Dois homens num parque pleno de camiões TIR. Estamos em Calais, o local no lado francês do Canal da Mancha mais perto da costa inglesa, de Dover. Um deles diz, "A culpa foi da Europa que andou anos a vesti-los e a alimentá-los, convencendo-os que isto aqui era um paraíso". Está a falar dos milhares de refugiados provenientes do Afeganistão, do Sudão, de todo o norte de África, etc., etc, e que ali pululam por todos os lados. Ele e o outro são motoristas de camiões, meio de transporte escolhido pela maioria dos refugiados para atravessarem para o Reino Unido, espécie de Terra Prometida, quando aqueles seguem dentro dos ferry's, fazem-no escondidos no meio da carga e mesmo por baixo dos veículos, agarrados a uma qualquer engrenagem. O que estes dois homens comuns dizem, é a resposta quando questionados sobre as condições absolutamente deploráveis em que aqueles milhares de pessoas vivem na esperança de uma vida melhor. Amontoados em enormes armazéns abandonados, também eles paradigma de outros problemas, de outras sociedades, com sete chuveiros medievais e quatro WC's imundos. A maior parte deambula pelos arruamentos do defunto parque industrial, entre consecutivos e enormes amontoados de lixo, um cosmopolitismo da decadência, as Nações Unidas da Miséria, a matarem tempo para a fila infinita que, ao fim de cada tarde, enfrentam para a única refeição diária, ainda assim tudo isto fruto da boa e humanitária vontade dos franceses. A situação tem vindo a agravar-se a cada dia que passa, aumentam os assaltos, as tentativas de violação, o medo, e então a polícia atua com crescente violência, que puxa violência. Também a sociedade civil está a reagir negativamente, as milícias populares e um grupo neonazi começam a atuar, e o presidente da Câmara Municipal de Calais mostra-se impotente, remetendo a responsabilidades e a solução para um problema, cujas dimensões ultrapassam largamente as suas capacidades, para o governo central e para a UE.
Quem os pode criticar? Salvo raras exceções tiveram que trabalhar toda a vida para conseguirem um conforto e uma segurança agora em perigo. As causas mais profundas desse facto eventualmente radicarão precisamente nos efeitos na atualidade tão evidentes, consubstânciados nestas verdadeiras invasões de gente do dito terceiro mundo, outrora mantidos na ignorância, uma doce paz que agora se revela podre. Fruto de uma globalização a todos os níveis, que veio pôr a nú não só as enormíssimas diferenças na qualidade das vivências, mas também como estas, durante séculos, foram sustentadas pelos autênticos roubos de recursos humanos e materiais, perpetrados pelos países mais poderosos sobre os mais frágeis. Uma fatura que, fatalmente, teria de ser paga. Infelizmente, e como de costume, serão os do costume a pagá-la. Alguns já estão a fazê-lo, é só atentar na prérevolução que grassa por essa europa fora, especialmente agora que foi aceso um rastilho chamado Grécia, contra a política de austeridade que tem vindo a destruir o sonho de uma vida fácil, e sobretudo ameaçando outra desejada simplesmente decente, a da gerações vindouras. Salvaguardando, e respeitando, as devidas distâncias face a tão diferentes realidades, digamos que os rotos do mundo ocidental, é que vão pagar as favas perante os nús do dito mundo subdesenvolvido, porque não hajam ilusões, os principais responsáveis pelo estado das coisas seguirão imunes. Mas como não há receitas milagrosas subsiste a pergunta essencial, poderia ser de outra maneira? Não será que os papeis, desde o principal ao mais secundário, estiveram sempre lá? Que só mudam os atores, e o que define o papel a representar não é uma qualquer boa ou má natureza de caráter, mas as circunstâncias de cada um ao longo da sua existência? Uma certeza porém ninguém pode negar, jamais as coisas voltarão a ser como foram, é que a marcha do tempo é inexorável, nunca é a mesma água a passar debaixo das pontes, hoje corre incrívelmente mais rápida e transparente, hajam a humildade e força suficientes para reconhecer e colaborar com a inevitabilidade de um mundo de maior equidade.
A discussão entre a DECO e a ASAE a propósito da carne picada à venda em todo o tipo de talhos é, no mínimo, assustadora. Pergunta-se como é possível que duas entidades supostamente acima de qualquer suspeita, chegam a conclusões tão díspares em assunto de tanta importância para a saúde pública. É que se uma diz que o consumo de práticamente toda a carne analisada resultará numa qualquer doença, desde um simples desarranjo intestinal, até ao mais grave distúrbio do foro neurológico, a outra afirma que o produto foi fiscalizado e está em perfeitas condições de consumo!
O minha avó materna era daquelas que gritava aos sete ventos para que não se comessem, por exemplo, rissóis fora de casa, que eram feitos de restos que haviam sobrado de refeições anteriores, dizia. Para compensar a contrariedade que pressentia em todos nós quando uma das filhas trazia para o almoço uns vistosos e renomados ditos cujos, ficavamos a olhar para aquilo entre a gula e considerável repulsa, imaginando restos de bifes e outras carnes, a serem cuidadosamente rapados de pratos sabe-se lá de quem, apresentava uns magníficos e rechonchudos croquetes, nunca os vi tão grandes!, que confecionava com carne da melhor, como lhe chamava, moída numa máquina manual ali naquela mesma cozinha uma ou duas horas antes, da qual recordo uma enorme manivela e que faziam as nossas delícias.
Com o desaparecimento dessa minha avó, e de todas as avós do mundo, foram-se esse e outros cuidados. Hoje é claro para todos que uma das principais ameaças que paira sobre a humanidade reside na saúde pública, ou na falta dela. A demanda pelo lucro a qualquer preço não respeita nada nem ninguém, os exemplos são aos montes. Precisamente por isso os países mais desenvolvidos, tal como o fazem noutras áreas do bem comum, no sentido global, como por exemplo no caso do aquecimento da Terra devido ao efeito de estufa, criaram organizações altamente qualificadas, quer do ponto de vista técnico quer humano, é essencial serem incorruptíveis, para nos protegerem e sobretudo às gerações vindouras. Aqui os resultados têm sido escassos, o aquecimento global e o consequente desiquilíbrio climático com todas as suas devastadoras consequências estão aí a prová-lo, quanto a mim verifico-o anualmente no alarmante avanço do mar sobre o que já foram vastas praias.
