Goooooloooo! O grito, rasgando o manto tépido de sereno silêncio que cobria a luminosa noite do Porto vista das mais altas escarpas de Gaia, irrompeu inesperado para os muitos que por ali deambulavam anestesiados pela perfeição da estética, mas também profundamente desejado por outros que, como eu, ansiosamente o aguardavam. Na verdade, no meu caso, tratara-se de uma fuga na tentativa de mitigar o sofrimento perdendo-me por lugares percorridos vezes sem conta, deste mas especialmente daquele lado da ponte. Demorei-me sobretudo naquele miradouro sobranceiro ao rio, dele a uma escassa dezena de metros, antes quase completamente escuro oferecendo por exclusiva companhia o suave marulhar do rio convidando às caricias que eu e a então ainda só namorada apaixonadamente trocavamos, agora um dos mais trepidantes espaços da zona, pleno de luz, um verdadeiro caleidoscópio, música e gente para todos os gostos, como que paradigma de todo o resto. Pressinto uma espécie de nostalgia recordando aqueles feios porcos e maus mas meus sítios de antigamente. Afasto o pensamento niilista quando me apercebo que do que tenho saudades é da idade que então tinha. Lá mais adiante um português baixinho e anafado, todo de preto, poupa à Elvis, enquanto a partenaire convenientemente loura e razoávelmente atraente se vai esfalfando num vaivém que se pretende sedutor mas cuja gordura excessiva vai traindo, canta numa voz surpreendentemente imaculada e num belo sotaque castelhano Volare, a eterna canção italiana. Penso, será provocação?, mas não, simples irónica coincidência.
Que belo momento este! Tendo por fundo esta magnifica cidade que tão maravilhosamente se vem reinventando, mostrando-se ao mundo em toda a sua plenitude histórica, mas muito especialmente enquanto espaço previligiado sob o ponto de vista humano e cultural, ouço e sinto a alegria proporcionada por um daqueles que nas últimas décadas tem sido um dos seus principais embaixadores, emprestando-lhe a, neste caso, quase contraditória faceta de excelência via enorme demonstração de profissionalismo, inquebrantável vontade, inquestionável classe. Assim se formam vencedores e se faz o futuro. Assim se cumpre o sonho de uns e se inflinge o pesadelo a outros, como àquele exministro do mais surreal governo desta nossa frágil democracia, espécie de Flopes, honra ao chefe, mas ao contrário, em vez de pateta alegre, antes triste e ressabiado. Assim de dá mais um passo na luta contra a mediocridade inevitável num país maioritáriamente movido a inveja. Aquietado, abandono o excelente miradouro sobre a cidade, um bem conseguido e altaneiro bar/café, sob o olhar descontente mas permissivo do gerente pelo não consumo, condescendências de hora tardia. Saboreio lentamente o doce apaziguamento e vivo já as batalhas que se aproximam, tão habituais que constituem um vício, vinte e uma vezes tal como só mais outros dois clubes!, do qual já não podemos prescindir. Ainda antes de me juntar à familia abandonada à sua sorte perante tão grande desafio, a moer remorsos pela falta de coragem e solidariedade, um último relance ao cenário que, mais uma vez, me embalou até a um Porto seguro.