semtelhas @ 14:37

Sab, 31/05/14

 

A escassas dezenas de metros do meu carro segurando Laura por baixo de um dos braços e por cima do outro, reparo que está uma pessoa lá dentro, tinha-o deixado aberto! O indíviduo que dele sai encara-me e em vez de me pedir explicações, era motorista de um dos táxis cujo espaço eu ocupava, ampara aquele corpo meio desfalecido ajudando-me a estendê-lo no banco traseiro. Estava só a ver se conseguia arrumá-lo ali mais para a frente, desculpou-se por ter entrado no automóvel. Agradeci-lhe e arranquei com o objetivo de me dirigir para minha casa quando ouço Laura que me diz, quero passar na Foz. Tento dissuadi-la mas quando percebo a sua agitação e a tentativa de se levantar respondo-lhe que sim, que passaríamos por lá. Não se torna a mover até chegarmos.

Ainda antes de sair do carro reparo nas janelas do andar superior abertas e as cortinas a voarem para o exterior. Pergunto-lhe pela chave. Saí daqui há alguns dias, a correr, não trouxe nada comigo. Arrasta-se atrás de mim quando chego à porta e constato que não está fechada à chave. Lá dentro lixo por todo o lado, uma forte corrente de ar empresta ao local um aspeto fantasmagórico, papeis que se movimentam furiosamente de um lado para o outro. O cheiro é aquele ligeiramente adocicado da sujidade antiga, entranhada. A parte de baixo da casa é um caos completo, para além do lixo, vidros partidos, aquilo que me pareceram os restos da tela rasgada de um quadro que mantinha parte da imponente moldura dourada, vários livros mais ou menos destruídos espalhados pelo chão.

Quando me dirigia para as escadas que conduziam ao andar superior Laura diz-me, Espera. Estava escostada à ombreira de uma das portas, olhos nos meus, falava automáticamente, como quem relata um sonho mau que, ingloriamente, se tenta arrancar da pele, os últimos meses foram um pesadelo, primeiro o David começou a trazer para aqui outras pessoas, gastei fortunas a encomendar refeições, vinhos caríssimos, a comprar coca, cavalo e erva e haxe para as ressacas. Saíamos por aí especialmente para jogar em casinos ilegais. Ele era viciado desde que começou a jogar na net, ainda miúdo. Era sempre eu a pagar porque os outros já não tinham nada. Alguns até já andaram a pedir na rua. Há umas semanas atrás o dinheiro acabou, foram-se todos embora e ele ficou violento, não havia dia que não me agredisse. Neste momento mostrou-me sobre as costelas horrívelmente descarnadas um enorme hematoma que se adivinhava continuar para as costas, chegou a amarrar-me ali, apontando com um dedo para uma coluna que sustentava parte de um lanço da escadas. Não sei se há cinco ou seis dias atrás, lá em cima, dei-lhe com um cinzeiro na cabeça e fugi.

Subi e lá estava sobre o soalho antigo  uma considerável quantidade de sangue seco a formar um círculo quase perfeito, um pouco afastado, virado e rodeado de inúmeras pontas de cigarro, um pesado cinzeiro quadrado cujo material tipo vidro, ou talvez cristal, brilhava num belíssimo azul turquesa com, num dos cantos, uma mancha mais escura. Do corpo nem sinal. Ter-se-ía conseguido levantar? Alguém o teria levado? Era evidente que a casa havia sido invadida, roubada e vandalizada. Naquele piso como no inferior a porcaria era imensa e a devastação total, o que fora um enorme espelho jazia agora em milhões de pedacinhos dispersos por todo o lado, um magnífico sofá em couro tinha sido barbaramente golpeado e mostrava as entranhas de madeira ainda sólida, não parecia razoável pensar que tudo aquilo fora feito por amigos que concerteza ali viveram durante meses, ou pelo menos as ações mais violentas, mas sim depois de Laura ter saído dali, por vândalos da rua. Estava eu absorvido por estes pensamentos quando escuto movimentações em baixo. Desço e deparo com três polícias fardados, um deles a segurar Laura por um dos braços, e, um pouco atrás uma mulher já idosa, bem vestida, que ao ver-me disse como quem se desculpa, ouvi barulho e liguei para a esquadra conforme me tinham mandado. O mais graduado dos agentes informou-me com alguma formalidade, Foi aqui encontrado o corpo de um homem já cadáver por uns desconhecidos que nos avisaram pelo telefone. Está na morgue para reconhecimento. Esta senhora afirmou conhecê-lo bem como a esta outra, indicando Laura com o olhar, que procurávamos e o sr. nos trouxe. Queira fazer o favor de nos acompanhar.