Tudo isto que agora está acontecer por cá depois do alerta da DECO e do contrataque da ASAE, aparentemente mais preocupada em defender o seu quintal do que em preservar a saúde pública, ou não, poderá tudo não passar de um excesso de zelo da organização dita defensora do consumidor, e independentemente das conclusões que algum dia venham, eventualmente, a ver a luz do dia, nada ficará, ou deveria ficar na mesma. O que acima de tudo, e talvez até exclusivamente, ficou evidente para todos, é que há naquelas organizações gente que não está à altura de desempenhar tão nobres funções. Ou alguém toma medidas claras e objetivas de forma a que a confiança em ambas seja reconquistada, o que não vai ser fácil, ou então todos vamos ficar com a sensação de nada ser controlado, ou sê-lo debitando informações reféns de interesses inconfessáveis. Nestas circunstâncias o melhor exercício é sempre assumir-se a condição de comum consumidor e perguntar-se, é seguro comprar carne picada, ou mesmo picada na hora na nossa presença em máquinas prévia e eventualmente infetadas? Eu não compro apesar do que me vai custar prescindir de uma bela bolonhesa. É o fim da picada!
Acordei com os primeiros raios de sol do dia. Atingiam-me diretamente nos olhos, não me recordava como ali tinha chegado mas estava mais deitado que sentado, todo torto e com uma enorme dor nas costas, num sofá no meu quarto. A janela aberta, muito provávelmente saboreara a ar da noite limpa mirando as estrelas, deixava entrar uma brisa fresca e um cheiro a primavera que se anunciava, agridoce, próprio das flores e sobretudo dos arbustos novos, em plena rebentação. Apesar do desconforto provocado pela posição tão anatómicamente errada, a cabeça estava limpa, estranhamente leve, e sentia-me possuído de uma certa animação, uma suave euforia, ou talvez contida alegria. Seria a espantosa aurora laranja que me invadia o espaço físico e a alma? Ou aquela noite verdadeiramente fantástica, na perfeita aceção do termo, que acabara de viver? Como num passe de magia havia recuado aos meus tempos de juventude, pós revolução, aquelas infindáveis tardes no Majestic, bem lá ao fundo sentado nos confortáveis sofás corridos, em pele castanha a brilhar de antiguidade, onde fluíam os discursos para salvar um país renovado, livre. Maravilhosa ingenuidade, autêntica seiva da vida, roda motora da evolução, ainda não conspurcada pelo cinismo que chega com a idade maior, uma desesperança que desvirtua e destroi. Uns mais cultos que os outros, mas todos atentos ouvintes de quem compreendia Kafka, ou Brecht, ou descobria soluções no movimento Punk, entre cervejas que eram consumidas devagar. Eram recorrentes as viagens ao pequeno jardim que havia ao fundo, no exterior, para alimentar a inspiração via liamba. que por aqueles dias corria quase livremente de mão em mão. Foi certamente voltar a esses mesmos estados, ou parecido no caso do físico, mas especialmente o anímico, que me transportaram aqueles tempos. Levantei-me.
Na sala, deitado ao comprido no maior dos sofás, João dormia tal como se dentro de um caixão num velório, muito direito e com as mãos uma em cima da outra sobre o peito. Os cabelos e a barba compridos, a extrema magreza, as feições perfeitamente simétricas onde pairava uma expressão de profunda tranquilidade, transformavam-no num Cristo em paz. Poucos horas antes, nas poucas oportunidades que eu lhe dava de interromper os meus entusiasmados relatos de jovem revolucionário, contou-me como o pai, heroi durante pouco tempo, o influenciara decisivamente. Um idealista feroz, tal como eu apanhado por Abril de 74 numa idade vital, passara toda a curta vivência em comum com o seu primogénito a reclamar por direitos de todo o género, nomeadamente sociais. Uma postura vencedora, muitos conquistas conseguidas inicialmente, mas depois paulatinamente retiradas em nome de uma realidade que se impunha, como vociferava a nova ordem, a reinar em boa parte fruto da desilusão de um povo a falar de barriga cheia, oportunidade que aproveitaram para recuperar regalias perdidas ao longo de décadas. À revolta exprimida aos gritos em manisfestações mais ou menos estéreis, cuidadosamente encostadas aos sábados ou domingos proporcionando prolongados fins de semana, redentores das fúrias revolucionárias bem suportados por uma, tantas vezes!, doce vida burguesa de uma geração que beneficiara dos ventos da mudança radical, foi correspondendo uma crescentemente dura realidade para os seus filhos. Tornava-se evidente que, ao fim de muitas décadas, contrariando uma tendência até ali imutável, a próxima geração iria viver pior que a anterior. Em tudo igual ao pai, vitima frustrada perante a constatação destes factos, um dia chegou o momento de pedir contas a Eurico, um frente a frente entre o idealismo e o pior dos racionalismos, a verdade, e o choque foi inevitável.
