Desde há uns tempos adquiri o hábito de, paralelamente à leitura de um novo livro, reler um já lido, tenham decorrido dez, vinte ou trinta anos, sendo que o critério de escolha destes últimos tem haver sobretudo com o volume, utilizo-os especialmente fora de casa, mas também com o assunto que procuro seja o mais divergente possível daquele de que versa o que estou a iniciar. Em tempos quando relia um livro fazia-o em exclusivo, aconteceu com o Ulisses, Cem Anos de Solidão, ou Debaixo do Vulcão, entre outros, mas nesses casos o objetivo foi mesmo aprofundar o conhecimentos que esses fantásticos exemplares proporcionam, atualmente tem muito mais que ver com uma necessidade crescente de complementar o mergulho na novidade, no desconhecido, com a segurança do revisitar um terreno seguro e sabido agradável.
Aconteceu isso mesmo na releitura de duas obras reconhecidas, que atravessaram o tempo, e que surpreendentemente tornaram-se muito mais importantes durante o período que as reli, que as novidades em que entretanto viajava, refiro-me a Almas Mortas, de Gogol, e de O Lobo das Estepes, de Herman Hesse. Tratam-se de dois pequenos grandes livros que havia lido, ambos, há mais de vinte anos. O primeiro passa-se na segunda metade do séc. XIX na Rússia e aborda com o humor sarcástico utilizado com a perícia do melhor cirurgião com o seu bisturi, sendo que neste caso o doente é a sociedade da altura. Impressionante como nada mudou quando se fala de corrupção, jogos de poder, burocracia, promiscuidade sexual, baixa sedução, devassa, enfim, tudo o que diáriamente nos entra pela casa dentro. Já o Lobo das Estepes plana a outras alturas, não tanto da condição mas, curiosamente, muito mais da alma humana. Verdadeiro tratado sobre o nosso papel neste mundo, e até no outro!, fantástica reflexão em nome próprio de um homem que conheceu a mais belas facetas da vida, naquilo que ela tem de intelectual e notariedade, para depois se deixar conquistar pelo que ditam os sentidos. Uma fabulosa viagem em que o autor literalmente oferece toda a sabedoria que foi acumulando ao longo de uma existência plena de experiências fabulosas. Precioso!
O que para mim foi uma enorme surpresa, apesar de outras e mais antigas releituras, foi o incrível manancial de coisas novas que descobri em ambos os livros. Claro que tal se deve ao facto de eu próprio ter um outro olhar sobre eles, provávelmente também por serem considerados dois clássicos da literatura, logo muito densos, ainda porque era relativamente jovem quando os conheci pela primeira vez, mas não deixa de ser espantoso como a nossa visão sobre as coisas se altera com o passar dos anos!, o que serve para os livros serve para tudo o resto, e como este raciocínio nos pode levar tão longe! Como seria útil e quantas vezes decisivo, antes de fazermos algumas opções na vida ter essa capacidade de parar para pensar, de questionar, de reavaliar, de analisar noutros ângulos, experimentar um outro olhar, uma nova perspectiva sobre o mesmo assunto, descobrir outra interpretação, como quem relê um livro. Quanto sofrimento se poderia evitar antecipando problemas pelo aprofundamento das questões!
ESPELHOS
Quando se vê duas pessoas que já conheceram a celebridade confrontarem-se num diálogo, na especial circunstância de uma delas estar no auge da fama e a outra em plena decadência, é possível descortinar em certos momentos uma especial intensidade no olhar que parece parar, uma determinada inflexão na voz, um movimento brusco ou uma falsa lentidão, que denunciam que cada um deles, nesses breves instantes, parece estar a ver-se ao espelho, um regressando ao passado, outro vislumbrando um hipotético futuro. Independentemente das tais circunstâncias o que de facto fere os sentimentos é a constatação dessa realidade, e sobretudo as motivações mais profundas para que milhões de pessoas consumam mais, ou menos sôfregamente tal espetáculo. Será pela situação em si mesma? Uma entrevista de uma conhecida jornalista a uma superestrela do futebol? Pesará mais a notariedade de vedeta global? Ou neste jogo de espelhos em que se tornou a vida por estes dias, onde tantas vezes o virtual, que paira do outro lado, supera em importância, empenho e desempenho a dura realidade, nos remete para a triste verdade de que o mais procurámos ali, é mesmo a lenta queda no abismo de alguém que atingiu o sucesso que a esmagadora maioria não conseguiu?