 


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semtelhas @ 12:19

Sex, 30/05/14

 

Tal como um recluso limitado a um espaço restrito, e quanto mais pequeno mais esta regra se confirma, tem de se submeter a uma disciplina rigorosa para sobreviver, recorde-se por exemplo o caso de Álvaro Cunhal quando esteve dez anos na solitária, confinado a dois por dois metros na mais absoluta escuridão na maior parte do tempo, e dos seus relatos de tarefas diárias religiosamente cumpridas, também o comum dos mortais tem de o fazer para enfrentar esta "prisão" que é a vida. Lembro-me daquele magnífico filme Papillon, protagonizado por um fantástico Steve McQueen, a saga de um prisioneiro, entre muitas outras coisas, na recôndita Ilha do Diabo, e do apertadíssimo programa a que o mesmo se impunha de ginástica, escrita e reflexão, para manter a forma fisíca e não enlouquecer dentro das grades.

 

Foi lendo um pequeno texto de Baudelaire que se intitula A Solidão,  e de como nele arrasa a falsa ideia de que aquela é intrínsecamente prejudicial a quem a observa e à sociedade em geral, que percebi quão antiga é esta tendência para empurrar as pessoas para o meio da multidão para que não racíocinem, criando-lhes um crescente temor em se encararem a si próprias, bem como tornando-as incapazes da autosuficiência. Quem não consegue suportar-se sózinho estará sempre condenado a sentir a maior das solidões, mesmo se rodeado por um maior ou menor número de pessoas, porque a verdadeiro diálogo, aquele que de facto alimenta a mente é o interior. Não é pura e simplesmente possível ir buscar o essêncial fora de nós próprios. Só quem está bem consigo mesmo o poderá estar com os outros.

 

Num tempo em que existem uma infinidade de clichés sub-reptíciamente impostos por uma máquina que sobrevive de um superconsumismo serôdio, noções como rotina, conservadorismo (no mais profundo sentido do termo), valores ou disciplina são acantonados assim numa espécie de gueto de maldades ou atavismos. Tentam confundir-se regras com punição, respeito com rebaixamento, grunhice com liberdade. Não está em causa a forma mas sim o conteúdo. A disciplina tanto pode significar poupança, prudência, frugalidade, correspondeste a alguém de caráter mais intimista, como uma opção de maior partilha em todos os sentidos, o que realmente importa é nascer de uma atitude profundamente assumida e logo inteiramente sincera. Com este espírito qualquer dos casos contribuirá para o bem comum.

 


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semtelhas @ 11:40

Qui, 29/05/14

 

 

 


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semtelhas @ 12:22

Qua, 28/05/14

 

Os Profetas Da Desgraça

 

Ouvir os vencedores das eleições para o parlamento europeu principalmente no Reino Unido e em França, é confirmar o caminho há muito traçado pelos europeus, uns através de um protecionismo que não pára de crescer, outros pelo não menos galopante desinteresse pela União. Os primeiros, e muito particularmente a Alemanha, alegam que a inesperada força da globalização a isso os obriga abandonando os membros mais fracos da comunidade à sua sorte, não sem que antes suguem deles tudo o que podem, numa atitude absolutamente oposta aquele que foi o espírito solidário fundador de uma certa ideia de Europa. Esta corrida aos nacionalismos que supostamente protegerão os seus defensores da ameaça que julgam ver na invasão e contágio pelos pobres de leste e do sul, é algo já visto assim como as respetivas consequências. Um confronto exatamente entre estes países mais poderosos quando o retorno nefasto destas políticas se fizer sentir, em busca do domínio do espaço europeu. As vítimas, para além e sobretudo eles próprios, serão os acusados e ditos fautores de todo o mal devido à sua epidémica e secular preguiça, dizem, concerteza uma exagerada, mal intencionada e perigosa desculpa, mas bem demonstrada pelo total desleixo com que encaram a possibilidade de evitar o descalabro eminente indo às urnas votar em vez de ir passear. Atitude que em boa parte radica numa iliteracia endémica, mas também por constatarem da hipocrísia e cinismo dos países ricos aos quais caiu o verniz, deixando à vista muito mais egoísmo que solidariedade. Alguém sugeria que a quem não fosse votar, em partidos, branco, ou dando provas das suas capacidades artísticas, deveriam ser cortados todos e quaisquer subsídios estatais. Excelente ideia! Quem não participa na democracia não deve usufruir dos direitos que proporciona. Um começo mas seguramente insuficiente. Era preciso uma espécie de Obama europeu, mas alguém o vê?