Agora ali estava ele. Em cima da mesa várias garrafas de cerveja vazias, compradas diretamente do frigorífico já ao sair do café, não sei porquê, resquícios do passado?, lembrei-me que a sede viria a atacar, e também os instrumentos do "pecado". O pequeno pacote de papel da heroína vazio. Seria o último? O que fazer? Sentei-me e estupidamente peguei numa garrafa ainda acima de meia e bebi, ficando imediatamente agoniado, o que veio reforçar a angústia que sentia invadir-me, e que me levou a pousá-la sobre umas cascas de amendoins que não vira provocando a queda e o respetivo barulho. Tal como um gato João espreguiçou-se completa e demoradamente, há quanto tempo eu próprio não lograva tão reconfortante relaxamento, outro dos prazeres perdidos!, e só então se permitiu ver-me. Rápidamente descodificou a linguagem corporal que eu exibia, rigido, e imagino com o rosto a espelhar a luta interior que naquele momento travava. "Já ligou?", perguntou como se estivessemos a meio de um qualquer diálogo."Não. Queres comer qualquer coisa primeiro?". Passara a bola para ele que, compreendendo, e aparentemente decidido atirou, "Sim, mas pode ligar primeiro. Está tudo bem". Fui encontrar o telemóvel esquecido no casaco e marquei o número. "Olá Vasco", ouvi do outro lado. "É incrível não é? Acabei agora mesmo de ler no jornal. Percebia-se que ía acabar mal mas assim!... Estou Vasco...estás aí?". Confuso não tinha proferido uma palavra, "Sim sim, estou, mas o que é que se passa? de que falas?" Ficou em silêncio algum tempo, "Então não estás a ligar por causa da notícia?...." João fitava-me a tentar perceber se algo acontecera ao pai, "Não sei do que estás a falar, que notícia?" Após mais um período de vazio, "Foi a Luísa. Diz aqui que deve ter sido por causa dos pais, antes de ontem, finalmente lhe terem dito que ía ficar bem, as pancadas na cabeça não deixaram sequelas no cérebro, mas que teria que ser sujeita a operações plásticas porque os ossos da cara, e o maxilar, tinham sido muito afetados..." Novo silêncio. "Fugiu? Deu-lhe qualquer coisa? Magoou-se a ela própria? Diz-me homem, parece que também tu acreditas que tive um caso com aquela louca! Desembucha!". Desabafei tentando adivinhar o que uma pessoa daquele perfil faria perante tais circunstâncias, mas também indignado por até Eurico ainda não ter percebido nada me ligar aquela rapariga, pelo menos que justificasse tanto cuidado a dar uma notícia má. " Durante a noite seguinte, ontem, atirou-se da janela da enfermaria, quatro andares. Parece que que teve morte imediata. Dizem que agora é que o exnamorado nunca mais sai lá de dentro". Em poucos segundos passaram-me pela cabeça imagens tão diferentes como o belo rosto de Luísa a olhar-me fixamente, no meio das colegas na sala de aula, os dos seus pais, condescendentes, quando com ela me visitaram na Ordem, e, o que me tirou de um estado de letargia de que me começava a sentir refém, o de Rute, encarando-me com honesta severidade. Foi então que ouvi João falar, "Diga-lhe". Do outro lado escutava ruídos mas Eurico mantinha-se calado. "Preciso de falar contigo. Dá para passares por aqui?" Concerteza convencido que o meu pedido se devia ao acontecimento que acabara de me relatar respondeu solícito, "Vou já para aí".
À saída, ao cruzarmos a porta de entrada, num primeiro momento, quase me surpreendi vendo-a estroncada tal era a naturalidade com que por ela saía exatamente com quem a tinha arrombado. Dei comigo a olhar furtivamente para ele e encontrei-o já à espera, "desculpe", disse, "tentei fazer os menores estragos possível, até porque não queria fazer barulho". Observei aquele magrinho gigante e voltei a reconhecer Eurico, a mesma lentidão, aquela maneira de olhar franca, nuns olhos claros que no caso do filho ainda mais sobressaiam por causa da barba enorme, como luzes mornas em fundo negro. "O andar de baixo raramente tem gente. É de dois médicos em processo de divórcio. Estão a vendê-lo por isso ela só aparece por aí de longe a longe." Sosseguei-o.
João, era o nome dele e afinal já ía nos trinta, disse-me acreditar que Amina tivesse mesmo voltado para Londres, é que aquela situação não tinha acontecido pela primeira vez, na verdade desde que se conheciam não tinham feito outra coisa. Esta viagem para Portugal havia sido uma espécie de última tentativa. Ela gostava realmente dele, ao ponto de nos últimos meses, ele pura e simplesmente deixara de trabalhar, inclusivamente o sustentar com o dinheiro que ganhava como babysiter, ao qual juntava, embora não o confessando, um bom bocado mais que lhe era dado na mesquita que frequentava, uma forma de aliciamento que se mostrava eficiente. Mas lá a situação tornara-se insuportável. Ele cada vez precisava de mais dinheiro para alimentar o vício, e então os colegas muçulmanos dela começaram a tentar afastá-la dele, mais não conseguindo que perdê-la, pelo menos e infelizmente temporáriamente, para a sua luta. Convencera-a a abandonar aquela loucura em troca de uma recuperação que faria no seu ambiente, num clima mais ameno, o frio tolhía-lhe o corpo e a alma, com os resultados à vista. Sentia-se completamente dependente e perdido, agora ainda mais por ter contribuído para que ela voltasse para aquele caminho que certamente, ainda por cima amargurada e infeliz, lhe iria trazer muitos problemas. Apesar de estarem nas lonas, nem sequer pagaram os dois ou três últimos meses de renda do quarto onde viviam na baixa, foi quando vieram para minha casa, ela deixara-lhe algum dinheiro e o conselho de que procurasse o pai. Havia sido sempre assim, tratava-o como a um filho, nunca permitindo quaisquer tipos de desleixos, especialmente com a higiene e outros cuidados pessoais. Enquanto falava ía comendo, devagar, mostrando-se muito mais rápido a beber, acabara de pedir a terceira cerveja quando o questionei, "Queres que ligue ao teu pai?" Não me respondeu de imediato, não era uma decisão fácil. "Se não se importa gostava de dormir sobre isso", acabou por dizer. "Ainda tenho uma dose...mas amanhã acabo com este inferno. Eu e a Amina chegámos a ir a um sítio onde ajudam na recuperação, com metadona, pode ser que o meu pai conheça... "Calou-se mas a fitar-me intensamente, como que a testar a minha boa vontade. Discordar seria perder a sua confiança e, quem sabe, o seu rasto. "Ok, mas só se me deres mais uma chávena daquele chá fantástico, é que preciso mesmo de dormir profundamente". Sorriu e disse, "Não sei se Amina o deixou aí, mas se o levou eu tenho umas coisas para a ressaca que fazem o mesmo efeito, até melhor, porque os cogumelos são um bocado alucinógeneos". Era verdade e eu sabia-o bem...