FASCÍNIO
Altas, baixas, gordas, magras, novas ou menos novas, é um autêntico fascínio praticar o jogo da sedução com todas elas. É verdadeiramente mágico circular em espaços públicos, neste tempo onde o calor obriga raparigas e mulheres a libertarem-se ao máximo de tudo quanto é trapo oferecendo a si mesmas, e oferecendo aos outros, a possibilidade de se movimentarem alegremente numa expressão bem mais próxima da sua natureza feminina, do que quando vivem tolhidas pelo frio. O imenso desfile em que se torna um simples passear numa rua da baixa ou junto a uma praia, constitui um prazer sem limites para todos. Para elas porque assim melhor podem responder aos seus mais nobres instintos de exibir toda a sua beleza e, consequentemente, serem objeto de admiração, para eles pelas óbvias razões de usufruto e não menos plausível prática de machos. Para além dos inumeros casos de amores, curtos ou longos, que estas circunstâncias facilitam, há esse aspeto muito mais interessante que é a sedução. Quando um homem fica hipnotizado por um olhar fugídio, por aquele jeito ao virar dissimuladamente o rosto ou pousar os olhos no chão, por aquelas curvas deslumbrantes que o fazem sonhar, e muito especialmente quando uma ou outra se permite lançar um breve sorriso, está a cumprir-se a mais bela e antiga razão de existir, a exclusiva condição humana de desejar com inteligência.
ROUPA NA CORDA
Estava eu a preparar-me para amandar um balde de água gelada pela cabeça abaixo, também tenho direito!, quando ouço dizer que agora a novidade é fazê-lo com lixo dentro do dito cujo. Pus-me a pensar e disse cá para mim, então se se podem mudar assim as regras a meio do jogo, porque não praticar o sacrifício com um bom tintol, um branco fresquinho bem mais adequado a esta caloraça, ou mesmo com umas quantas cervejolas de litro? Portanto cá fica a ideia, neste vastissímo palco, deixando desde já a notícia que hoje mesmo fui ao banho, apesar, devo confessar, de não ter recorrido aos melhores néctares porque só cá tinha em casa um fundo de uma garrafa de um tinto já um bocado azedo, estaria a minha mulher a utilizá-lo como vinagre?, meia garrafa de um champanhe do bom, ali de Gondomar que abrimos quando fiz anos em Junho, e o resto de uma mine que sobrou do fim de semana, mas como o que interessa é a intenção...E por falar em intenções, será que o pessoal percebeu que a ideia é doar dinheiro a uma associação contra uma doença rara, ou pensarão que isto é mais um concurso como aqueles que passam aos montes na televisão? Seja como fôr, e pelo seguro, mais se justifica uma pessoa banhar-se em qualquer coisa mais substâncial, é que assim tem que se dar o dinheirinho antes de estar com uma grande ramada, e depois, boiando em ciclópica sarapilheira, sempre dá para esquecer as tristes figuras que por aí se vão multiplicando entre um oceano de estupidez e ignorância, e uma boa dose da chicoespertisse do costume à cata de publicidade.
- Meet: convívio entre jovens acaba em acusações de racismo - Ou como a procura de protagonismos, de jovens, polícias e comunicação social, um dia ainda vai dar para torto!
- Quaresma fora dos convocados para a segunda jornada - Para grandes males grandes remédios. Há alguns que têm de ser cortados pela raíz, apesar de ser pouco provável algum dia nascerem direitos...
- Nani foi recebido em delírio por centenas de adeptos - Se dúvidas houvessem quanto ao mais básico provincianismo presente nos insuspeitos e mais que todos, alfacinhas, viscondes, e lisboetas da capital...
- Rússia decidiu agir na Ucrânia - Fez lá entrar dezenas de camiões humanitários supostamente não autorizados. E também começou a fechar Mc Donald's após inspeções sanitárias. E agora?
- Pepe Rapazote aconselhou telespetadores a comprar droga com os prémios em dinheiro que anunciava - Só para quem ainda não viu as televisões generalistas portuguesas a gritar via boazonas, n vezes por hora, dias e meses a fio, ligue, ganhe milhares de euros!, é que não compreende o conselho do cromo. É que ninguém aguenta!
- Cresce o apelo ao canibalismo na internet - Nunca a expressão vou-te comer, foi tão literal. É o preço a pagar pelo imenso faz de conta em que a vida se está a tornar...o desesperado retorno às origens!
- Juventus quer Luisão - Já tardava o factor anual de aumento do salário do experiente e superbenfiquista central brasileiro! Será desta que, morto de desgosto, vai ter que deixar mesmo o SLB?
- Kardec nomeou Jesus para o banho gelado - Se a nomear alguém com quem se simpatiza aquilo já vai em quase trinta milhões, imagine-se se se começa a nomear quem se odeia...
- Mourinho multiplica-se em declarações sobre Cech - Mais valia dizer já que quer vê-lo pelas costas!
- Miguel Beleza: Pensei que Ricardo Salgado estava acima de qualquer suspeita - Quanta inocência! E pensar que o ilustre já foi ministro das finanças...vai morrer a pensar como os burros, o mesmo que quer fazer dos outros.
- Mais de dois milhões de euros furtados por carteiristas em Lisboa só no ano passado - Aquela gente sempre foi de palavra fácil, pé ligeiro e dedos leves. Há naturezas incontornáveis...
- Cada vez há mais pessoas a ir à Suíça para morrer - E não é nas obras como antigamente, ou tipo, ver os alpes e morrer, não, é mesmo para resolver o seu problema de vez. Ele há gente que fica sempre a ganhar.
