semtelhas @ 15:12

Sab, 28/02/15

 

Há pessoas que não enganam ninguém. Possuidoras de um estilo tão definido, tão genuíno, cujas marcas são de tal ordem distintivas que não deixam dúvidas. Há um desses espécimes no atual governo. Sempre que o vejo a primeira coisa que me lembro é do pai, espécie de primeira versão do ilustre mas ainda mais para o grosso, na verdadeira aceção do termo. O filho já beneficiou doutros polimentos pelo que os requintes de malvadez saem menos rudes mas nada diminuídos, bem pelo contrário, em intenção ou cinismo. Do progenitor, para além naturalmente do "berço de ouro" há muito conquistado, iniciado à força de trabalho nos campos agrícolas do norte por um longínquo pioneiro no séc XVIII, e da referida probervial agressiva eloquência, herdou aquele aspeto de meialeca com ar de buldogue furioso, aparentemente sempre pronto a ferrar a perigosa dentadura em quem se atrever enfrentá-lo.

 

Ultimamente tem esta simpática criatura vindo a desdobrar-se em intervenções onde destila ódio enquanto verte o fel que inapelávelmente lhe inunda a alma. O seu momento alto e verdadeiramente definidor do seu carater mais vingativo que predador, vá-se lá saber porquê, ou se calhar é mais um dos descendentes das célebres "vítimas" do 25 de Abril de 1974, esse horror!, atualmente boa parte do elenco governativo, mais um desses rebentos nascidos de valorosos lutadores e autênticos self made men que os malvados comunas tão injustamente perseguiram, terá sido a sua inesquecível intervenção em câmara lenta na Assembleia da República. Supostamente imitando um saudoso anterior ministro das finanças, mais não conseguiu que afirmar-se realmente patético, causando genuína vergonha alheia até nos seus mais figadais amigos. Acontece ainda não ter percebido que o verdadeiro sentido de humor jamais estará ao alcance daquele que é essencialmente sarcástico, arrogante, vaidoso e presunçoso, para o conseguir tinha que haver ali nem que fosse um pingo de humildade, ou, à falta desta, de real talento.

 

Espécie de versão barata, seguramente falhada por isso jamais experimentada enquanto tal, do seu chefe partidário, falta-lhe o charme sedutor e sobretudo sobra-lhe a aquela desgraçada irreprímível tentação para "mostrar os dentes", que ainda por cima estão longe dos alvíssimos brilhos dos do chefe, esfalfa-se em estafadas prosas onde ou se contradiz, ou afirma o óbvio com o ênfase de quem acabara de descobrir a roda. Mais uma vez alguém lhe diga que até para mentir, especialmente com os dentes todos, lá está! é preciso saber. Este já nem os amigos ricos convence, está toda gente mortinha que o homem recolha a um qualquer Conselho de Admnistração, o mais escondido possível no alto de uma torre de marfim que seguramente o espera. Felizmente, aqui como em tudo o resto na vida, até do mais repugnante se pode extrair uma qualquer lição, e neste caso é a possibilidade que é dada a todas as pessoas, precisamente ao contrário do que ele, ridículo como insiste ser afirma relativamente às taxas e taxinhas, de verem o que seria levar já não só com tecnocratas ressabiados como atualmente, mas ainda por cima desastradamente incontinentes no seu desejo de amarfanhar. Que os deuses nos salvem desta bicharada!

 

 


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semtelhas @ 12:40

Sex, 27/02/15

 

Doc vive nos alucinados anos sessenta nos EUA, e é uma espécie de mistura certa entre alma boa e iluminada, também ele completamente mergulhado no mundo de drogas mais ou menos psicadélicas que naquele tempo eram o "pão nosso de cada dia". Detetive privado exerce um enorme fascínio sobre todos os que o rodeiam graças à sua bondade intríseca e rara, então como agora e sempre, diferença substâncial para todos os outros no mundo onde se movimenta, desde logo porque nada ingénuo, enquanto aqueles, se não eivados de uma certa ingenuidade quando comparados com os similares personagens de hoje, eram seguramente  igualmente maus, produzidos, ricos e poderosos, bem como de toda a fauna que costuma andar em volta destes predadores, desde polícias, prostitutas e bandidos de todo género. Uma ave rara.

 

Agora imagine-se que tudo isto é relatado sob o ponto de vista da musa do heroi da história, a maior entre toda uma série delas que "lhe vão comer à mão", como toda a gente aliás. Então o que resulta é uma série de diálogos onde o fantástico, o brilhantismo, o génio, andam por ali à solta do princípio ao fim. Como ainda por cima alguém teve a ousadia de tentar passar esta torrente caótica e plena de genialidade para o cinema, é-nos dada a possibilidade de durante mais de duas horas pura e simplesmente sair daqui para fora e vaguear por uma universo paralelo onde o absurdo, a cor, o humor, o inesperado, a beleza, a podridão, o abuso, o sonho, numa palavra, a vida, desfilam perante o nosso olhar atónito, também ele alucinado até porque apropriadamente embalado por uma banda sonora à altura. Fellini não faria melhor, então se pensarmos nos rostos escolhidos e na forma como são filmados... Tal como os livros de Thomas Pynchon, também este filme, e alguns outros, de Paul Thomas Anderson é, ele próprio, um "Vício Intrínseco".

 

 

 

 


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semtelhas @ 15:20

Qua, 25/02/15

 

- Eduardo Moniz manda Lopetegui consultar arquivo de benefícios - Eis alguém insuspeito a admitir que o SLB está ser levado ao colo...

 

- Laboratório cria "viagra" para mulheres - Chegou a vez de serem eles a terem dores de cabeça...

 

- Todos os clubes lisboetas querem a isenção de impostos que Costa ofereceu ao Benfica - Espera aí...o homem também tem que ser do Sporting, do Beleneneses, do Atlético, do...

