealistas, ou os momentos de grande tensão(?), resultam neste filme, chegam mesmo a roçar o ridiculo. Sabemos que a realidade sempre ultrapassa a fição, mas normalmente tal só acontece uns anos depois. Quando o que vemos num filme pode passar, numa versão mais realista, horas depois no jornal televisivo... As loucuras dos mercados financeiros, as obsessões pela estética dos equilibrios perfeitos, a mania das doenças, ambos luxos só ao alcance dos poderosos, o vicío do sexo, o horror ao falhanço, a desesperada procura das origens e as sensações de tangibilidade que proporcionam, a violência questionada perante a paisagem de criaturas semelhantes, os engarrafamentos colossais e a analogia entre as ratazanas e os donos do mundo estão na ordem do dia. Nada de novo.
Os atores são o melhor que levámos daquelas duas horas. Aquela era Juliette Binoche? Paul Giamatti no habitual papel de desiquilibrado, e o protagonista são a alma do filme. Quanto a este último já o tinha visto em Bel Ami e, aqui, mantém o registo. Se naquele filme a amargura lhe vinha da pobreza extrema, aqui provém do excesso de riqueza. Os esgares de sofrimento nos piores momentos ou as máscaras de volúpia nos melhores são os mesmos. Aquela assimetria no rosto (também na próstata?) ajuda muito.
A juntar à sensação de normalidade que emana da visão desta fita, que acredito atinge todos aqueles que estão minimamente informados do que se está a passar no mundo, haverá uma outra, de dificuldade em entender o que se pretende transmitir, esta mais comum a todos os restantes, mais distraídos ou desinteressados, para os quais a linguagem de Cronenberg nunca foi fácil. Quem sobra?
COSMOPOLIS - TRAILER (VO) from Cosmopolis on Vimeo.