- O Novo Banco escolheu para seu símbolo a borboleta - A face mais bela, mas também mais efémera, da metamorfose de um inseto...será que assim alguém vai querer comprar aquilo?
- MIT identificou carrasco de Foley como britânico - Ou como fazer a mais eficaz propaganda à causa do inimigo.
- Primeiro-ministro israelita anunciou que a ofensiva em Gaza vai continuar durante muito tempo - A arrogância da vitória em vitória até à pressentida e inconfessávelmente temida derrota final!
- Está desaparecida há 20 anos uma cabeça de Lenine com três toneladas - Em Berlim naquela que era a sua parte da RDA. Antes uma cabeça de Lenine perdida, que um Lenine de cabeça perdida, dirão os alemães.
- Ministério russo anunciou que país está prestes a entrar em recessão - Depois o ocidente que venha queixar-se. Quando aquela gente começar a disparar em todo as as direções...
- Presidente do FMI exorta Merkle a aumentar salários na Alemanha - Ao mesmo tempo que obriga países mais pobres a baixá-los. De certeza que é para promover o equilíbrio social entre membros da União Europeia...
- Presidente da FPF anuncia consequências da má prestação da seleção no mundial - Não havia necessidade, já todos as conhecem desde que renovou com Paulo Bento ainda antes do início do dito...iguais a zero!
- Presidente do Sporting aderiu à campanha do banho gelado - Aparece todo encolhido debaixo de umas pinguitas de um aspersor no relvado de Alvalade. São assim os enganadores...
Falando da parte do mundo que se convencionou chamar ocidental, regras mais ou menos comuns quer do ponto de vista economicofinanceiro, quer social, após o último grande reset civilizacional que foi a II Grande Guerra, espécie de tomada de consciência da sociedade no seu todo para os exageros cometidos o que levou a um novo começo, o reacender de preocupações sociais, ou o renascimento de valores tão importantes como a solidariedade e a justiça, durante cerca de uma geração viveu-se um género de idílio, uma lua-de-mel, entre os vários escalões sociais dentro de cada país, e mesmo entre países mais ricos e mais pobres dessa pequena parte do globo que, também fruto do quase total isolamento do resto do mundo por um lado e, por outro, também devido a esse facto, ser possível ir lá abastecer-se de gente e matérias-primas a preço da chuva, lhes proporcionou uma vivência francamente positiva, em todos os aspetos, e claramente superior a qualquer outra latitude terrestre.
Como, tal qual à tempestade sempre sucede a bonança, todo o sonho precede um pesadelo, não foi por isso esperar muito tempo para que outro tipo de exageros fossem cometidos, e passasse a reinar uma ambiência de facilitismo e falsa harmonia. Acontecimentos tão marcantes como as contemporâneas guerra do Vietname e Woodstock, a queda do muro de Berlim, ou o ataque terrorista a Nova Iorque, parecem constituir passos, cada vez mais curtos, menos espaçados no tempo, a anunciar a trágica necessidade de novo reset, naquilo que cada vez com mais certeza se desconfia, ser a única maneira de parar esta loucura virtual em que se está a tornar a sociedade dita ocidental, assente em pressupostos quase exclusivamente materialistas, via concorrência desenfreada, um consumismo demente do qual depende todo o funcionamento da economia, e um jogo financeiro nas mãos de meia dúzia de poderosos monstros sem quaisquer escrúpulos, que dominam tudo e todos.
O principal custo a pagar por esta loucura insana que crescentemente soma frustração nas sucessivas gerações mais e mais informadas, hoje não só é impossível esconder seja o que fôr seja de quem fôr, como até se utilizam os principais veículos informativos, orgãos de comunicação social e internet, muito em particular as suas chamadas redes sociais, para difundir e potenciar esse apelo ao consumo e consequente mundo de invejas e frustrações, é que ELES estão por detrás de tudo, é um generalizado sentimento de medo nascido de uma violência latente por todo o lado, protagonizada nomeadamente pelos mais jovens nas sua facetas mais visíveis, por isso mesmo menos perigosas porque mais previsíveis, mas sobretudo pelas gerações seguintes, por entre as quais grassa um genuíno sentimento de revolta e vingança que ainda há-de ter os seus dias, uma resposta ao polvo invisível que verdadeiramente controla todos os nossos movimentos.
Por cá tudo isto aconteceu uma geração depois. Mergulhados nas profundezas da escuridão da ditadura salazarista, só após a revolução de 1974 todo o processo teve o seu inicío, ainda que obviamente houvesse beneficiado de uma série de atalhos, apanhados à boleia dos acontecimentos externos, e fruto da nossa cada vez maior participação nos blocos políticos e geoestratégicos em que estamos inseridos. Não é por isso de admirar que as dores de crescimento(?) tenham chegado mais tarde. Estes recentos eventos de suposta violência juvenil, deveriam servir para se olhar para o que se passou há anos no estrangeiro, existem fantásticos documentos para o efeito, nomeadamente via cinema ou literatura para além dos relatos reais ao tempo dos factos, e perceber as razões profundas desses atos, da revolta que consubstanciam, e de como só um esforço de compreenção e absorção, por muito que custe, podem minimizar efeitos devastadores sobre literalmente todos, depois de gerações inteiras acordarem para a realidade de terem andado toda uma vida a correr atrás de ilusões.
