Normalmente por vaidade incontida, mas também por puro e simples desprezo, maldade, ou impregnado sobranceirismo, tantas vezes fruto de gerações de intocáveis, sempre no alto das suas torres de marfim, longe da suja e vulgar populaça, completamente imunes a qualquer contágio por um qualquer resquicío de humanidade, mas também provenientes de novos-ricos, ascenções meteóricas só explicáveis pelo uso de métodos desonestos, salvo rarissímas e honrosas exceções, recorrentemente surge um destes espécimes a mostrar os dentes. Dado já não ser novo, portador, por isso, de alguma experiência, prova disso as mãos e os dedos, testemunhas da alma, que já não se embrulham enquanto escrevo estas linhas, permito-me algumas reflexões sobre o fenómeno.
Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, estes não são os mais perigosos, nem sequer os principais fautores destas crises, que afinal não são mais do que o agudizar de uma triste e histórica normalidade: as enormes diferenças de nível de vida que caracterizam a sociedade humana. Estes incontinentes, são os mais fracos deles, os verdadeiramente diabólicos nunca os vemos, sequer conhecemos. Vivem em castelos inacessíveis e deslocam-se em fortalezas motorizadas.
Os exemplares em apreciação só não fazem parte dessa macabra elite porque, em algum momento, acabam por sucumbir às fraquezas humanas habituais entre os mais favorecidos, em especial a luxúria. Portadores de um certo pedigree, quase sempre ostentado através de vistosos e ainda mais dispendiosos embrulhos que os protege, mansões e viaturas, ou cobre, trapinhos usados ou por fêmeas de olhar lânguido, muitas vezes gula filha do tédio, que, no seu deslizar, vão deixando um rasto de indiferença e mesmo, porque não dizê-lo? de superioridade que despreza fraquezas. Normalmente bem tratadas e melhor alimentadas, bem cientes e seguras do seu poder, brilham a alto nível nos escaparates que escolhem para se exibir, criando rios de baba e intermináveis coscuvilhices. Ou então por vistosos e, tantas vezes, vigorosos machos, plenos de energia, ambição e otimismo. O contrário é que seria para admirar. Ainda assim, mais elas, também têm os seus problemas existênciais! É um corropio às terapias. O que seria de alguns desses "profissionais", nos sofás de quem se deitam, sem esta fauna! Quando não estão, com todo o seu empenho, na liderança de bancos, seguradoras, grandes empresas, à frente de ministérios ou países, a tentarem descobrir a melhor maneira de manter e expandir o seu poder, custe o que custar, legítimo esforço a pensar no futuro dos seus descendentes. Isto, no fim, é cada um por si, pensam. Também eles, ainda que naturalmente menos enfeitados (?), que as suas escorregadias parelhas, vão aparecendo com as suas alvas e completas dentaduras, sempre prontas a exibir-se, magnificas e a transbordar de auto-confiança, que iluminam sonoras gargalhadas. Raça de puros sangue, autênticos. Seja nas glamorosas e variadissímas receções aos mais altos dignatários, seja nas cerimónias de fecho de contratos multimilionários que, desta vez é que é, vão trazer enormes beneficíos às populações, nos agradabilissímos ainda que extremamente fatigantes, torneios de golfe ou ainda nas festas privadas a que temos acesso ( imagine-se as outras!), também têm direito!, onde já desfilam não menos brilhantes e promissores rebentos e, perante as quais, desfile de eminências, assustados e a tremer de vergonha e insegurança, nos curvámos abrindo as nossas malcheirosas, felizmente longe, bocarras, e nos estarrecemos de admiração e inveja.
Quando uma destas inteligências, que ganhando vinte mil euros ou mais por mês, que foi quadro do banco que mais roubou, e rouba, por todo o mundo, que, imagine-se!, foi corrido do FMI, tal é a voracidade do ilustre, diz que a saída para a crise está em baixar salários, tornando ainda mais dificíl a vida de quem já quase só sobrevive, que cada vez tem menos para sustentar os filhos ou minimizar o sofrimento dos seus velhos e, por outro lado, apesar da incansável luta de alguns, os melhores de entre nós, em tentarem minimizar os maleficíos desta desgraçada situação, porque de uma questão de natureza (humana) se trata e, essa, ninguém consegue mudar, pouco se altera, só encontro uma saída, não cair na armadilha que, ao som de cantos de sereia, nos oferecem como única alternativa, continuar a comprar-lhes o que nos vendem para que a farra, o encher os bolsos deles, se eternize.
Pôr um fim a este consumo diabólico, a este frenesim que não leva a lugar algum, que não seja um sentimento de insatisfação permanente. De frustração em frustração até à rendição final. Mudemos os paradigmas. Defendendo mais os valores do SER e menos do TER, numa luta tranquila, silenciosa mas pertinaz, obstinada, a cada um a sua parte, o todo surgirá. Somos pequenos, mas, também, MUITOS!