 

Costa À Vista

 

Por cá finalmente o simpático e segundo se diz competente gorducho monhé benfiquista, parece disposto a oferecer aos portugueses uma alternativa válida a esta arrogante e tecnocrata gente que, tendo feito o seu trabalho, deixou ficar a ideia que para o fazer quase mandaram o menino com a água do banho. Se calhar esta é uma sensação que, naquelas circunstâncias, ficaria sempre independentemente de quem lá estivesse, uma dúvida que porventura o tempo ajudará a esclarecer. Naquilo que aparenta ser uma autêntica jogada de mestre soube esperar o momento certo, qualquer das outras oportunidades que teve envolvia muito mais riscos que a situação atual caso liderasse o PS, práticamente não dando qualquer hipótese a Seguro que não seja o convocar um congresso extraordinário de onde sairá em ombros para, muito provávelmente, conquistar uma maioria absoluta nas próximas eleições legislativas, com tudo o que isso pode trazer de positivo a Portugal, apesar da sua pequenez e consequente enorme dependência do que acontece no espaço político, economico e social em que se insere.

 

Um Chico Esperto

 

O Chico Louçã. O único que ao longo dos quarenta anos que levamos de democracia conseguiu pôr em causa a liderança da esquerda portuguesa pelo Partido Comunista. Infelizmente no momento em que o conseguiu não resistiu a imitar o seu irmão mais velho, dar mais importância à minimização do Partido Socialista do que aos interesses do país, e face a essa atitude o eleitorado percebeu que afinal o Bloco era mais do mesmo, que, se era para isso, já lá estavam os comunistas, bem mais rotinados e competentes na política da terra queimada. Independentemente de todos os raciocínios economicofinanceiros que se possam fazer das circunstâncias de quando o fez, ao aliar-se à direita para derrubar Sócrates, o BE vendeu a alma ao diabo, que é como quem diz, salvo seja!, ao Partido Comunista Português. Francisco Louçã, concerteza o principal impulsionador desta opção, era o líder do partido, percebeu o que tinha feito e pôs-se a andar a tempo de não ficar com o odioso da questão, que será o mais ou menos evidente desaparecimento do Bloco. Quanto ao PC lá vai continuando a sua saga. Para isso bastou-lhe parar no tempo até que duas gerações passassem e as suas ideias voltassem a fazer sentido. Uma moda que se pega...

 

O Verdadeiro Artista

 

O destino de contrapeso do CDS de Paulo Portas está francamente ameaçado por todos os lados. Talvez tenha chegado, mais uma vez, o tempo deste verdadeiro artista português, espécie de eminência, ora parda, ora saltitante, começar a pensar na vida que não se apresenta nada fácil! Das duas uma ou se mantém debaixo da asa do PSD acabando por se habituar ao quentinho para não mais de lá sair, ficando reduzido aquilo que a mamã protetora lhe quiser dar, ou tenta relançar-se corajosamente abismo abaixo na esperança de conseguir não só dar às asas, no que é perito, mas voar mesmo, correndo sérios riscos de se estatelar, morrendo ou sobrando irremediávelmente incapacitado após as próximas eleições. Em qualquer dos casos PP não estará interessado num papel que, não sendo o principal, tem o protagonista nele completamente pendurado o que na prática vai dar ao mesmo. O pior vão ser as saudades que todos vão sentir em ver o personagem, em toda a sua eloquência, ao lado de um qualquer primeiro ministro a corroborar e mesmo abrilhantar o que ele afirma perante o mais ou menos, algures entre o atónito e o divertido olhar daquele como quem diz, este gaijo se não existisse tinha que ser inventado!

 


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semtelhas @ 13:17

Ter, 27/05/14

 

Olá querida amiga

Ouvi ecos de ti

Que és destemida

Sei que sim, já o vi

 

Sóbria e contida

Genuína, explosiva

Apagada ou altiva

Mas sempre digna

 

Questiono a vida

Qual o seu sentido

Tão pouco merecida

Neste sabor sofrido

 

Haverá uma razão

Acredito que sim

Talvez a libertação

Do medo de um fim

 

Ver enfim revelado

O segredo crucial

Tudo encontrado

No nada essencial

 

O tempo a fluir

A matéria a mudar

O contínuo devir

Uma utopia o acabar

 

Continua a sonhar

Pensa nas estrelas

Capturas-te no olhar

A luz que imana delas

 

Dou-te estes versos

Simples, sentidos

Soarão honestos

Quando por ti lidos

 

Ensina-me em troca

Diz quem se invoca

Para superar culpa

Que diminui e sufoca

 

Saber vem no sofrer

Tu estás mais perto

Como sobreviver

Sinto-me deserto

 

Simplesmente vazio

Do muito decifrado

Desejo perdido

Infinito procurado

 

Tanto eu no fim

Escrevo por, para ti

Olhas-te para mim

Sosseguei e sorri

 

 

 

Para a minha amiga I


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semtelhas @ 12:07

Seg, 26/05/14

 