Entro na livraria para trocar um livro que me ofereceram, e só então me lembro ter-me esquecido dos dois ou três títulos dos que religiosamente vou acumulando ao longo do ano para a sagrada peregrinação à Feira do Livro, que deveria ter trazido, anteriormente apontados num papelito para o efeito. Perante as duas hipóteses que me restavam, voltar noutra ocasião, ou procurar nas vastas prateleiras plenas de livros que enchiam a enorme livraria, opto pela segunda não obstante estar bem consciente de que assim, mais uma vez, cedia à habitual gula que aquele conjunto de folhas tantas vezes portador de irresistíveis evasões me proporcionam, em detrimento da provávelmente muito mais acertada decisão de só proceder à troca pela certa.
Enquanto palmilhava febrilmente aquele espaço, com os olhos a procurar decifrar autores e títulos, por esta ordem, uma urgência que apesar de tantos anos de experiência insiste em não me largar, como em tantas outras visitas reparo na incrível multiplicação daquilo mesmo que eu pretendia devolver, capas apelativas aos sentidos, cor, títulos sonantes, brilho e até, agora muito em voga, a possibilidade da sensação tátil. Lá dentro, normalmente em folhas grossas, o peso e o volume são determinantes na hora da escolha, letras de dimensão considerável e linhas bem afastadas, uma prosa onde os diálogos ou a narração, habitualmente numa linguagem, digamos, atrevida, são férteis em assuntos corriqueiros do dia a dia, plenos daquilo que tão comummente nos enche e, supostamente, enfastia os dias, via família, vizinhança ou comunicação social. Todo um mundo de pequenos eventos, intrigas e vulgar fofoca, um mar de não notícias, e claro, sexo, muito sexo. Na verdade tudo isto muito mais virtual que real, o alimentar até ao limite do suportável, voyeurismos, ambições idiotamente desmedidas, invejas doentias. Enfim um constante salivar pavloviano de que muito beneficiam uns quantos espertos, com um certo jeito para ganhar dinheiro à custa da necessidades mais básicas da maioria.
Estava eu nestes já muito repetidos pensamentos e cansadas conclusões, quando dou por mim a questionar-me da profundidade e capacidade de realmente me mobilizarem para a leitura, de efetivamente me tirarem do sério, aquilo que afinal de contas procuro, quase como quem necessita absolutamente da dose que o sangue e a mente exigem, as mesmas sofreguidão e urgência que o bom senso desaconselham, em autores acima de quaisquer suspeitas como Saul Bellow ou Kingsley Amis. Por este andar qualquer dia não há "viagem" que me aquiete a alma, pensei alarmado. Afinal quem é que fará as escolhas mais corretas? Aquele que incansávelmente procura quem sistemáticamente lhe continua a alimentar as dúvidas, ou o que despreocupadamente se entrega aos pequenos prazeres? À simples fruição do pouco que nos é permitido, ao comum dos mortais como eu, cheirar?
Acabei por trazer um livro que de certa maneira tranquilizou o sinuoso estado de espírito em que acabara de cair, à semelhança de outras que dele li, uma anunciada como divertida obra de Amis, abdicando assim da mais que provável tortuosa reflexão de Bellow a propósito da condição humana que separara como alternativa. Não foi a primeira nem será a última vez que estes raciocínios me afloraram, e de certa forma abalam, o pensamento, mas estou em crer, pelo menos assim o desejo, não passarem de uma espécie de dores de crescimento, no sentido de crescer em humildade, em perceber que não há receitas, que cada caso é um caso, cada um escolhe para si próprio, em função da sua realidade, aquilo que melhor contribui para o seu bem estar, e que tudo o resto não passa de uma boa dose de arrogância.
Espaços exíguos
O bafio
A promiscuidade
O desleixo
O medo
Os odores
Os sussurus
As ausências
Os gritos
A violência
O arrependimento
O sexo
A vergonha
A escuridão
O interior
A vingança
A traição
Os vícios
A tristeza
O fingimento
As gargalhadas
As ameaças
As periscas
As mentiras
O terror
A vergonha
A inércia
A vaidade
A estética
A moralidade
A farsa
O perfecionismo
A fuga
A ilusão
O vinho
As drogas
A penumbra
O frio
As obrigações
As paixões
As dúvidas
As doenças
O dinheiro
A posse
O choro
A frívolidade
A tempestade
Os outros
O desespero
Os barulhos
A loucura
O horror
O sufoco
O autismo
O egocêntrismo
As fobias
Autocomiseração
Inversão
Perversão
Egoísmo
Compensação
A mesquinhez
A maturidade
O silêncio
A ternura
O exterior
As cores
Os bichos
A família
O cinema
A música
Os livros
A paz
A ética
A moral
O carinho
O corpo
O sorriso
A paixão
O céu
As nuvens
A terra
A chuva
Os cheiros
As flores
O amor
O sexo
A beleza
O sol
O movimento
A luz
O calor
A brisa
A areia
O mar
Espaços largos
- Carreiras de Barden e Cruz em risco por chamarem genocídio a intervenção de Israel em Gaza - Parece que para os israelitas há genocídios mais genocídios que outros.