 

- Ministro da Economia avisa para taxas e taxinhas de Costa - Para as taxonas dele e do chefe já não é preciso aviso, todos as conhecem...

 

- Mundial de futebol do Qatar vai ser no Inverno - Não faz mal! Desde que os petrodólares cheguem para toda a gente...

 

- A Procuradora Geral da Republica afirma que submarinos são case-study - Quer com isso dizer que não vai escarafunchá-lo como ele merece?

 

- Egípcio quer comprar 53% da Euronews - Não sei se será bom negócio, depois alguém vai ver o canal de notícias?

 

- Espanha multa petrolíferas em mihões por concertação de preços - Inclusivé a Galp. Parecem perto mas estão tão longe!

 

- Dois gestores de topo da Sonae saíram para Angola - Parece que apesar de tudo lá o mexilhão continua mais preto....

 

- Quatro em cinco britânicas não tomam banho todos os dias - As multinacionais da higiene e limpeza já devem estar a virar-se para o Bangladesh e para a Somália...

 

- Tsipras e Varoufakis desistiram de quase tudo para ganharem tempo - Como ganhar um jogo a perder 6-0 a dez minutos do fim? Não vai ser no prolongamento e a jogar com a equipa de rastos! Mais vale mudarem de campeonato!

 

- Militar que matou o american sniper apanhou com perpétua sem direito a recurso - Clint Eastwood falou está falado!

 

- Jefferson revoltou-se contra Bruno de Carvalho - Coitado! Ele são os árbitros estrangeiros, o Conselho de Disciplina, os jogadores...deixem lá o homem em paz a fazer o seu trabalho!

 

 


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semtelhas @ 12:12

Seg, 23/02/15

 

 


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semtelhas @ 13:37

Dom, 22/02/15

 

Foi um papel que sempre assentou bem  a Portugal, a história demonstra-o repetidas vezes, bastará recordar o que se passou durante a Inquisição ibérica, o episódio Mapa Cor de Rosa, ou a II Guerra Mundial. Não é por isso de admirar tudo o que atualmente está a acontecer relativamente ao conflito político entre a Alemanha e a Grécia.

 

Desde que o atual governo português chegou ao poder a opção de ser o bom aluno da europa, muito mais no sentido da obediência do que da competência, foi claramente assumida, circunstância que nem sequer é virgem, já Cavaco a tinha adotado anos atrás. A grande questão, hoje como ontem, será ser, ou não, essa a melhor escolha.

 

Sobre uma perspetiva puramente materialista, ou economicista, ou pragmática no dizer da maioria, Portugal já foi grande, mas nunca foi grande coisa. É sabido que por razões que podem ser atribuídas a vários fatores nunca estivemos para nos chatearmos muito, e depois a nossa realidade objetiva enquanto país com poder efetivo também nunca ajudou. Para sempre ficará na dúvida qual destes é o pecado original.

 

Primeiro balões de ensaio, depois bons alunos, exemplo a seguir, prova de que a receita é boa e agora, "cereja em cima do bolo", bode expiatório, bobo da corte, bombo da festa. Toda a benesse tem um preço não é? Claro que poderá sempre perguntar-se, qual benesse? Mas também é legítimo questionar onde estão as espinhas dorsais que teriam aguentado outro caminho que não este. Enfim...assomámo-nos pacíficos antes que nos chamem mansos, afinal conhecer-se a si mesmo é das maiores virtudes do homem, já diziam os gregos!


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semtelhas @ 14:43

Sab, 21/02/15

 

Uns mais outros menos quem não tem problemas de infância? mas a questão é o aproveitamento que os outros fazem pelo facto de os ter-mos. Todos. A começar nos progenitores, origem do mal, até ao psiquiatra onde acabamos. Haverá traço mais comum à sociedade atual que a violência latente? E será que esta se exprime mais transversamente noutras circunstâncias, que não seja no trânsito onde todos mais inexorávelmente nos revelamos até ao mais profundo dos nossos cromossomas? E o que dizer do polipropalado civismo? Como interpretar a maneira absolutamente despudorada como em seu nome somos, todos os dias, pura e simplesmente vilipendiados, agredidos, enganados, roubados, muito em especial precisamente por aqueles que mais o gritam, as entidades oficiais, tornando-se elas próprias no paradigma daquilo que alegam perseguir? E se uma qualquer justiça divina desse provas de existência, e protege-se quem ousa-se ser audaz em atos de justa vingança seja lá isso o que fôr? E se os deuses se unissem e as estrelas se alinhassem a favor do desgraçado que foi vítima da maior das bestas, e o salvassem do purgatório após o seu ato de revanchismo? A falta de respeito dos poderosos pelos mais frágeis é assim uma espécie de cognome de uma hipotética História da humanidade, mas seguramente que nunca como hoje, seguramente como amanhã..., esta foi exercida com maiores requintes de cínica  malvadez, onde a venda da alma ao diabo terá atingido tais limites, onde a força da retórica tenha assumido tanta importância! Por fim, mas não menos decisivo nos dias que correm, como avaliar o peso do virtual, das aparências, do parecer por troca com o ser, naquilo que tudo isto significa na terrível máquina compressora do consumismo que nos deprime e mata, tornando a existência em algo permanentemente insatisfatório porque irrevogávelmente em busca da novidade seguinte? Um oásis jamais atingido?

 

E se todas estas questões forem colocadas sob a forma de histórias onde o humor, o suspense, o choque, a surpresa, mas também a verosimilhança que honestamente teremos que lhes reconhecer não obstante o seu caráter limite? Então estamos perante um caso muito sério de talento para transmitir, de uma só penada!, um conjunto de mensagens absolutamente cruciais, como que um GPS para quem queira movimentar-se de uma maneira minimamente inteligente numa qualquer sociedade de ponta dos dias que correm. "Retratos Selvagens", sensacional filme argentino que transborda talento do primeiro ao último minuto.