Quando chegámos lá acima, para minha surpresa, começou logo a preparar um cachimbo de haxixe, há quanto anos não assistia aquele ritual! "É para nós", atirou, "eu não fumo, deixei há mais de vinte anos e tenho a certeza que a primeira vez que volte a fazê-lo é para nunca mais parar, volta e meia ainda sonho que estou a saborear um cigarro. Estendeu o braço e no meio da palma da mão aberta estava um pedaço, negro e brilhante, "coma", ordenou quase dócil, "Este é do bom. Demora mais um bocado a fazer efeito do que fumando mas também dura mais tempo". Peguei naquilo entre o polegar e o indicador direitos e olhei para ele. Continuava com o seu trabalho, ignorando-me, metódico como o pai, com os dedos longos e extremamente finos, neste particular bem diferente do seu progenitor, e, para mim, estranhamente firmes, sempre imaginara um heroinômano com dedos trementes, inseguros. Teria sido a cerveja a adiar a ressaca? Talvez não tivesse passado tempo suficiente. Ainda com o fruto proíbido entre os dedos na mão como que esquecida, afirmei em jeito de pergunta, "Não há-de demorar muito vais ter que te injetar". Sem levantar a cabeça "Lá mais para a frente", disse como alguém cujas noites habitualmente representam uma longa travessia. "Mas não se preocupe, amanhã vou dar uma volta à minha vida. Para já este cachimbo vai pôr-me bem. Não come?" E chupou com força o cachimbo, atirando somente um bom bocado depois o fumo para o ar enquanto, de olhos fechados, encostava a cabeça para trás. Olhei para aquele pedaço de matéria mole negra, e a primeira questão que me passou pela cabeça foram anos e anos de quase fundamentalista limpeza, uma guerra aberta contra os vírus e os medos que acarretam, e, por isso, as quantas inumeras vezes que havia concuído não passar de um pobre esquizófrénico hipocondríaco. Estaria chegada, também para mim, a hora de uma nova vida? Afinal nos últimos tempos, desde aquela tarde em casa de Rute, parecia que os astros se haviam alinhado, e os deuses haviam concordado, para que tudo me acontecesse! Seria um sinal? Reparei que, tranquilamente recostado, me fitava lutando com a indecisão. "Se tem dúvidas então é melhor avançar, só assim as resolverá". Tinha razão. Meti o haxixe na boca e trinquei devagar. Sabia básicamente a terra, ou ao que eu imaginava a terra saber, com um ligeiro pico a uma qualquer erva exótica. Engoli.
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O filme "Blackhat" é uma simbiose quase perfeita entre um grande 007, e um excelente policial com uma abordagem a um assunto muito sério, porventura a maior ameaça que paira sobre a cabeça de todos nós, o terrorismo agindo através da autêntica seiva da vida da sociedades atuais que é a informática.
Por acaso, ou talvez não, apesar de tudo é preciso algum cuidado com estas matérias tão sensíveis, o objetivo é dinheiro aos biliões, mas podia ser dado o exemplo de um ataque a um qualquer Estado recorrendo a paralizações que semeariam, em pouquíssimo tempo, um caos inimaginável e sem fim à vista.
A primeira parte do filme, quase isenta de qualquer tipo de violência física, é um deleite para a mente, plena de subtilezas, por um lado dá um enorme prazer contemplar o mundo verdadeiramente fantástico que os homens foram capazes de construir, consubstânciado na suas mais brilhantes metrópoles, prodígios de automatismos ao serviço de um conforto em toda a linha, onde uma linguagem fascinante, assente na inteligência superior, resulta num pragmatismo harmonioso. Mas por outro, o elevado preço a pagar, revela a incrível fragilidade em que tudo isso está assente, como os génios do mal, espécie de irmãos gémeos dos bons, tantas vezes pervertidos pelas piores razões no sentido de francamente evitáveis, tão fácilmente podem pôr tudo em causa, literalmente. A segunda é uma formidável sucessão de acontecimentos que deixam o espetador pregado à cadeira, tal a mestria com que está construída. Sob todos os aspetos, claramente à altura do melhor que já se fez do género e, ainda por cima, alertando para algo tão candente e transversal há vida ao nível global .
Alguém insidiosamente ciciou lá das alturas, "cospe Machado", e o pobre asno cuspiu, cuspiu, cuspiu, até ficar atolado na sua própria baba nojenta. Aparentemente terão calculado mal o tiro, ou se calhar não, provávelmente pressentem chegada a sua hora, a hora da hiena, a tal que só come restos, pela calada da noite, enquanto ri cínicamente, certamente inspirados na confusão reinante no mundo da (in)Justiça portuguesa onde parece valer tudo. É que há muito de arte no ofício de aldrabar, de vigarizar, de roubar, como tão bem o demonstram os poderosos deste país e do mundo em geral, tanto ou tão pouco que chegam onde chegam. Ora acontece que este Machado é de fio muito rombo, e prorombo, só sabe cortar grosso e a direito, difícilmente poderia servir a contento os objetivos desta gente, mais dada às subtilezas dos políticos quando se trata de iludir a verdade. Quem sabe não terão à espera auspiciosas carreiras à frente de um qualquer organismo estatal, posteriormente melhor rendido por um outro no privado, igualmente ou ainda mais lucrativo, como recompensa dos preciosos serviços prestados? Os exemplos são mais que muitos. Eles continuam a trabalhar afanosamente, como o comprovam as nomeações das inefáveis Paixão e Capela benfiquistas. Espécie de religião fundamentalista que não olha a meios para atingir os fins. A Paixão tem vindo a ser lancinantemente derramada por esses verdes relvados lusos, tragicamente tingidos de encarnado, como eles dizem, desde os idos noventas, e essa sua inesquecível primeira aparição na improvável e lagarta Campo Maior. Já lá vão vinte anos! Como tempo passa e tudo fica na mesma! Já Capela é de fornada mais recente mas não menos fervorosa, e bem mais sofisticada. Fruto dos tempos beneficiou do franco convívio com mais ilustres companheiros de seminário, dos quais herdou a tal refinada capacidade de enganar com um sorriso nos lábios. Dele ainda não se cantam as loas de que os mestres já objetivamente vivem. Mas tempo é coisa que não falta a esta gente, desde sempre, só episódicamente interrompido por uma revolução que levou tudo à frente, até imagine-se!, esta espécie de misto entre ratos e baratas, que roem e conspurcam, supostamente intocáveis como os seus primos de quatro patas, essa bicharada imunda. Por ora devem estar a preparar uma qualquer encenação tipo a que deu aos encarnados o campeonato de 2010, para o eventualmente decisivo jogo da cantada e anafada capital. Não vá o diabo tecê-las!