- Exchefe de gabinete de Sarkozi arrecadou 32.6 milhões com venda de ações do BES - Milhões brincam às ações, meia dúzia agem sacando milhões.
- Passos anuncia desistir do Imposto de Sustentabilidade - Agora chama-se desistir de uma coisa após ela ter sido proibida? Os bandidos também vão desistir de assaltar bancos?
- Marinho e Pinto diz-se desiludido com Parlamento Europeu - Aguarda-se ansiosamente a decisão de renúncia de mandato e consequente perda de proveitos milionários. Caso o faça, a primeiro-ministro, já!
- Sporting rescindiu contrato com importante fundo financeiro - É o que acontece quando um elefante com orelhas de asno entra numa loja de cristais.
- Atlético de Madrid desmentiu que tenha oferecido Oblak ao SLB - Ou a história de um Orelhas a arder pelas inúmeras acusações de estar a destruir uma equipa.
- Júlio César em Lisboa para assinar pelo Benfica - Depois de uma equipa inglesa de segunda, e dos sete da Alemanha, o SLB. É sempre a subir!
- Assiste-se a uma crescente privatização da justiça nos EUA - Nomeadamente na cobrança de multas, o que também já acontece por cá, autêntica caça a cabeças a prémio! Lá vai outra vez a justiça ter que virar-se contra o justiceiro.
- Julian Assange afirma que vai abandonar a embaixada do Equador onde está refugiado - Ou como a derrota pelo cansaço, velha aliada do poder, pode inviezar a justiça matando o mensageiro.
- Governo apoia continuidade de Guterres ao serviço da ONU - Confirmando assim quão acertada será a decisão daquele em abandonar o cargo e candidatar-se a presidente da república.
- Ricardo Salgado afirmou que não é o pivot da crise do BES - Pois...a gente também já tinha percebido que ele é mais assim uma espécie de ponta de lança da dita. E parece ter-se revelado um grande concretizador...
- Rojo apareceu na televisão do Sporting a pedir perdão - Só faltou pôr-se de joelhos...espera-se que não obstante todo o charme e ganda pinta de macho do imperador Bruno, o terrível, não o obriguem a rezar para poder fugir dali para fora...
Desde muito cedo comecei a perceber que os machos lusitanos se dividem básicamente em dois grupos, um mais vasto dos que sabem assobiar digamos que normalmente, e outro, mais restrito, mas ainda assim de dimensão considerável, daqueles que fazem do assobio uma arte. Entre estes últimos há os que fazem dessa capacidade uma espécie de uso utilitário, e depois sobra um arrepiante número que fazem dele arma de arremesso. Estou mesmo convencido que se o fenómeno fosse analisado científicamente, o nosso país estaria entre os primeiros na quantidade existente do dito espécime.
De entre estes últimos tudo começa desde logo pela técnica. Foi de tenra idade que aprendi a admirar e, confesso, a invejar, os meus coleguitas que faziam verdadeiros prodígios com a lingua, sem mãos!, de forma a emitirem um estridentíssimo som que chegava sabe-se lá onde, mas também todos os outros que fazendo uso de dois, quatro, por vezes até, pasme-se, da totalidade dos dedos das ambas as mãos introduzidos na boca, nunca entendi tal elasticidade, obtiam exatamente o mesmo efeito. Depois, e claramente mais importante, vinham as razões que faziam despoletar tão nobre manifestação de estado de alma.
Comum a todos estes verdadeiros artistas encontro a mesma preocupação de, na maior parte das ocasiões, recorrerem à sua arte como quem atira uma pedra e esconde a mão. Numa atitude onde a inveja e a bravura de urinol se misturam em quantidades que variam de performer para performer, o certo é essa ser a característica essencial e indispensável para obter a larga admiração dos seus semelhantes e até, porque não dizê-lo, uma importante forma de afirmação via chicoespertísse, como se sabe a melhor maneira de disfarçar mediocridades várias e histórico pilar nacional para carreiras de sucesso, ainda que neste caso não necessáriamente material.
Vem isto a propósito dos assobios que ontem ouvi no Dragão ainda não tinham passado trinta minutos de jogo, e andava o FCP a tentar sair com a bola jogável desde a sua baliza, aproveitando assim o adiantamento circunstâncial do autocarro do Marítimo. Muitas vezes me questiono se realmente merecemos este clube, um raríssimo fenómeno de excelência no meio de tanto fingimento. Se não conhecesse de que é feito o âmago desta gente que pensa com a cabeça dos dedos dos pés, até ficava admirado com a inacreditável estupidez tão bem consubstânciada no tal ato do bem assobiar, neste caso um conjunto notável de jovens jogadores e um treinador a tentar fazer deles uma equipa.