 

 


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semtelhas @ 12:05

Qui, 19/02/15

 

- Cavaco diz que saíram muitos milhões dos bolsos dos portugueses para a Grécia - E depois o bochechas é que está choné?

 

- Guerra aberta entre socialistas Ana Gomes e Isabel Moreira - É no que dá quando o conceito de socialismo dá para meter tudo lá dentro...

 

- Benfica ganhou 3-0 ao Setúbal para a Taça da Liga e para a Liga - Mas o mais notável foi a gestão dos cartões protagonizada pelo árbitro no primeiro jogo para o seguinte. Assim é fácil, mas não é a mesma coisa.

 

- Irina Shaik diz que procura um homem fiel - Ela, melhor que ninguém, contribui para que isso não passe de mera utopia...

 

- Jesus afirmou que na liga portuguesa a única diferença entre o 1º e o 2º é só ser campeão - Só?! Então isso diz-se? Este vai acabar por morrer como os peixes...

 

- Rui Patrício pediu desculpas pelo frango - A Sagres pediu-as por publicá-lo. Ou as lágrimas do crocodilo vermelho...

 

- Grécia diz que nem com arma apontada à cabeça aceita mais austeridade - É uma questão de escolher morrer da doença ou da cura...

 

- Strauss-Kahn está a ser julgado - Entretanto a empregada de hotel responsável pelo facto abriu restaurante na baixa de NY. Ou a arte do bem fazer camas de cú para o ar!

 

- Espanhois querem 100% do BPI - Para depois comprarem o Novo Banco e ficarem com 50% da banca portuguesa. Não há Nuno Álvares Pereira que nos valha!

 

- Juncker: UE foi indigna com Portugal. Schauble: Portugal prova acerto da austeridade - O cinismo e a arrogância unidos pela condescendência da falsa amizade e do desprezo encapotado.

 

- Cavaco insiste que Portugal foi, e será!, o maior doador da Grécia - Vai ter de explicar o milagre do roto dar nú como se fôssemos muito burros.

 

- FC do Porto empata em Basileia apesar do árbitro - Só faltou mandar repetir o penalti de Danilo na esperança que ele falhasse! Uma prenda do suíço Blatter na hora da despedida...


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semtelhas @ 12:55

Qua, 18/02/15

 

Ainda um destes dias, a propósito da forma ideal de sair de crise, via a austeridade europeia ou a aposta na capitalização da sociedade seguida por Obama, lia um ilustre espanhol defensor do caminho do sacrificio, dizer que para os EUA aquela solução resultou porque ali o domínio sobre o mercado, considerado sob todos os pontos de vista, dos vários estados é efetivamente exercido obtendo-se assim, apesar de tudo, uma relativa harmonização entre quem pode dar e quem tem de receber. Uns dias depois ouvia Viriato Soromenho Marques indiretamente confirmar isso mesmo ao defender a federalização da UE, um governo central que efetivamente defenda os interesses de todos, opinião que acredito estar nos antípodas da do dito espanhol...

 

É realmente impressionante como, para o bem e para o mal, os EUA continuam a funcionar como uma espécie de farol para o mundo. Assume por isso ainda maior importância um olhar atento sobre aquele país e, para o efeito, há um sem numero de oportunidades dada a completa abertura daquele ao mundo, mas talvez o cinema, é certo que crescentemente acossado pelas imensas séries, continue a representar a forma mais eficaz de o fazer.

 

Filmes como "The American Sniper" e "Selma", para além dos aspetos estritamente cinematográficos que são notáveis, dão sobretudo lugar a uma reflexão sobre a natureza daquela sociedade e da sua relação com o mundo. Se no caso de "Selma" os recentes problemas entre a comunidade negra e a polícia, vêm demonstrar o enorme caminho que por aqueles lados falta percorrer no que a equidade racial diz respeito, já quanto ao filme de Clint Eastwood a questão é muito mais global, a todos diz respeito. É que, se por um lado, o papel de polícias do mundo tem que ser assumido por alguém, por outro não deverá sê-lo como o é dentro de portas contra os negros e, neste ponto, os filmes quase se tocam. Aquela mesma atitude "à lei da bala". Mas no essencial apelam a posturas radicalmente diferentes, apesar de, dirão os mais céticos, conduzirem aos mesmos escassos resultados. Um defende a sublevação pacífica do povo, a outra o olho por olho/dente por dente. Martin Luther King e o velho realizador aqui em representação de todos os "duros", consubstânciam o Deus ou o Demónio que cada um neles queira ver, infelizmente não há receitas milagrosas mas, à boa maneira norteamericana, o pragmatismo de poder ver dois grandes filmes.

 

 

 

 


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semtelhas @ 15:00

Ter, 17/02/15

 

 


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semtelhas @ 12:17

Dom, 15/02/15

 

Há aqueles que tal como conta a lenda andam uma vida a tentarem libertar-se sem o conseguirem. Luta inglória essa de querer cortar totalmente com as raízes, nomeadamente as criadas pela relação paterna. Diz a história que tendo partido ainda novo, ao longo dos anos o rapaz foi dando notícias ao pai, sempre a mesma, que por muito que andasse ainda não encontrara o fim do reino daquele. Até que um dia, já velho de barbas brancas, enviou uma última missiva anunciando permanecer em busca desse objetivo. 

 

Depois, entre a esmagadora maioria que se limita a aceitar o que o destino lhes oferece, distinguem-se os raros que contra ele se rebelam, e nunca negando o intrínseco, o inevitável, antes fazem da sua vida uma demonstração de inabalável força de vontade, no sentido de seguir o seu sonho, normalmente superando os progenitores para além daquilo que é evolução resultante da passagem do tempo. Tarefa tanto mais árdua quanto se os ascedentes mantiverem um perfil protetor, misto de exercício de poder e de condescendência ardilosamente disfarçada de amor.