Apesar de tudo, como ainda ontem se viu em Braga, apetece deixar os clubes fora desta lixeirada toda, pelo menos no que ela tem de essencial. Também olhando para este particular caso da bola, cheira que a questão é mais profunda e tem a haver com um muito mais vasto mal que radica num centralismo atávico, que defende e aplaude a batota e a esperteza, em detrimento da competência, e eterniza o serôdio atraso. E cheira mal, cheira a ...prepotência. Até quando? É só consultar a História!
Estava em pleno Casbar, e apesar de uma espécie de névoa que parecia impedir-me de ver na perfeição, as sensações eram fortes, as cores berravam, por todo o lado, quase uma omnipresença, como que um brilho sagrado imanava de sofisticadas peças douradas, um cheiro intenso a um perfume que me transportava aos confins da memória, mas que não conseguia identificar e, insidioso, aquilo que soava a uma flauta que trazia à tona de uma cesta a magnífica cobra capelo, com as suas vistosas e coloridas escamas que se abriam em leque imediatamente abaixo da cabeça. Reconheci Luísa em quem tocava a sensual melodia, como os seus lábios brilhavam em torno do bocal da flauta!, tal qual a primeira vez que neles reparara. Lentamente começo a ouvir uma discussão que irrompe algures e abafa tudo o resto. Então vejo, ainda por entre a mesma bruma, sentado no chão, encostado a uma parede imunda, num passe de magia o Casbar evaporou-se no ar!, um homem novo mas profundamente envelhecido, enormes barbas brancas, onde encontro os olhos do filho de Eurico numa estranha expressão de paz suplicante e, a afastar-se, a voz vai ficando mais e mais longínqua, descubro Amina. O rosto deslumbrante exibe uma expressão de raiva que parece conferir-lhe, como se fosse possível, ainda mais beleza. Súbitamente, estou dentro de um automóvel acompanhado por dois ou três pessoas que não reconheço. Seguimos a alta velocidade, e eu, ao volante, estou completamente cego, por mais que me esforce não consigo ver por onde sigo. Completamente desesperado, uma mortal sensação de angústia, constato agora que o carro saiu da estrada depois de uma curva apertada que não logrei fazer, e, recuperada a visão, sinto-me a voar sendo crescentemente invadido por uma imensa alegria tranquila. Abro os olhos. Sonhava.
A passagem é suave, surpreendentemente suave. Estou tombado de lado sobre as almofadas, em cima de um dos sofás e, noutro em frente, do outro lado da pequena mesa onde vejo os utensílios que ele trouxera da cozinha mas agora aparentemente após serem usados, o filho de Eurico parece dormir. Está esticado ao comprido, ocupa todo o enorme espaço e ainda fica com os pés, com sandálias, de fora. Não faço ideia quanto tempo passou, senti-me algo perdido mas calmo e tento levantar-me mas as pernas fraquejam pelo que desisto. Quando volto a olhá-lo fita-me com um ar que me pareceu de alguém que se divertia, não obstante o seu estado de abandono quase total. Então começou a falar, devagar mas com impressionante nitidez, clarividência, as palavras saíam-lhe límpidas e absolutamente despidas de dúvidas ou truques. "A Amina foi-se embora", afirmou. "Tínhamos um trato desde que nos conhecemos e nos apaixonamos, a primeira vez que nos vimos em Londres, ela deixava de frequentar as reuniões dos radicais islamitas, e eu largava as drogas, mas nem ela nem eu tivemos a força suficiente para o fazer. Ela é neta de uma mulher que fugiu da Índia após a saída dos ingleses. A mãe, mais tarde, nunca aceitara bem ter abandonado tudo, acabou por voltar, agora já para o novo país que era o Paquistão, zona da Índia de que era originária, e envolveu-se em problemas de ordem política e religiosa, que a obrigaram a voltar a fugir para junto da mãe, levando Amina ao convívio com a sua bem mais moderada e carinhosa avó. Mas era tarde demais, o que ela vira durante os anos em que crescera, e nascera, no Paquistão, haviam-na envenenado para o resto da vida. Para sempre revoltada contra o antigo colonizador, e todos os seus aliados, os quais responsabilizava pela miséria de toda a ordem, física e moral, que grassava no seu país. Quanto a mim também nunca me senti própriamente alinhado com este mundo tão injusto. O meu pai toda a sua vida foi um revoltado, mas na realidade nunca fez nada para mudar fosse o que fosse. Diz-se um filho da revolução, que passa esses princípios para os seus alunos, mas a verdade é que almeja a uma vida burguesa como toda a gente. Eu não queria ser como ele, por isso liguei-me a movimentos e partidos defensores do ambiente, de uma sociedade mais equitativa, pelo fim dos preconceitos e do clientelismo partidário, e sei lá que mais. Tudo desde muito jovem. A própria escola, o sistema de ensino, deixou de fazer sentido, tudo aquilo estava errado e era estúpido. Acontece que o meu pai era o sistema, e achou-se profundamente atingido, magoado, ele que sempre fora um pai exemplar e até camarada!, e um dia chegou mesmo a agredir-me. Não me expulsou de casa mas a convivência tornou-se impossível e então fui viver com uns amigos. Abandonei a universidade, arranjei uns trabalhitos básicos aqui e ali...e pronto. Depois foram as frustrações, perceber que as coisas não eram assim tão simples, mas também a noção de irreversabilidade, que me levaram a fugir e meter-me nestas merdas. Agora acho que estou agarrado e já nem a Amina está para me aturar..."