Se num primeiro momento não poder exercer qualquer tipo de controle sobre Laura recorrendo à sua conta bancária pelo facto do outro titular já ter desaparecido me preocupou, após dois ou três contactos com familiares seus, do retorno que deles recebi, uma frieza e o políticamente correto que me mandou "tratar dos ossos já que tinha comido a carne", rápidamente me tiraram qualquer ilusão. Tanto quanto havia captado das primeiras vezes que tinha estado com aquela gente, e com a exceção do seu avô preferido, o primeiro e único a morrer até aquele momento segundo me informaram, aquilo ali era cada um por si. Com os velhotes mais ou menos esquecidos, as gerações seguintes limitavam-se a manter os negócios rentáveis e a gastar o dinheiro, pouco se importando com quem, numa inconveniente demonstração de incompetência ou fragilidade, fosse ficando para trás. Dos fracos não reza a história. Quanto aos amigos dela, aqueles que conhecia, não mostraram muito maior entusiasmo com a ideia de me ajudarem a tentar recuperar aquela que em tempos tão efusivamente saudavam, descartando-se mais ou menos delicadamente por isto ou por aquilo. Esquisitas estas "castas"! Ora como eu era uma espécie de bicho solitário, por natureza mas também porque naquela idade em que se fazem as grandes amizades nem sequer estava cá, vi-me completamente sózinho na tortuosa tarefa de, dentro do possível, ir acompanhando a minha desatinada amiga na esperança se evitar grandes males e, quem sabe?, até trazê-la de volta.

Para o efeito, no princípio, deslocava-me diáriamente à malfadada rua, dentro do carro estratégicamente um pouco afastado da casa, em boa verdade sem saber muito bem o que estava ali a fazer, como que à espera que de repente uma qualquer brilhante ideia ou incrívelmente favorável situação surgissem, de forma a que eu pudesse salvar Laura arrancando-a às garras daquele que eu via como grande responsável pelo caminho que ela escolhera, e que a conduzia a um abismo cada dia mais perto. A realidade revelou-se bem diferente. Na maior parte das vezes nem os via, mesmo alterando as horas da vigilância, cheguei a passar ali oito horas seguidas com um olho num livro e o outro na porta da casa, e quando acontecia, sempre os dois e a horas diferentes, não consegui estabelecer um padrão que me facilitasse as coisas, aparentavam uma certa calma, controlados, razoávelmente bem compostos, na aparência e postura, pelo que nunca arranjei coragem para os confrontar. À primeira vista tratava-se de um casal normal, até de bem com a vida, o que é que eu tinha a haver com eles? Fora uma opção dela, parecia tranquila, como não respeitar o sua escolha? Para minha grande surpresa inclusivamente recuperara alguma da sua antiga forma e charme. Roupas novas, coloridas e leves, nunca chegara a ir buscar as que tinha em minha casa, exibia um corpo magro mas firme, como não voltar a reparar no magnifíco peito? na frondosa cabeleira milagrosamente renascida? Ao seu lado, e em claro contraste, o seu acompanhante transmitia invariávelmente a imagem de um corvo meio encolhido. Sempre de negro no seu andar arrastado deixava adivinhar um estado permanentemente alienado, do qual, desconfiava eu, jamais saíra desde o momento em que na minha sala Laura "lhe dera com os pés". Aos poucos fui alargando os intervalos temporais das minhas secretas visitas até simplesmente delas desistir.

Foi uma das tais amigas que me despachara, peso na consciência?, a passados alguns meses me enviar um email, Ontem fui apanhar o Alfa a Campanhã e vi a Laura numa daquelas ruas juntas à estação onde quem me levou estacionou. Estava sentada na entrada de uma casa, completamente pedrada! Nem me conheceu quando fui ter com ela! Está com um aspeto horrível, e nem imaginas o cheiro que a roupa que veste larga, não se consegue perceber sequer de que cor é! E o cabelo meu Deus! Aquele cabelo lindo que tinha está uma lástima! Todo porco e imagino a quantidade de doenças que deve ter contraído! Digo no cabelo e no resto. Não sabes de nada? Tentei falar com ela mas como te disse nem me conheceu ou falou comigo. Tive que apanhar o comboio donde te estou a mandar isto. Achei melhor dizer-te. Enquanto me dirigia para o local interrogava-me do que se teria passado. Apesar de começar a sentir o peso da culpa logo afastei esta ideia quando me recordei do enorme esforço que havia feito semanas a fio, para constatar que ela tinha as coisas controladas, pelo menos assim me parecia. Ou não estaria a ser sincero comigo próprio? Aproveitara a oportunidade para me livrar de um problema muito sério. Mas não. Estava honesta e firmemente convencido que fizera tudo o que estava ao meu alcance. Laura jamais regressaria! Algo de muito grave se tinha passado para a situação discrita no email estar a acontecer! Quando chegava às imediações da estação ferroviária, vi-a ao longe, cambaleante, parei o carro num espaço para táxis e corri para ela. Estava pouco menos que irreconhecível. Eram evidentes os sinais de uma degradação rápida mas não própriamente recente, aquilo terá começado a correr mal não muito depois da minha última visita. Era impressionante o seu estado. Nos braços e até, tinha essa impressão, no pescoço, eram visíveis as picadas de agulhas. Súbitamente surpreendeu-me com um fio de voz, sobretudo rouca, do qual julguei ouvir, matei o David.