 

É deste último que trata o filme "Whiplash". Magnífico retrato de um rapaz tentando afirmar-se num mundo cujas circunstâncias pareciam empurrá-lo para a descrença e o abismo. Dotado de uma natureza indomável e de um enorme talento, nega-se a qualquer tipo de cedências no imparável caminho para o sucesso, o que lhe traz antipatias e acusações de utópico, mas sobretudo da implacável condescendente mão protetora do pai, que na verdade significava a destruição da sua autoestima. Formidáveis alguns momentos, particularmente aquele em que o pai, observando-o com admiração e respeito, tem no rosto estampada a dor da derrota.

 

 


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semtelhas @ 12:33

Sab, 14/02/15

 

O dia mostrava-se apropriadamente cinzento. Caía uma chuva miudinha que empurrava as pessoas para entrada da capela do cemitério, por sorte imediatamente precedida por uma espécie de largo para as receber nestas ocasiões, ali praticamente exclusivas, coberto por uma vasto telhado constituído por uma armação em aço, onde assentava um material translúcido do qual não consegui descobrir a natureza. Aquelas circunstâncias e a grande número de participantes, os desenlaces trágicos atraem gente como o mel moscas, favoreciam uma exagerada proximidade, pelo que nos juntamos aos poucos que optaram por se manterem ligeiramente afastados com os seus guardaschuva abertos. Não demorou muito para que Rute com aquela sua aura dominadora, reforçada por uma apresentação perfeita tendo em conta o tipo de evento, chamasse as atenções, apesar de no momento imediatamente a seguir eu perceber que as palavras sussuradas eram a meu respeito, coincidiam com a direção para onde olhavam. Desconhecia em absoluto o que saberiam da minha relação com Luísa e a família, práticamente nula se analisada sob o ponto de vista da amizade, além de estar a ver todos aqueles rostos pela primeira vez. Todos menos os de Eurico e João que surpreendentemente estavam presentes, questionava-me se também ele dela teria sido professor, e o filho provávelmente colega ou mesmo amigo. E, naturalmente, os dos infelizes pais da sua malograda Luisinha.

Ao longo do dia anterior depois de Rute ter partido para sua casa e para junto da mãe que segundo me disse cada vez mais carecia da sua presença, antecipara aquele momento e preparara-me para o pior. Quem sabe até para cenas tristes em tudo semelhantes às que aqueles mesmos personagens me haviam sujeitado alguns anos atrás, quando me acusaram de assédio à filha, mas também tinha consciência que teria que enterrar tudo aquilo com a defunta. O que me acontecera nas últimas horas funcionara como uma autêntica benção, exatamente quando o vazio parecia rodear-me por todos os lados, sentia-me uma pobre pequena ilha agreste, já sem nada para oferecer, esquecida, abandonada, eis que as coisas mudam cento e oitenta graus graças à aparição daquela, para mim, verdadeira Nossa Senhora, um milagre totalmente inesperado e do qual ainda me perguntava se seria merecedor. Pouco falaramos mas o suficiente para me deixar num estado que raiava a incredulidade face ao entusiasmo que pressentia invadir-me, é que ela conversava incluindo-me com a maior das naturalidades nos dias que se seguiriam ao funeral para onde combinamos o próximo encontro. Chegara a fazer uma leve alusão ao valor comercial daquele meu andar enquanto, de volta ao terraço, estendíamos o olhar sobre a cidade, interessante segundo classificou, questão que não logrei perceber tratar-se de um devaneio de uma profissional na matéria, ou qualquer sorrateira investida no meu futuro próximo. Do que não restavam dúvidas é que nos entenderamos perfeitamente na cama, duas criaturas essencialmente sôfregas, carnívoras, mas igualmente ambas dotadas da experiência capaz de tornar o sexo em algo realmente satisfatório a todos os níveis. Na verdade estava pronto para enfrentar muito mais do que o pior que imaginava poder vir a acontecer.

Mas agora, perante a acusação de culpa que faíscava nos olhos do pai e da mãe de Luísa enquanto deles nos aproximavamos, uma angústia enorme começou a apertar-me a garganta, e temi nem sequer conseguir fazer-me ouvir quando, já em frente deles, ouço a voz de Luísa que num primeiro instante parecia chegar vários metros afastada, dizer, "Lamentamos muito, era tão nova!  concerteza não merecia tão triste sorte, mas é assim a vida, ficam cá os vivos como nós para expiarmos os nossos pecados". Confusos, ainda a tentarem perceber o que tinham ouvido o que lhes pôs nos rostos uma expressão algo intimidada, reagiram de pronto à nossa intenção de os cumprimentarmos para depois permanecerem estáticos, e acredito que a fitar-nos incrédulos enquanto nos afastavamos, apanhados de surpresa por aquela abordagem que não lhes deixara o minímo espaço para retaliações. Não conseguiria explicar porquê, mas ainda não chegaramos junto de Eurico e do filho para onde eu próprio nos conduzia depois deste episódio, e já percebera que jamais aqueles dois voltariam a incomodar-me. O mais espantoso é que nunca trocara quaisquer impressões a propósito daquela gente com Rute, o que não evitara que rápidamente descodificasse toda uma relação familiar, particularmente as muitas responsabilidades que impendiam sobre aquelas duas pobres criaturas, que no afã de tanto protegerem a sua menina criaram uma espécie de monstro, alguém profundamente desiquilibrado. Por outro lado nunca me sentira tão neutro, tão avassaladoramente dominado por outra pessoa, Rute pura e simplesmente pegara nas rédeas da situção e sem qualquer hesitação, não me dando a mais remota chance de intervir, começara e acabara de tratar do assunto. Pela primeira vez tive um assomo da realidade que eventualmente me esperava e, se primeiro tentei justificar aquela ação pelo facto dela me ter sentido a, literalmente, tremelicar de ansiedade, logo, mentalmente e se calhar também fisícamente, encolhi os ombros enquanto pensava, "é o preço que tens a pagar".