Calou-se. Práticamente não se tinha mexido e eu tive necessidade de dizer qualquer coisa, "Poucas coisas são irreversíveis nesta vida". Fitou-me e disse, "acho que ela exagerou nos cogumelos do seu chá, adormeceu logo! Tivemos medo que chamasse a polícia...ou o meu pai. Estivemos para aqui a discutir aos gritos e o senhor nem pestanejou! Quando lhe reafirmei que me ía injetar desatou a meter tudo na moxila e nem olhou para trás". Disse estas últimas palavras como quem fala consigo próprio, um esforço de autoconvencimento. O rapaz estava prostrado, destruído. Após nova tentativa levantei-me, dei uma volta pelo apartamento, e verifiquei que de facto só restavam as coisas dele. De repente uma dor aguda atingiu-me bem no meio do estômago e lembrei-me que não comia haviam horas. O que fazer? Chamar Eurico? Era cedo, tinha que dar tempo ao filho para se recompôr, não permitiria que o visse naquele estado. Entretanto, espantado, descobria experimentar uma curiosa e completamente inesperada energia, na verdade não me recordava de tal disposição, tão disponível para a vida. Seria por causa daquela história dos cogumelos? Também eu tivera as minhas questões com drogas nos anos a seguir à revolução, e deixá-las, especialmente os químicos, não tinha sido própriamente fácil. Mas será que um homem com os meus conhecimentos e experiência de vida reagiria hoje como reagiu então? Afastei estas considerações que me varriam a mente como uma ventania passageira e perguntei-lhe, "Não tens fome? O brasileiro faz umas francesinhas fantásticas." Pela primeira vez rodou a cabeça na minha direção e disse pouco convicto, "sou vegetariano." Mantive-me uns momentos em silêncio e depois insisti, "Tens a certeza? Também não bebes álcool?" Como resposta levantou-se com surpreendente segurança e disse com firmeza, "Vamos lá."
Ele diz-nos que nos chega luz de estrelas que explodiram há muito, explica que se considerarmos o que conhecemos do universo, do seu espaçotempo, como o correspondente a um ano, do primeiro segundo de 1 de Janeiro quando se deu o Big Bang, a 31 de Dezembro, então o sol apareceu sómente no dia 26 de Dezembro, e o homem quatro minutos antes de acabar o ano. Deixa claro que tudo o que vai para além disso é uma igualmente infinita incógnita. Também nos informa que só num átomo dos milhares de milhões de que somos compostos, existem incomensurávelmente mais seres vivos do que estrelas, planetas e cometas no universo conhecido.
E isto é só um infimo exemplo do que fala Neil deGrasse Tyson no programa Cosmos da RTP2. Viajando numa imaginária pequena nave, o cientista desloca-se desde o mais remoto infinitamente grande ao mais longínquo infinitamente pequeno para explicar a vida. Inspirado no primeiro programa com o mesmo nome de Carl Sagan, o atual beneficia das inumeras descobertas feitas ao longo das últimas décadas, para nos oferecer uma visão verdadeiramente extraordinária do que sabemos sobre o que nos rodeia, e daquilo que somos da forma mais completa que hoje é possível. A óbvia utilização do que melhor há sob o ponto de vista técnico, aliado ao recurso à banda desenhada, torna esta viagem esclarecedora e inesquecível.
O papel do apresentador é absolutamente central. Profundamente conhecedor do que transmite, é também um grande comunicador. Mas, mais importante, um incrível ser humano, daqueles cuja impressionante digna humildade é diretamente proporcional à enorme sabedoria. Um destes dias uma criança de seis anos perguntou-lhe qual o sentido da vida. Num tom bem humorado e brincalhão, respondeu-lhe que não é algo que se encontre, mas que se procura. Como? Tentando todos os dias aprender qualquer coisa nova. Para quê? Porque assim nos tornamos melhores pessoas, podendo com esse conhecimento mais e melhor nos ajudar-mos a nós próprios e aos outros. Admirável como dizendo que não há receitas se ensina a harmonia!
Livros como "Mistérios", de Knut Hamsun, ou o filme "Ciclo Interrompido", são obras que deixam na memória um gosto amargodoce.
O sonho, o idealismo, a ingenuidade esclarecida, são uma maneira de estar, de viver, própria dos poetas, alguém que consegue vislumbrar nas mais simples coisas e factos da vida, a beleza que encerram em si mesmos ainda que normalmente escape aos sentidos do comum dos mortais. Uma existência dominada pela prevalência da ilusão, da permanente procura do belo, acarreta consigo o pesado fardo de uma realidade imposta, difícil de aceitar, não raras vezes insuportável. Aquilo que hoje é conhecido como doença bipolar, afinal o que é que por estes dias não é rotulado? levando até à pergunta, onde está a normalidade? é que, no limite, tudo é catalogável logo específico, no passado terá sido responsável por boa parte dos grandes escritores conhecidos, muito especialmente de poetas. Que tipo de estados de alma podem transbordar da visão de um dia cinzento de nevoeiro cerrado, por entre o qual se conseguem lobrigar as árvores ao fundo, tristes, completamente despidas de folhas ou cor, se momentos antes a televisão nos informou que dali a duas horas o sol vai brilhar? É da luta entre este frio pragmatismo de quase todos, e um homem com natural tendência para o lirismo, sempre elaborando historias mais ou menos fantásticas, adornando o que o rodeia, para logo cair no cruel precipício dos factos, particularmente na descrença dos outros e as tristes consequências, que trata esta autêntica viagem por dentro da alma de um sonhador.