 


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semtelhas @ 14:07

Dom, 25/05/14

 

Não há canal de televisão, ecrã de cinema, jornal, revista, e sabe-se lá o que mais, que não grite aos olhos e/ou ouvidos o anúncio da recente marca nascida da união entre a Otimus e a Zon. É impressionante e verdadeiramente esmagadora esta massiva campanha promocional, algo, que me lembre, nunca visto.

 

Há já vários anos adquiri o pacote básico do Kanguru da Otimus por cerca de 15€ por mês para aceder à internet, e desde que o sinal analógico de televisão acabou aderi à Zon para ver os quatro canais generalistas, o que me custa mensalmente à volta de 11€, mais ou menos 26 por mês portanto.

 

Quando foi aprovada oficialmente a fusão, já lá vão uns meses, apressei-me a ligar para ambas as empresas informando-as daquilo que era suposto elas saberem, que sou assinante das duas pelo que tinha fundadas expectativas de que viesse a acontecer uma de duas coisas, ou a minha despesa mensal iria diminuir fruto das ganho de sinergias que sempre resulta, e que em boa verdade está entre as razões principais deste tipo de uniões, ou, na inevitável campanha que vinha aí, me dessem, e naturalmente a todos os outros em situação similar, condições mais vantajosas que aos novos assinantes, uma espécie de prémio de antiguidade e fidelidade. Na ocasião foi-me dito que de momento ainda nada estava preparado.

 

Mais recentemente, face à tal esperada promoção, tudo o que eu já tinha no somatório dos dois contratos mas, em vez dos quatro canais generalistas (e mais uns quantos captados por proximidade das frequências), um acréscimo de mais cem!, por 25€, liguei para a Zon, aquela que realmente acrescentava algo para além do que já vendia. Depois de uma considerável saga e alguns quase mal entendidos, fui atendido pela pessoa certa, simpática, informada e firme, que, após demorar algum tempo a estudar os meus pacotes enquanto me dava música, acabou por dizer que sim senhor, podiam dar-me o tal pacote promocional mas por 39€ e mais uns cêntimos. Perante o disparate de não só não beneficiar fosse o que fosse relativamente aos novos assinantes, ainda ser penalizado em mais de 50% no custo, questionei a dita senhora entre o incrédulo e o indignado, ao que me respondeu que podia sempre desistir, até me disse como o fazer corretamente, e imaginei-a a encolher os ombros.

 

Não insisti em cavar naquele buraco com medo que saíssem mais repelentes e retorcidas minhocas, até porque seguramente não configuro o cliente mais interessante. Haverão um monte de razões para preferirem novos assinantes, garantias de fidelidade, melhoramento de rácios, eu sei lá... uma coisa é certa esta gente está pura e simplesmente a marimbar-se para uma qualquer distante e cada vez mais utópica noção de justiça. Não é que, obviamente, esta realidade constitua a menor réstia de novidade, mas é quando as questões nos dizem diretamente respeito, que de facto nos apercebemos viver num mundo no qual não chega cada vez mais ser o poder e o dinheiro a impôrem as suas leis, ainda têm que sem qualquer respeito pudor ou vergonha e muito cinismo, tentarem enganar-nos com promessas e ilusões nunca cumpridas. A questão em causa é o menor dos males se comparada com o que para aí vai, ainda assim não deixa de ser alarmante pela forma como se se apostam tantos milhões nestas causas, imagine-se o que se fará por outras bem mais decisivas nas vidas de todos nós! É por estas e por outras que cada vez acreditamos menos uns nos outros.

 


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semtelhas @ 13:08

Sab, 24/05/14

 

- Suíços em referendo rejeitam salário mínimo mais alto do mundo - Pois se ainda há pouco rejeitaram teto para maiores salários do mundo! Não se pode ter tudo!

 

- Desde a presença da Troika em Portugal milionários aumentam fortunas e número de pobres subiu em meio milhão - Porque será que só se fazem referendos a propósito da distribuíção da riqueza em países cujo povo é maioritáriamente rico?

 

- Portas chamou a Sócrates pai da Troika - Talvez, mas ele foi a puta que a pariu!

 

- O governo justificou a queda em 0,7% na economia portuguesa pela diminuição das exportações da Autoeuropa - Esta já veio desmentir, que até aumentaram! Será que mentir assim tão descaradamente compensa, ou eles não querem mesmo saber da opinião do maralhal para nada?

 

- Novela da SIC vai estrear em horário nobre em Itália - Estaremos a especializar-nos em alienar as massas, ou afinal os italianos não são assim tão esclarecidos?

 

- Mais de 70% dos que trabalham por conta própria só têm ensino básico - Será que em Portugal empreendadorismo é símbolo de ignorância porque a maior parte dos que vêem um pouco mais longe adivinham uma carga de trabalhos?