Antes de fugir dali e enterrar definitivamente nas catacumbas da memória gente e acontecimentos que tão negativamente haviam mexido com a minha vida, troquei algumas impressões com Eurico e João, agora tanto quanto me contavam inseparáveis companheiros, o meu antigo colega pedira uma licença sem vencimento por tempo indeterminado para acompanhar de perto a recuperação do filho que seguia pelo melhor dos caminhos. Alguns meses mais tarde, encontramo-nos por mero acaso, este disse-me ter ter recebido uma carta de Amina, metódica, havia guardado cuidadosamente o endereço do pai, a informá-lo que acabara por conseguir com outro, pelos vistos um holandês que em tempos fora seu companheiro depois abandonado por troca com João, o que com ele falhara, recuperá-lo para a vida, agora feita em comum em Amesterdão. "Menos uma terrorista", pensei na altura. Quanto a Eurico havia pedido a reforma na sequência da licença sem vencimento, encontrando-se bastante ocupado com os outros dois filhos, nomeadamente com a filha, apesar desta, depois da recuperação do irmão, se mostrar bastante mais razoável. Depois disso nunca mais os vi ou com eles contactei!

Seguíamos comentando que seguramente teríamos à nossa espera um lugar no inferno depois do que nos rimos relembrando as caras aparvalhadas dos pais de Luísa, durante a viagem em direção de sua casa para a qual me havia convidado e que eu aguardava rever com ansiedade. Também aqueles sítios tão agradáveis de que já tinha saudades, pelos quais desde haviam anos passava nas idas e vindas a caminho da praia e do exercício físico, e naturalmente Emília, afinal de contas a grande responsável por estarmos aqui e agora. Para completar o quadro de felicidade que desde os últimos dias parecia mágicamente em construção, quando chegamos a sol resolveu aparecer num céu azul a crescer rápidamente, incidindo luminoso sobre a bonita vivenda, assim realçando as inúmeras flores do pequeno jardim da entrada numa explosão de cor primaveril, e o vasto verde em toda a volta, ainda brilhante e cheiroso graças à chuva que caíra purificadora. Encontramos Emília sentada exatamente naquele mesmo sofá até onde eu meses antes a apoiara ainda fragilizada pelo que então acontecera. Fitou-me atentamente e reclamou com Rute sem de mim desviar os olhos, "Não me apresentas o teu amigo?"


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semtelhas @ 12:03

Qua, 11/02/15

 

Num cenário de degradação, prédios semidestruídos, árvores caídas, estradas esburacadas, isto em pleno centro de uma cidade em tudo parecida com as que habitámos, mais concretamente junto a um daqueles bairros sociais que existem às dezenas nas nossas maiores urbes, vêem-se grupos de pessoas a circular frenéticas, movidas a medo e frio, a neve e o gelo assustam pela quantidade e estado, maioritáriamente já transformada em lama acastanhada, camada sobre camada, com meses em cima, mas também uma ou outra a deambular perdidas, sem destino. Entre estas uma ternurenta velhotita, ou talvez uma mulher de meia idade precocemente envelhecida, exaurida mas em busca de um último sopro de energia, protesta num choro já seco, gemente, "sou velha, porque não morro? estão sempre a morrer jovens, porque não morro?" A câmara de filmar procura outros transeuntes. Escolhe um casal com aspeto a roçar o andrajoso cujo homem reclama com o desespero estampado no rosto, "estamos numa cave, dezenas de pessoas entre elas muitas crianças, por causa do medo das bombas quando caem. Não temos água, comida, sanitários nem aquecimento". A imagem seguinte que aparece na televisão presume-se ser da tal cave, onde domina a escuridão só interrompida por uma espécie de candeeiro a petróleo ou coisa do género. O fraco e curto foco de luz começa por mostrar olhos onde é possível ler um completamente inesperado sorriso, são as crianças a viver uma trágica aventura, de dimensões que felizmente não podem adivinhar. Os adultos ou escondem a cabeça debaixo dos trapos que pouco ou nada os aquecem, a injusta vergonha a somar a um sofrimento indizível, ou fitam descaradamente aqueles dois intrusos de uma estação televisiva de um mundo que há escassos meses era real, ou pelo menos algo perfeitamente atingível, mesmo reclamado como direito inalianável, afinal estava tudo ali tão perto!, numa atitude de desafio, espécie de grito ao mundo para que veja como morrem as ilusões.

 

Hoje, parte da Ucrânia, aquela que é objeto da gula dos poderosos deste mundo, muito mais preocupados em políticas geoestratégicas que garantam a sua posição dominante, do que com os milhares de mortos, e as centenas de milhares que sobrevivem em condições para além de tudo o que seria imaginável há meia dúzia de meses, mantém-se num impasse que não deixa nenhuma das potências envolvidas inocente. Quando o ocidente apoiou sem reservas  a revolta de Kiev, uma bela e inusitada manifestação de liberdade, com tanto de dolorosamente genuína da parte do povo ucraniano, quanto de cínica da parte de quem mexe os cordelinhos no palco global, sabia que com isso estava, como aliás continua, a desafiar o enorme poder russo, contribuindo assim decisivamente não só para a desgraça que aquela gente vive atualmente, mas eventual e desgraçadamente para o alargar de um conflito do qual ninguém pode prever os limites sob todos os pontos de vista. Ou será que esperavam que a Rússia ficasse impávida e serena a assistir à instalação de tropas potencialmente inimigas à sua porta? O que fariam os EUA se uma situação semelhante estivesse a acontecer no México ou no Canadá fruto de uma qualquer revolução filha de legítimas aspirações? Não, não esperavam, sabiam o que ía acontecer. É por isso que ainda mais doi ver todas aquelas pessoas também elas tão notóriamente ocidentais, muito diferentes dos sacrificados povos de médio oriente ou de republicas africanas em permanente estado de guerra, consequentemente com muito mais elevada sensibilidade ao sofrimento, viverem nestas circunstâncias até bem recentemente impensáveis que pela proximidade geográfica e, apesar de tudo, similitude no tipo de sociedade, podem anunciar o horror a bater-nos à porta. 