Ciclo Interrompido é um filme a um tempo crú, brutal, mas também profundamente redentor. Incrivelmente atual, ou talvez nem tanto, afinal o assunto em causa é desde sempre transversal à humanidade. Qual o peso da fé, no sentido da crença absoluta na existência do espírito para além do corpo, na vida das pessoas? Que tipo de efeitos positivos ou negativos lhes pode trazer? Se por um lado pode servir para aliviar o sofrimento, por outro é maquiavélicamente utilizada para enganar milhões. Tratando-se de um assunto ao qual é impossível escapar sem fazer uma opção, ou se nega algo culpando a dúvida, ou, com ela como justificação se acredita, também neste caso não se sai incólume. Recorrendo a um caso limite,a doença de um filho, assiste-se à luta entre a fé na continuidade, única capaz de possibilitar a sobrevivência, e um olhar crítico, dito esclarecido, sobre a condição humana, irredutível porque incapaz de ceder à suposta realidade. Uma experiência marcante.
Onde estas duas magníficas obras se cruzam é precisamente na sua conclusão: ficam para contar os pragmáticos, no ultimo momento a um pequeno passo da impossível conversão, mas inapelávelmente e para sempre orfãos dos idealistas. No fim a terrível pergunta do costume, valerá a pena viver assim?
Como é possível ao fim de tanto tempo os portugueses manterem-se reféns de um centralismo profundamente estúpido, que constrange e atrasa, que exibe com crescente arrogância, impunemente e com um poder aparentemente imparável, que vem transformando a zona de Lisboa e arredores na única verdadeiramente comparável ao espaço europeu onde estamos inseridos, sendo o resto uma paisagem cada vez mais distante?
Será que a óbvia, porque contínuamente comprovada, superior capacidade em quase tudo que importa estar precisamente na província, como jocosamente lhe chamam umas vezes, ou no norte, outras, espécie de longínquo e atrasado feudo que difícilmente suportam apesar de em boa parte dele viverem, não deveria ser suficiente para alterar este estado das coisas? Não será evidente para todos que a aposta nos mais capazes rende incomparávelmente mais e melhores frutos?
Custará muito perceber que é precisamente na permanência da incompetência e da vaidade entre quem nos governa, a que todos parecem render-se uma vez chegados aqueles lados cujos ares como que despoletam o que de pior cada um tem, que reside o endémico e tão interrogado atraso, recorrente e serôdiamente incompreendido e motivo de incontáveis análises?
Que raio de fatalidade é esta que faz um país inteiro pousar sobre aquelas paragens como que um manso espanto de boi a olhar para um palácio? Algo distante, inatìngivel, que disfarçadamente distraído admira, só muito raramente questionadas, e pelo contrário antes merecedoras da inconfessável esperança de um dia delas vir a fazer parte?
É chocante verificar as diferenças a todos os níveis, desde os mais básicos como o rendimento disponível, até à oferta cultural que tem vindo a diminuir drásticamente fora do espaço lisboeta. Nem o Porto se salva de uma desertificação de recursos e ideias que vem avançando sem dó nem piedade. Tudo o que chega de fora e é sugado de dentro, é pouco para continuar a alimentar um monstro que seca tudo em volta.
Dir-se-á que falamos de contentes, que devíamos olhar para os que estão bem pior. Pois...só eles têm direito a olhar para cima. O discurso do costume que tem levado milhares a desistirem e, impotentes, fugirem daqui para fora, condenando o país a um envelhecimento precoce e a um futuro, enquanto país independente, mais que duvidoso, e a uma qualquer anexação.
Por muito que custe aos mais patrioteiros, se calhar só então, num regresso ao conceito de nação seguramente não exclusivo ao território português, excetuando os raros casos que já superaram este problema adotando inteligentes processos de regionalização ou autonomia, apelando ao que as populações têm de muito comum entre si na mais profícua e harmoniosa construção da sociedade, finalmente se fará a justiça da equidade, essência nos melhores e sempre ausente nos prepotentes.
Um exemplo porventura dos menos importantes de tudo isto, o branqueamento do FC do Porto na festa do centenário da FPF enquanto clube com mais troféus internos e externos, do presidente de clube do mundo mais vitorioso na História do futebol, e do primeiro treinador a dar um troféu internacional a Portugal, é no entanto paradigmático pela verdade intrínseca de cada um que qualquer paixão confere a quem dela faz eco, e confirma a natureza desta gente, medíocre, escroque, e ressabiada.
- Bill Gates bebeu água feita a partir de fezes humanas - Ainda vão pôr o homem a ter ideias de merda!
- Consumo de Viagra disparou em Portugal - Estando isto como está não há tesão que aguente!
- Santana Lopes é o primeiro candidato presidencial assumido - Ou a história de sucesso do flop em flop, até ao triste final.
- Macacos também se reconhecem ao espelho - O que torna abaixo de símio quem nele não se enxerga.
- Fidel Castro está a morrer - E com ele o embargo dos EU a Cuba. Ou como, durante meio século!, a morte de um homem pode valer mais que a vida de milhões de outros.
- Governo russo considera transsexualismo doença mental - No entanto são os transsexuais quem é mais procurado no mundo da prostituição. Quem está doido?
- Mercedes e BMW em Portugal tiveram em 2014 o seu melhor ano de sempre - Tanto se tirou só para que tudo fique na mesma para alguns, e pior para quase todos!
- Ingleses dizem ter descoberto seis jazidas de petróleo em Portugal - Agora pedem milhões para dizer onde. Para estes o petróleo é outro...
- Zeinal Bava implicado no caso Rio Forte - A queda de um homem com cara de anjo?