 

- Mulheres apaixonadas por padres pedem ajuda ao Papa - Pobre Francisco! Como explicar-lhes que a única solução é não mexerem com a cabeça deles? Pois...aquela com que pensam nestes casos.

 

- Seguro exige que governo mostre a carta que enviou à Troika a definir futura austeridade - E Rangel que o PS explique como pagar as 80 medidas sugeridas em campanha. Mostra-me a tua que eu mostro-te a minha. Bem podem fechar-se e fazê-lo na doce privacidade. É que ninguém está interessado nessas nulidades. Divirtam-se!

 

- Paulo Bento deixa Quaresma fica fora do mundial - Sem novidade. Provávelmente uma boa notícia para o próprio e para o FCP, já para a selecção...é que se as coisas correrem mal vai levar com a culpa até mais não. Sempre a considerá-lo!

 

- Rússia e China chegam a acordo sobre gaz - Mais energia na substítuição do bloco dominador do mundo de ocidente para oriente.

 

- Portugal é o país do mundo que mais deve ao FMI - Numa época em que a virtude está em conseguir ter o maior crédito possível melhor elogio era impossível, dirá o Paulinho das Feiras.

 

- Passos apela a que portugueses não tenham amnésia - Um tiro no pé! É que chegou a vez dele de sofrer as consequências da memória curta do povo. Esqueceu-se...

 

- Os "Mão Morta" anunciam a chegada do tempo de matar - Muita luxúria canibal, pouco Adolfo, sempre mão morta. O embuste da publicidade.

 

- Jorge Jesus diz-se apaixonado pelo Benfica - A gente sabe como são as paixões...vêm e vão!

 

- A propósito de Cristiano Ronaldo a revista brasileira "Veja" insulta portugueses - Que não são profissionais, que são submissos...generalização por generalização que dizer de um dos países mais ricos em recursos naturais e socialmente mais pobres e atrasados?

 

- População aplaudiu "Palito" quando foi detido pela judiciária - Afinal matou a mulher e deixou a filha às portas da morte. O que é isso comparado com o baile que deu a centenas de polícias durante mais de um mês? Bem podem esfalfar-se os sociólogos a explicar, mas isto é mesmo o típico português, agarrem-me que eu fodo-o! No domingo seguinte vão à igreja bater com a mão no peito e votar no partido do padre.

 


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semtelhas @ 12:33

Sex, 23/05/14

 

Um antigo colega de trabalho, há já uns anos e a propósito de algo de que não me lembro dizia-me, cuidado com a revolta dos fracos. Uma frase que não me vinha à tona da memória há muito tempo mas que ficou gravada. Comprovei-o ontem assistindo ao filme, "Ruína Azul".

 

A maldade desenterrada da profundeza das vísceras, um esforço devastador feito por um comum mortal, igual a tantos outros, dos que instintivamente fecham uma torneira se está a desperdiçar água, a quem nos momentos cruciais tudo atrapalha, vulgares em todos os sentidos, também na incapacidade de resistir à ordem imanada do seu âmago que os impele na demanda de uma justiça mortalmente ferida, e que procuram repôr não importa a que custo, a força e a fragilidade dos fracos(?). Uma vingança servida quente.

 

Um prodigioso filme construído meticulosamente, sem falhas, em busca da perfeição sem se preocupar ostensivamente com a bilheteira, deixando sempre boa parte do trabalho ao espetador, sómente fornecendo pistas para que seja aquele a chegar às muitas pequenas conclusões ao longo de todo ele. Aquele homem que procura vingança primeiro e proteção depois para familiares, é um homem normal, tão normal como noventa e muitos por cento das pessoas que veêm a fita, e aí reside uma das principais virtudes deste trabalho. Porque todos sentimos ódio, alguma vez, faz parte da vida, da sobrevivência. Depois há os que vivem nele até à morte. Raros. E também os que para ele foram empurrados tão brutal e decisivamente, que nele procuram a razão de viver na desesperada busca do fim, porque só na morte encontram a paz.

 

 

 


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semtelhas @ 11:36

Qui, 22/05/14

 

 


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semtelhas @ 12:49

Qua, 21/05/14

 

Portanto esta é a primeira vez.

Estes sustos hão-de aparecer e desaparecer.

E um dia haverá um que não irá desaparecer. Um que não irá desaparecer.

Mas, por agora, o milho exibe o seu pendão, o pino do Verão é já passado, o tempo volta a consentir espaço para pequenos arrufos e trivialidades. Os dias já não têm arestas afiadas, e nas veias já não zumbe uma sensação de fatalidade, como um enxame de insetos minúsculos e implacáveis. De regresso a um ponto onde nenhuma grande mudança se parece anunciar, para além da mudança das estações. Uma certa aspereza volta a ser possível, uma certa despreocupação, inclusivé um certo aborrecimento, no espaço entre a terra e o céu.