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semtelhas @ 12:02

Dom, 08/02/15

 

Haverão poucas palavras cujo significado foi mais vezes, e sobretudo mais profundamente alterado, corrompido, viciado, conspurcado, que amor. No entanto não há nenhuma que seja mais cristalina naquilo que pretende transmitir, a dificuldade estará precisamente na sua natureza objetiva, isto é exatamente o facto de se tratar de uma palavra, logo sujeita às mais variades adulterações, truques e aproveitamentos. Talvez seja essa a razão para que melhor, muito melhor, provávelmente até a única forma de realmente o atingir em toda a sua profundidade e dimensão, seja praticando-o, consubstânciando-o em ações concretas.

 

Foi exatamente isto que o realizador de "Boyhood" fez. Fê-lo na forma, o filme é em si mesmo um magníficamente conseguido ato de amor, quantas vezes se terá assistido a esta forma de filmar, recorrendo às imagens reais de quatro personagens em quatro momentos específicos no espaço de doze anos? Obtendo assim, especialmente no caso de um rapaz luminoso dos seis aos dezoito anos, e da sua irmã uns dois anos mais velha, possuidora de uma inteligência acutilante, mas também dos pais. Mas onde a fita se eleva ao brilhantismo é no seu conteúdo. Duas pessoas completamente diferentes, cada uma delas paradigma, por um lado do responsável organizadinho, organizadinha neste caso, por outro do idealista irresponsável, por isso absolutamente incompatíveis debaixo do mesmo teto, geram, trocando as personalidades no caso dos géneros, dois espelhos de cada um deles. Uma vida de saltimbancos, de poucos altos e muitos baixos sob o ponto de vista do prática do dia-a-dia, cujo final, percorrendo os mesmos caminhos de toda a gente, revela os mesmissímos resultados não obstante a mistura das respetivas naturezas. Concretizando, o rapaz evolui de um pragmatismo a raiar a mudez para um futuro desejado e feliz, a rapariga de umas expressividade e sucesso notáveis para uma vulgaridade morna, tal qual como os progenitores, a mãe a caminho do desatino, o pai da contenção. Resumindo, tinha tudo para dar errado, para aquelas crianças serem uma espécie de cardápio de todos os ditos traumas de infância, tanto mais que foram sistemáticamente sujeitos ao convívio com os perigosos companheiros, a atração dos opostos, que a mãe sucessivamente vai metendo lá em casa. Mas não! Bem pelo contrário. E porquê? Porque foram sempre profundamente amados, independentemente das circunstâncias da vida a cada momento. 

 

Provávelmente no mais alto momento deste belo filme o filho pergunta ao pai, what's the point?, qual é o sentido da existência? e obtém como resposta, não sei, ninguém sabe, andamos todos para aqui a improvisar. A melhor maneira de a suportar será porventura como o grita tranquilamente, é o amor estúpidos!

 

 


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semtelhas @ 13:08

Sab, 07/02/15

 

Perante o meu estado aparentemente catatónico, experimentava um avassalador efeito de catarse que ela começava a adivinhar, como se de repente, dentro do mesmo segundo tivesse passado do inferno ao paraíso, sem direito a limbos ou purgatórios, ali estava eu a viver um dos mais intensos momentos da minha já longa existência. Durante uns quinze/trinta eternos segundos, pela sua duração e significado, permanecemos a fitar-nos mutúamente, enquanto um filme que envolvia uma tarde de sonho seguida de um pesadelo, uma longa estadia num hospital a lutar pela sobrevivência, o vislumbre de um futuro radioso e a sua destruição filha de um passado mal resolvido, atravessava as nossas mentes como um raio de luz trilha o espaço, até nos encontrarmos ali e agora, naquelas circunstâncias que subitamente, permitiam uma espécie de "retomar o fio à meada" porque um nó, um doloroso obstáculo, tinha sido ultrapassado graças a um terrível milagre. Estendi-lhe as mãos abertas e o contato com as dela, um misto de segurança pela energia com que me agarrou, e suavidade pela sensação de seda do toque, transmitiu-me por osmose uma paz que me fez quebrar fisícamente, quase desabando pela encosta abaixo da torrente de emoções que corria imparável, não fosse ela ter-me dado um forte abraço, o nosso primeiro abraço.