- Marinho e Pinto diz que se fosse grego votava no Syrisa - Assim como quem ganha milhares num parlamento que afirma ser corrupto e ineficaz?
- Salão Automóvel de Xangai pode proibir modelos femininos - Poder podia, mas como eles sabem que não seria a mesma coisa...
- Portugal está a gastar menos 8.76 milhões por dia em petróleo - Ainda quase ninguém deu por nada. No quase está a resposta para quase todos os nossos males!
- Morreu Anita Ekberg - Mentira! Atravessará os tempos a lembrar-nos, e de que maneira!, como a vida pode ser dolce.
- Tratado de Shengen em risco - Será como tentar pôr trancas numa porta do tamanho do mundo!
- Jerónimo Martins e Sonae sobem na lista de maiores retalhistas do mundo - Isto está mesmo mau!
- Governo aconselha pescadores a escolher outro peixe que não sardinha - Pudessem eles dedicar-se a pescar os tubarões donde imanam certos conselhos...
- Machete quer ensinar a austeridade a Angola - Não ver ser dificíl! Se aqui tirar a quem pouco ou nada tem foi fácil, lá vai ser uma brincadeira de meninos...
- Alberto João terá casa museu na Madeira - Já está a ser remodelada com dinheiros públicos (via Fundação), e não pagará impostos. Um museu fidedigno! Nem precisam de meter lá dentro as medalhas e os açucareiros!
- Em Lisboa há famílias inteiras dedicadas a roubar carteiras - Já estou a ver no horizonte mais um recorde do Guiness...
- Demolição das restantes torres do Aleixo está nas mãos de Antonio Oliveira - Finalmente vai poder abater qualquer coisa à bomba! Não era bem aqui que queria, mas vai tudo do começar...
Compreende-se o erro que é colar os atentados terroristas às crescentes más condições de vida da maioria das pessoas. Desde logo pelo inimaginável perigo que tal representaria, sentiriamo-nos quase todos na pele de terroristas, mas também por aqueles normalmente justificarem os seus atos por outras razões, nomeadamente de cariz religioso. Mas essa opção, por mais importante que seja, deverá ser suficiente para tentar negar o facto que é a real ligação entre os dois fenómenos? É que, optando pela visão bondosa da questão, se pode sempre afirmar-se que os decisores do mundo, tendo perfeita noção dessa realidade, discuti-la-ão em privado, dando-lhe todo o peso que ela merece na resolução de tão grave problema, também se pode pensar que não faltará nessas altas esferas, quem se aproveita desse silênciamento para continuar a cavar o fosso entre ricos e pobres, acabando assim por não só não contribuir para acabar com este assustador estado das coisas, como precipitar exatamente o contrário, que elas se agravem numa espiral de violência cujos limites ninguém pode prever. Se usando de absoluta honestidade intelectual, os poderosos de boa fé deste mundo, olharem para o passado recente, quanto mais para o mais distante!, rápidamente terão que admitir que as probabilidades entre as duas hipóteses caem francamente mais para a segunda.
Lentamente começam a aparecer nos jornais as notícias que a raiva e o políticamente correto esconderam, ou no mínimo evitaram, que até agora vissem a luz do dia. Uma delas, eventualmente a mais importante, informa que os irmãos responsáveis pelo atentado ao jornal francês de caricaturas, viviam num bairro da periferia de Paris, onde os índices de pobreza são quase inacreditáveis para um país como a França, até há bem pouco tempo a 5ª potência mundial, nomeadamente o desemprego que é da ordem dos 43%. Procuradas por jornalistas após os tristes acontecimentos, as pessoas lá residentes, cerca de 200.000!, evitam o contacto ou dizem não querer falar e, as poucas que o fazem, relatam uma realidade muito próxima daquilo que foi a política de ghetos em França, os célebres bidonville, que em boa medida estiveram na génese do Maio de 68 e de tudo o que isso representou para aquele país, para a Europa e restante mundo ocidental. E é sabido como este estado de coisas é comum a práticamente a toda essa parte do globo. Não será por acaso que um número crescente de jovens desses países, desesperados perante o vazio com que são terrívelmente confrontados quando tentam perspetivar o futuro, numa atitude de tudo ou nada e bem conscientes da total impotência da esmagadora maioria de quem os rodeia para inverter a situação, resolvem engrossar as fileiras de quem, aparentemente, fala mais alto contra o cada vez mais alargado fosso entre ricos e pobres.
No dia em que o Charlie Hebdo volta às bancas amputado da maior parte dos seus antigos responsáveis, surge com uma imagem ambígua e uma mensagem escrita clara. Será uma boa opção manter uma postura de superioridade? Eventualmente portadora de uma mensagem dúbia intrínsecamente autoconvencida? Inxalá que sim. Provávelmente, independentemente do que a primeira página mostrasse, o problema de fundo manter-se-ía sempre, onde acaba a liberdade de uns e começa a de outros? No caso específico da linguagem nas suas diferentes formas, não haverão limites? Sou livre para insultar pública e notóriamente seja quem fôr, em qualquer circunstância, sem barreiras de espécie alguma? Um bom exercício é cada um imaginar ser insultado naquilo que lhe é mais precioso da pior maneira possível. Já lá vai o tempo em que até os insultos ficavam abafados, circunscritos dadas as circunstâncias objetivas de difusão. Hoje não é possível atirar a pedra e fugir, a ironia, o sarcasmo, o insulto em surdina tiveram os seus dias. Morreram. Atualmente ninguém pode fugir ás suas responsabilidades, ou melhor, poder pode, mas os riscos de, mais tarde ou mais cedo, pagar um alto preço por atitudes que vão desde o menos consensuais, ao barbaramente incorretas, é claramente maior. O choque de culturas tem as costas largas, mas se se questionar sinceramente o que levou os agressores a escolherem a dito caminho de Alá, talvez aí se encontre a resposta para grande parte do mal e, porventura, a solução para o enfrentar.