 

Esta é a reação de Alice Munro quando descobre (realidade ou ficção?) que o pequeno caroço que lhe foi detetado no peito não cresceu nos últimos anos, pelo que é preferível não mexer e ir vigiando anualmente o seu tamanho. Apesar de não representar objetivamente aquilo de que trata o livro, A Vista de Castle Rock, um relato dos ascendentes da escritora desde o início do séc XIX na Escócia de onde provêm até aos nossos dias, segundo afirma entre a realidade e a ficção, acaba por representar o nível de profunidade a que é capaz de chegar nas análises que faz de tudo quanto nele consta, as pessoas, as circunstâncias e também das plantas em particular pelas quais demonstra um grande amor, e da natureza em geral. As minuciosas discrições assentes num óbvio conhecimento  das matérias sobre as quais se vai debruçando, e a enorme sensibilidade e de um fantástico olhar clínico relativamente às pessoas resultam numa leitura tranquilamente emocionante.

 

Um maravilhoso passeio pela crua e cruel Escócia do séc XIX, as crenças religiosas, a vida durissíma, a formação de caráteres à volta de uma ideia de familía, a demanda para o Novo Mundo, a América, terra fértil e de promessas, as dificuldades dos pioneiros, o reforçar da indispensabilidade do amor fraternal, a lenta evolução dos costumes. A autora vê todo este processo que atravessa três séculos essencialmente pela forma de sentir das gerações que se sucedem, e por um certo olhar sobre o mundo que as envolve, talvez principais testemunhas e vítimas da mudança, mas também, como desde tempos ancestrais, garante de esperança para as gerações vindouras. Ainda mais do que evidentemente enriquecedor do ponto de vista do conhecimento, o autêntico prazer da leitura.

 

 


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semtelhas @ 14:36

Ter, 20/05/14

 

A motorizada era ruidosa, daquelas antigas da marca Famel, ou Zundap, pequenas, frágeis e aumentando os estridentes décibeis à medida que andava mais depressa tornando periclitante e perigosa a viagem para quem nelas se fazia transportar, parecendo sempre na eminência de se despistar arrastando consigo o desprotegido condutor. Mas não era o caso. O homem aparentava já não ser novo, tal como o veículo, pelo que seguia relativamente lento mas bem encostado à sua direita, apesar do trânsito intenso em ambos os sentidos não aconselhar a ultrapassagem. Para ir onde? Por ironias do destino aquela figura quase caricata na sua postura mas que transmitia uma certa nobreza, o homem mantinha as costas bem direitas elevando bem alto uma autêntica cabeça de giz, usava um daqueles capacetes extremamente simples, básicamente uma espécie de tijela a proteger a cabeça entre a testa e o início da coluna vertebral, sendo que as orelhas só tinham direito a uma fina proteção de (falso?) cabedal, de onde saíam umas presilhas para apertar debaixo do queixo, seguia escoltado por dois verdadeiros espadas, automóveis de alta cilindrada que, a miúde, davam mostras de franca irritação pela incómoda presença daquele impecilho que lhes havia de calhar na rifa. Demonstravam-no como podiam em função das circunstâncias, o que ía à frente sistemáticamente travando repentinamente sempre que tinha de o fazer o que, algumas vezes, quase provocou que o infeliz choca-se na traseira do carro, os reflexos de ambos, os dele e os travões da motita, já haviam tido melhores dias, uma manobra claramente provocatória e obviamente fruto da irritação provocada pelo agudo e constante ruído. A de trás, era uma mulher, não se cansava de mostrar os dentes, que é como quem diz o enorme e ameaçador párachoques ao pobre homem que mais não podia fazer para não atrapalhar, estava impossibilitado de desaparecer no ar!, mesmo assim a senhora como que fazia sempre a intenção de o ultrapassar o que acabava por nunca concretizar, um aviso de quem diz, "sai-me da frente ou..."