Afastou-se lentamente para dentro da sala, e descobrindo umas quantas garrafas de cerveja vazias, semiescondidas entre dois sofás e que nos haviam escapado na pressa para ter tudo arrumado à chegada de Eurico, disse num tom isento de qualquer ironia, Já estiveste a afogar as mágoas. Encostado à parede entre o terraço e o interior, tentando pôr as ideias em ordem, só então processei mentalmente, para além do instinto que já mo havia sussurado lá bem fundo da consciência, a enorme oportunidade que aquela mulher me estava a dar, o que poderia representar a sua presença, a legitimidade das suas dúvidas, as explicações que eu lhe devia e nunca dera, como o destino insistia em nos colocar na vida um do outro, tudo isto era um sinal que não podia deixar de seguir. Convidei-a a sentar-se e contei-lhe tudo. Enquanto me revisitava a mim próprio em lugares havia muito remetidos para as catacumbas da memória, um esquecimento forçado indispensável para uma vivência minimamente razoável, mas também propiciador de uma paz podre, ela observava-me tranquilamente, e no seu rosto fui lendo uma mudança que se construía devagar mas assumida, como quem, com satisfação, confirma algo que há muito esperava e sobretudo desejava. Quando achou que estava dito o suficiente sentenciou carinhosa, Percebi. Acho que um duche vai pôr-te novo. Entretanto, a não ser que vejas algum inconveniente, vou fazer umas chamadas para sabermos quando é o funeral. Compreendi e aceitei o poder daquela mulher, como, finalmente e depois de toda uma vida onde a ansiedade mais intríseca, quase sempre disfarçada perante os outros e especialmente mim próprio, me havia dominado e impedido de viver na verdadeira aceção da palavra mas sim sobreviver, um terrorista num palco de guerras surdas, havia chegado a altura para descansar, deixar alguém assumir o comando, as responsabilidades, os deuses teimavam em mostrar-me o caminho era só segui-lo.

Deixei a água escorrer sobre mim por muitos e saborosos minutos, como quem mais que o corpo lava a alma. Minutos antes ao ver-me ao espelho descobrira um velho com os olhos inchados, e uma barba não recordava de quantos dias que me assustara, e me fizera questionar de como uma mulher como Rute perdia tempo comigo, e a única resposta que obtive encontrei-a num certo brilho nos olhos que também a mim encheu de entusiasmo. Envolto num cerrado nevoeiro consegui cortar a barba a contento, penteei o cabelo molhado para trás e lobriguei um homem francamente rejuvenescido onde antes vira uma "desgraça", ela, como sempre, tivera razão. Tal como um D.Sebastião surgido da nevoeiro passei ao quarto e o que vi fez-me parar, Rute estava calmamente sentada no sofá onde eu poucas horas antes acordara, vestia o meu robe fino, tinha mais uns quantos grossos, e adotara uma postura sedutora. O tronco como de costume muito direito, corretamente encostado, tal como a cabeça onde soltara a frondosa cabeleira de um castanho escuro extremamente brilhante. O rosto exibia um sorriso convidativo, sobretudo legível nos olhos onde a meiguisse e a lascívia se misturavam na dose certa, menos nos lábios cheios bastante húmidos e entreabertos onde aquela claramente dominava. Deixara o robe parcialmente aberto no peito, pelo que era possível ver das mamas o suficiente para adivinhar a perfeição na forma e dimensão generosas, bem como sobre as pernas que tinha cruzadas, permitindo apreciar uma das magníficas coxas, a que eu já vislumbrara numa bela tarde quente?, das longas e sensuais pernas. As mãos, dedos finos e compridos, estavam abandonadas sobre os braços do sofá, caindo elegantemente no vazio quando estes terminam, docemente disponíveis. Completamente desprevenido e nú levitei até ela, debruçei-me e beijei-a longamente e pela primeira vez. Sem mudar de posição, qual raínha, respondeu-me com igual sofreguidão e segredou-me ao ouvido, está tudo tratado. E eu pensei, como é possível conhecer-me tão bem? Como sabia que dizendo-me isto ía completar o círculo perfeito do momento que eu vivia? E como esse facto me libertaria para a ela me entregar sem quaisquer reservas ou limites? Então ajoelhei-me enquanto afastava suavemente o robe para os lados, e pude ver bem de perto o paraíso que me esperava. Deixei os olhos acompanharem as mãos a vaguearem por aquele corpo fantástico e em grande forma apesar de já não ser uma menina, demorei-me a cobri-lo de beijos, ora levantando-me ora sobre os joelhos, exalava um odor irresistível, nem doce nem ácido, uma neutralidade que remetia para a pureza, provei-lhe a sabor na boca, na pele, deixando crescer em mim a expectativa doutros sabores para mais tarde. Quando começou a emitir uns quase impercetíveis gemidos, estava iniciada a festa dos sentidos que queria oferecer-lhe, que em conjunto celebrássemos, e conduzia para a cama que ela mesma preparara para nos receber.


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semtelhas @ 17:08

Sex, 06/02/15

 

O pequeno almoço foi comido vorazmente mas em silêncio, o que fez realçar os barulhos animalescos da mastigação e dos alimentos a serem deglutidos. Se no meu caso aquela situação me fazia recuar décadas e à imensa fome que sempre tinha depois de fumar haxixe ou liamba, em João acreditava que o fenómeno se devesse sobretudo à sua juventude, nunca ouvira que o consumo de heroína abrisse o apetite, bem pelo contrário. Quando a campaínha tocou eu lavava a última peça de louça, a qual o meu ajudante aguardava dócilmente de braços estendidos com um pano nas mãos para a limpar. Olhámo-nos, quem ía abrir? Dei-lhe alguns segundos e perante a sua hesitação dirigi-me para a porta acabando por encontrar Eurico já meio do corredor, Assaltaram-te foi? Estás magoado? Foi por isso que ligas-te? Esquecera por completo que a porta não fechava, e todas aquelas perguntas de sopetão, a juntar a uma sensação de cabeça ôca, mais as circunstâncias de algum dramatismo deixaram-me falho de palavras, como que paralisado, espantado em frente a um homem, meu amigo é certo, mas que só agora parecia ver após vários anos sem contactos, na verdade olhava-o debaixo de uma nova perspetiva. Calma, disse-me um tanto patéticamente apesar de ainda não o saber, enquanto me dava suaves pancadinhas nas costas. Ato contínuo fica ele próprio especado com os olhos muito aberto e fixos atrás de mim, subitamente tornara-me transparente, João aparecera saído da cozinha. Depois de breves momentos, tão relativo conceito que os multiplica no nosso sentir, atiraram-se simultâneamente aos braços um do outro, não me restando outra hipótese se não a de me comprimir contra a parede, não escapando mesmo assim de um parcial atropelamento por parte do meu colossal antigo colega.