Mas, infelizmente, o futebol é só a ponta visível do icebergue desta verdadeira maldição que é o bota abaixismo, o escárnio e maldizer, tudo em nome de manobras dilatórias para não ter que dar da perna. Voltando ao assobio, autêntico paradigma dessa arte de ser português, lembro-me do muito macho desafio atirado a uma qualquer suposta boazona, seja do alto das obras, por detrás de uma secretária, ou ao volante de um topo de gama. Quantas vezes tanta valentia esconde inconfessáveis medos logo ali desvendados, caso a formosa criatura súbita e corajosamente enfrente o animal, reduzindo este a pouco mais que um babante sorriso bovino.
Pior, muito pior, razão mais profunda para o nosso secular e endémico atraso, é o metafórico assobiar para o lado. É certo que não se ouve, mas sente-se, e de que maneira! Desde o mais humilde operário dentro de uma qualquer fabriqueta, passando pelo mais lacaio mangas de alpaca, até ao mais garboso o ilustre dono disto tudo, são ordas de gente a fazer de conta. Políticos a encher os bolsos, patrões a tratar do futuro dos seus, polícias dentro dos escritórios ou a passear de carro, tribunais a empilhar processos, professores ignorantes, médicos a pavonear-se nos corredores dos hospitais pejados de macas com desgraçados aos berros, sindicatos a trabalhar para o partido, e trabalhadores alienados na demanda de terem mais que o vizinho ou o irmão como veêm na telenovela. Mas, entre outras igualmente decisivas, na arte de assobiar ninguém nos bate!
- Benfica recebeu quatro milhões pela venda de Cardozo - Ai Jesus! E queixavam-se os benfiquistas do saldo por Garay! Desta vez é que o Tacuara deve mesmo ter-lhe ido às trombas!
- Maioria dos professores deu erros ortográficos nas provas de avaliação - Se algum o fizesse há trinta anos atrás morria de vergonha! Mas como disso é o que mais falta por estes dias...
- TAP cancelou 468 voos nos últimos dois meses - Aparece em maiúsculas em todos os jornais. Depois em pequeninas, no interior, e só em alguns, o que corresponde a 2,68% do total. É isto...e depois querem que as pessoas leiam jornais!
- A Goldman Sacks vendeu milhões de ações do BES poucos dias antes destas cairem a pique - Escapando assim ao descalabro (quase) geral. Por alguma razão eles andam anos e anos a formar Borges e Moedas que depois colocam nos sítios certos...
- Cristiano Ronaldo vai ser projetado em ecrãs gigantes por esse mundo fora... em cuecas - Não sei como é que não se lembraram de o pôr a saltar de liana em liana, com a Irina a segurar-se nele pelos guisos, obrigando o a rapaz a gritar bem alto a marca das ditas!
- A Líbia está a ferro e fogo - Desta vez ainda foi mais rápido que no Iraque! Para a próxima vez que os EUA tentarem salvar um país do seu ditador, provávelmente o povo oprimido vai agradecer muito mas... que é melhor não!
- Crédit Agricole diz-se enganado pela família Espírito Santo - É o resultado de ter pressa...só se deve juntar os trapinhos depois de se ser enganado...
- Os homens que mais traem as suas mulheres são benfiquistas católicos - É o que faz ter um treinador chamado Jesus e só ganhar campeonatos de cinco em cinco anos...
- O ministro da economia afirmou que a crise do BES é inexplicável - Assim como a dúvida sobre se primeiro foi o ovo ou a galinha, ou se este senhor é ministro por ser competente ou por ser amigo dos donos disto tudo?
- Marques Mendes, enfurecido, exige explicações da PT sobre envolvimento com o BES - Estou mesmo a vê-los todos a tremer! Já a formiga tem catarro! A mando de quem anda agora este cromo?
- OMS espera uma vacina para o Ébola já em 2015 - Porquê só agora? Porque estão preocupados com uma hipotética epidemia, ou porque os laboratórios já espreitam outro maná, como o do embuste da vacinação global para enfrentar a gripe A, que lhes rendeu biliões?
- Banco Central Europeu exigiu 10 mil milhões ao BES em três dias - Obrigando assim o Banco de Portugal a liquidar aquilo tudo. E a gente a pensar que finalmente o bom senso e os cojones tinham chegado cá!
- Artur defendeu três penaltis e ofereceu supertaça ao Benfica - E já andava toda a gente do SLB a mandar o homem embora! Fica, fica, fica...
- FCP fez toda a pré-época sem derrotas - Apesar de aquilo ainda parecer uma orquestra em período de afinação. Veremos o que vai acontecer se, e quando afinar...
- Rui Veloso anunciou, irritado, que ía suspender temporáriamente a sua carreira musical - Pelo meio criticou o país onde ainda não se percebeu que a música é de toda a gente, mas não para toda a gente. Será que o senhor dez por cento se está a queixar da diminuição no valor dos cachets?