Enquanto João punha o pai meu a par de tudo, literalmente tudo, era realmente impressionante a minucia e calma que o rapaz mantinha não obstante a natureza crua e dura do que dizia. Conhecia bem o pai, afinal era uma sua versão mais nova, sabia o que podia esperar dali, pelo menos nunca uma qualquer reação violenta, sequer mais enérgica. Estavam sentados lado a lado num dos sofás grandes e, não raras vezes, Eurico procurava meter entre as suas mãos, onde era possível detetar alguma tremura, as do seu filho, enquanto as lágrimas ameaçavam correr, o que acabou por acontecer no fim daquilo que pareceu uma história de terror, quando de novo se estreitaram num apertado e demorado abraço, pai e filho num sofrido pranto mudo. Durante toda a conversa mantive-me calado, sentado em frente, limitando-me a um pequeno movimento da cabeça, aqui ou ali, sempre que o olhar deles mo solicitava, por vezes encarecidamente, como no momento em que João admitiu estar agarrado, e Eurico me fitou com uma expressão onde era impossível distinguir entre o pânico e um lancinante pedido de ajuda. Imagina como as coisas são! Acabou por dizer após um notório esforço para se recompôr. Não nos viamos há anos e de repente acontece tudo. Nem falamos da Luísa! Desculpa mas agora vou levar o rapaz para ver a mãe e os irmãos. O que fizeste vai para além de todos os agradecimentos. Comovido abraçou-me. Não fiz nada, partiu tudo da vontade do teu filho. Neste ponto, tentado a revelar-lhe que, de certo modo, inclusivamente tinha com ele alinhado, acabei por não o fazer respeitando o facto de João o ter omitido, o que não deve ter sido fácil dada a sua natureza franca, sobretudo por esta ser uma forma subtil de com ele manter uma espécie de cumplicidade, se calhar, inconscientemente, também na esperança de ter ali um amigo para novas sessões, pensamento que afastei envergonhado dado o perigo que isso para ele poderia representar, uma eventual recaída. No entanto o meu amigo pressentindo o meu malestar questionou. Há mais alguma coisa que me queiras dizer? Aproveitando a deixa concluí enquanto caminhava na direção de João que já nos aguardava com a pesada mochila pousada junto aos pés, Sim, quero dizer-te para confiares no teu filho, sei que ele quer mesmo deixar, e sinto que o vai conseguir. Vai dando notícias. Abraçamo-nos e João agradeceu-me naquele jeito desprendido só possível em quem, apesar de tudo, se julga invencível, com todo uma infindável vida pela frente, e lançando-me uma piscadela de olho que valeu mil palavras. Um destes dias ligo-te para ires lá a casa jantar, atirou Eurico ao sair.

Luísa está morta! Pensava debruçado no parapeito no terraço enquanto acompanhava o carro do meu amigo a afastar-se ao longe na estrada e, com ele, todos os incríveis acontecimentos que tão inesperadamente nos haviam ligado nos últimos dias menos este, Luísa tinha-se matado. Estava sózinho para enfrentar esta realidade que poucas semanas atrás receberia como mais uma tragédia, uma entre tantas com as quais diáriamente nos cruzamos. Talvez neste caso, para mim, sem aquele diabólico efeito redentor perante a desgraça alheia, tão ardilosamente disfarçado de piedade nos arautos das misérias desta vida, unica via para o sobrevivência da comunicação social, afinal era uma minha velha conhecida, e que formosa velha!. Que fazer? Aparecer no funeral? Para quê? Para enfrentar a fúria dos pais que já haviam declarado alto e bom som que me consideravam responsável pelas infelicidades da filha? Se primeiro, e de forma injusta, por uma acusação de assédio falsa, mais recentemente pela agressão do namorado, tinham agido daquela maneira o que fariam agora com ele morta? Não, não podia ir. Por outro lado seria impossível ficar indiferente, aquela rapariga sempre me inspirara alguma pena que agora se transformara em profunda mágoa, não podia ignorar tão triste desenlace, não aparecer era fazê-lo, perante os outros mas sobretudo mim próprio face à minha atitude covarde, até, de certa maneira, o assumir de uma culpa que não tinha. Tinha que comparecer. Definitivamente!

Uma vez tomada a decisão, ainda no terraço, sentado a sentir uma brisa que corria fresca vi através das cortinas translúcidas um vulto que se aproximava, a meio da sala. Levantei-me num salto! Era o pai de Luísa ou alguém a seu mando! Estava louco e vinha dar-me um tiro! Petrificado, obviamente condicionado por horas a fio a um ritmo, conteúdo e intensidade a que não estava habituado, nem para eles tinha idade, também pelas reflexões dos últimos minutos, não restavam dúvidas, só podia ser ele. Mas não só não era como não podia ser alguém mais diferente, Era Rute que avançava na minha direção. Mais linda que nunca, no seu estilo leve onde imperava a qualidade e transpirava  uma sensação de liberdade, transmitida por roupas em vários tons de azul, para o largo o que mais realçava a sua elegância, e na qual se adivinhava um toque macio, mas sobretudo graças a uma postura impecável, uma imagem imaculada, uma presença plena de afirmação e firmeza tão raramente vista e tão formidávelmente hipnotizadora. A coroar a aura que a acompanhava um levíssimo aroma, por isso mesmo fortemente insinuante. A porta estava aberta, disse. E depois como para me arrancar do mutismo que seguramente estaria justificado pela expressão de enorme surpresa, Li a notícia.


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