Por muito meritória que possa ser, e é, a tentativa de melhor dar a conhecer uma obra tão maravilhosa quanto O Livro do Desassossego de Fernando Pessoa, recorrendo a um meio de divulgação de massas(?) supostamente muito mais eficaz que a literatura como é o cinema, e mesmo aceitando que o filme de João Botelho com o mesmo nome é tão fiel quanto possível ao livro, o resultado não deixa de ser um quanto desolador.
Não foi a primeira nem será seguramente a última vez que foi tentado este exercício de adaptação de um poema, porque apesar do livro ser em prosa a verdade é que aquilo é um imenso poema, a outras expressões artísticas a partir da escrita. Quantas peças de teatro nos deram nos palcos representações marcantes, desde os clássicos gregos, passando por Shakespeare, até obras recentes?
Acontece que uma coisa é a presença em palco de pessoas em carne e osso, ali a uns metros de distância, uma convocação dos sentidos muito mais autêntica, e sobretudo uma interação entre emissor e recetor onde os reflexos das sensações mútuas são imediatos e incontornáveis, uma outra completamente diferente é estar a reagir para uma câmara de filmar com todo um universo frio e distante em toda a volta.
Se já no caso do teatro é manifestamente impossível transmitir sentimentos tão avassaladoramente pessoais como o faz Pessoa na sua obra-prima, então no cinema essa tentativa chega a ser confrangedora, isto não obstante o inquestionável esforço e talento de todos os envolvidos no projeto, salvando-se o tal dar a conhecer a um mais vasto número de pessoas uma obra nada fácil de digerir via leitura, mas mais ainda a belíssima cidade que é Lisboa e as suas idiossincrasias, se vistas de determinados ângulos como é o caso.
Ler O Livro do Desassossego é uma experiência inesquecível, correspondente a uma viagem que vagueia das profundezas das angústias do inferno para o climax das euforias do paraíso, no tempo que demora um pingo de chuva desde que o descobrimos lá em cima, a precipitar-se no chão da rua que espreitámos das águas furtadas de um apartamentozito na baixa, espelhando-o, e possibilitando ao sol que súbitamente rompe por entre as núvens, devolver-nos a imensidão de luz que nos cega os olhos e ilumina a alma.
O ato de leitura de tão impressionantes palavras faz-nos encarnar em nós mesmos, segundo a nossa própria interpretação mas autênticamente, o relato a um tempo fervoroso e tranquilo que estamos a sorver intensamente, sem quaisquer espécie de intermediários que, pelo caminho, fazem com que muito, quase tudo, fatalmente se perca. Longe de se ficar desassossegado quando muito sente-se uma espécie de (des)sossego.
Como não tenho a capacidade, por tantos assumida, de entender o desaparecimento de uma pessoa do nosso convívio terreno como algo definitivo, o que a ser verdadeiramente sincero, o que não acredito, seria extremamente tranquilizador, libertador, talvez porque preciso absolutamente de perceber o que vem a seguir, de conhecer o quadro todo, seja lá isso o que fôr, para ir mais longe do que serenamente manter uma dúvida metódica, construtiva, quero escrever-te estas palavras como mais uma demonstração da enorme admiração que tenho por ti amiga I. Por algumas vezes tentei minorar o teu sofrimento recorrendo a esta possibilidade que sempre senti única que me admitias, expressando-me por escrito. Cá estou portanto, uma entre não sei quantas mais vezes, porque pura e simplesmente é para mim impossível conceber, quanto mais abarcar, essa utopia a que chamam fim.
Há quase três anos, durante mais uma das inumeras conversas que mantinhamos ao longo do dia de trabalho, na verdade as partes dele realmente interessantes, redentoras e que me mantinham "à tona", um reencontro após mais de vinte anos depois de ter saído abruptamente, abandonando assim uma década de convívio, em que ambos davamos os primeiros passos na vida profissional e em que criámos uma sólida amizade, dizias-me, sabes tantas coisas, gostas tanto de falar sobre elas, porque não crias um blogue? Comentei que era muita bondade tua, e expliquei-te que sou uma nulidade em termos informáticos. De imediato te ofereces-te para o desenhar, e até participar ilustrando os meus textos. Por minha sugestão acrescentas-te a possibilidade de tu própria escreveres no "Cores da Lua", nome tão a propósito da tua personalidade, refletora dos mais belos raios solares porém sempre misteriosa, o qual ainda lá está provocando-me uma profunda saudade sempre que nele pouso o olhar.
Mais tarde fiquei com a certeza que quando fizeste aquela sugestão já te tinhas apercebido do quão necessitado eu estava de ter uma espécie de "amigo imaginário", qualquer coisa que me possibilitasse exprimir as minhas ideias, iludindo assim uma solidão que ameaçava transformar-se num perigoso vazio. Tens a preciosa e rara qualidade de dar, de proteger, observando o máximo cuidado para que o sortudo ou a sortuda não o detetem. Para ti chega a perceção de que essa pessoa fica melhor, dispensas bem agradecimentos. Mas querias mais, tal como te tinha avisado sobrevalorizaste-me, crias-te altas expectativas, e perante a reação diminuta dos potenciais utilizadores do nosso blogue chegas-te a desesperar, dizias, estou farta, isto é uma tristeza, o que as pessoas querem é só pornografia e futebol. E acabas-te por ir esfriando o teu entusiasmo. Depois chegou a tua doença e eu fiquei sózinho, mas com o "amigo imaginário" que me legas-te, depósito de um "diário de bordo" que me ajuda a respirar.
Várias vezes te escrevi que o blogue funciona como catalizador e catarse, que não obstante admitir que seria mais agradável uma maior partilha, a verdade é que, para mim, o mais importante é mesmo ocupar uma parte do meu dia a "falar o que eu acho", apesar de a maior das vezes ninguém estar a ouvir. É uma coisa quase exclusivamente funcional, no sentido de expelir o que vai sendo acumulado. Muitas outras trocámos impressões sobre tudo e mais alguma coisa, e raras foram as ocasiões em que divergimos na opinião. Desde aquele primeiro dia nos inicíos dos longínquos anos oitenta, pressenti em ti uma espécie de alma gémea, alguém que me iria completar, ajudar, para além de todas as palavras que agora possa escrever. E foi assim amiga! Jamais conseguiria atingir o que atingi sem ti, disse-to repetidamente numa das escassas formas em que tu te permitias ser elogiada. Como se não bastasse, desta última vez que trabalhamos juntos, ainda quiseste dar-me esta voz, como quem grita à janela para o mundo, que, de certa maneira, me tem salvo. A comprová-lo cá estou eu a utilizá-la para exorcizar a angustia que sinto apertar-me aqui o fundo da garganta. Obrigado I. Até logo!
Acabei ontem um livro que ando a ler desde há umas seis semanas, Até ao Fim da Terra, de David Grossman, que relata a viagem de exorcismo do inultrapassável sofrimento de uma mãe israelita, após a partida de um filho para a guerra contra os palestinianos, em circunstâncias em tudo semelhantes ao que acontece atualmente. Comecei a lê-lo portanto antes do recente conflito se ter iniciado, o que me tem proporcionado uma experiência difícil de explicar por palavras, como que por artes mágicas, neste caso por pura magia negra, quase dia a dia ir descodificando, segundo e seguindo uma certa perspectiva, através da leitura do verdadeiro documento que a obra constítui, aquilo que a todo o momento vai passando na televisão. A ação acontece algures pelo início de século, coincidindo com a dura realidade vivida pelo autor, na qual perde o seu filho mais novo exatamente na situação que nos é sugerida no livro. Talvez este aspeto autobiográfico da obra, provávelmente mesmo para além do caso dos filhos, tem um outro mais velho que também foi militar tal qual uma das outras personagens, igualmente envolvendo a sua própria história enquanto jovem, seja a razão da imensa força que imana daquelas palavras, nomeadamente numa visão profundamente humanista, mas também surpreendentemente cristalina atendendo à sua origem, de toda aquela tragédia que por estes dias nos vai deixando mais e mais perplexos.
Percorrendo a pé aquilo que parece ser uma espécie de caminho de peregrinação dos judeus dentro de Israel, a heroína da estória vai desfiando a sua história pessoal desde adolescente, numa metáfora daquilo que é o país dado este ser pouco mais velho que ela própria, permitindo-nos ir percebendo, bem por dentro, acompanhando com rigor objetivo sobre as coisas, e enorme profundidade psicológica sobre as pessoas, o tipo de vivência com que, dentro do possível uns e outros, israelitas e palestinianos, têm de lidar. Sendo abusivo, quase rídiculo, pretender dali tirar conclusões definitivas, na verdadeira aceção do termo, é absolutamente notável, sobretudo se se pensar que o autor perde um filho enquanto está a escrever o livro, que a ideia mais forte que resulta depois de seiscentas e muitas páginas, ser a sensação da impossibilidade prática da existência daquele país, pelo menos naquelas circunstâncias. Como se aquele povo, no seu mais profundo âmago, pressinta ainda não ser aquela a Terra Prometida. David Grossman não se detém excessivamente nos porquês desse sentir, porventura porque os desconhece na sua plenitude, mas que os constata, e a forma avassaladora como os comprova, é um facto. Como é óbvio não podia adivinhar na altura o que se passa neste momento, mas é evidente que não esperava outra coisa, agora e no futuro. Talvez esteja escrito algures, ou seja o verdadeiro destino daquela gente ser errante, numa incansável busca. Para eles, parar, parece ser morrer, porque não têm um lugar que possam dizer seu sem que isso não signifique ocupar o que é de outros, o que acaba por conduzir a um cego e desesperado suicídio coletivo a prazo, como bem o comprovam as atuais tresloucadas ações sobre o terreno inimigo, e os inquéritos feitos entre esta gente indomável cuja ambição sempre ultrapassará quaisquer fronteiras, tornando-as irremediávelmente artificiais.