Observava-os atrás do segundo automóvel desde vários quilómetros antes, quando no horizonte surje um semáforo em verde numa ocasião em que o trânsito fluía, pelo que os carros aceleravam tentando passar antes do vermelho. Mal o nosso nervoso e enervante condutor que seguia em frente do motocilista pôde carregou no acelerador, mas já demasiado em cima do semáforo tendo que, desta vez sem esse prévio propósito, travar no último momento para evitar a transgressão que seria fácilmente visível por uma patrulha pachorrentamente à sombra mesmo no cruzamento, seguramente para fugir ao sol que ardia inclemente. Talvez pela presença de areia no piso a viatura não parou logo, foi deslizando lentamente enquanto atrás a motorizada, com condutor mais uma vez surpreendido pela súbita aparição da enorme parede de metal, também derrapou indo bater-lhe com algum impacto e, desgraçadamente, já por terra, foi violentamente atropelada pelo monstro que o seguia sôfrego bem de perto, como quem vê chegada a sua oportunidade de vingança após o crescente ódio de mais de meia hora a levar com aquela barulhenta, miserável, e insignificante criaturinha. Instalou-se a confusão naquelas circunstâncias que já não eram própriamente pacíficas. Parados, debaixo de um calor abrasador, abrimos alas para uma ambulância local que apareceu quase de imediato, provávelmente chamada pelos agentes da GNR que tiveram mesmo que sair da sua inércia, e se esfalfavam em volta das viaturas e do pobre homem que se esvaía em sangue. Não passaram mais de cinco minutos para se saber que tinha morrido. Bem perto dos acontecimentos conseguia ouvir os dois condutores diretamente envolvidos no acidente a acusarem-se mutúamente, "o culpado foi o senhor por ter travado de repente", atirava a elegantíssima mulher, já de proveta idade, não conseguindo disfarçar um certo enfado com tudo aquilo, ao que ele, pelos sessenta e tais e completamente careca, ainda assim razoávelmente aprumado apesar de em mangas de camisa e nó da vistosa gravata aliviado ripostava, "a senhora vinha sempre a morder as canelas à motorizada, se tivesse deixado espaço não tinha matado o homem!

Durante boa parte deste triste episódio, tinha vindo a ouvir no rádio as notícias sobre o processo daquele político acusado de matar a amante de um falecido milionário, cuja filha o acusa do roubo dos milhões que supostamente foram o motivo do eventual crime, e a refletir na forma como ignorando em absoluto o desaparecimento da única personagem naquela história que parece de facto inocente, atiram culpas um ao outro movidos exclusivamente pela intenção de salvar o canastro, pelo poder e pelo dinheiro, e, não obstante as evidentes diferenças, não consegui deixar de ver ali um paralelo entre os dois verdadeiros derrotados e brutalmente desaparecidos. Imaginei os reais fautores de ambas as desgraças a dirimirem as suas razões em tribunal, em frente a um juíz, também ele amarrado pelo sistema, julgando o acessório, quem foi de facto responsável pela morte, o que entrou ou o que ficou à porta? e quem vai ficar com o ónus da culpa, quando na verdade o essencial já está decidido, a morte daqueles que normalmente fazem papel de figurantes nestas e em quase todas as histórias nas quais nada reza sobre eles, fracos e vítimas.

 


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semtelhas @ 13:50

Seg, 19/05/14

 

Era costume dizer-se que uma pessoa só se torna verdadeiramente rica uma vez conquistadas três condições indispensáveis para o atingir na sua plenitude: tempo, espaço e silêncio. Acredito que esta formulação de riqueza autêntica hoje não corresponda à opinião da maioria.

 

Quase todas as manifestações de felicidade parece confluírem para circunstâncias onde é imperativa a presença de multidões, estádios de futebol, gigantescos concertos musicais, eventos de todo o género onde o objetivo é reunir o maior numero de pessoas possível, até uma espécie de socialização à força, nos cafés, nos restaurantes, em salas de espetáculos, nas casas uns dos outros, um movimento no qual quem não participa é encarado como um careta, alguém com a mania das grandezas ou com um qualquer problema. E o mais dramático é que este tipo de segregação funciona mesmo, não raro sendo erradamente apelidado de autoexclusão mas na verdade semeando frustrações, como o provam as várias agressões sobre o feliz e inimigo grupo de amigos em estabelecimentos de ensino por esse mundo fora.

 

É certo que está provado por essa ciência superior que é a psicologia, que o convívio com os semelhantes é essencial para um saudável equilibrio mental, mas alguém de boa fé estará realmente convencido que é esse o motivo que move as pessoas a procurarem, quase compulsivamente, companhia a qualquer custo? Infelizmente tal atitude corresponde muito mais à crescente incapacidade, por vezes medo pela ausência de algo que abane, confuda e baralhe o capacete, de cada um de ficar só consigo próprio, uma necessidade criada pela máquina consumista, que necessita em absoluto dessa entidade profundamente estúpida porque irracional a que se chama multidão. Um ser pensante é o inimigo número um de quem domina as massas.

 

Esta, como todo o género de questões mais estruturantes na personalidade de uma pessoa, é obviamente mais importante nas camadas mais jovens da população. Não é por isso por acaso que se está a criar gerações de gente maioritáriamente com uma incrível capacidade para estarem atentos a diversas coisas simultâneamente, mas sem disponibilidade para aprofundar qualquer conhecimento em alguma delas, o que gera a constante procura, a permanente insatisfação de alguém que nunca se realiza de facto porque sempre a navegar à superfície e a alta velocidade, quando a maioria das questões decisivas que se enfrentam na vida exigem persistência, tolerância, determinação e sobretudo uma sólida autoconfiança, para indo a fundo as vencer e não sómente remediar. Ir ao são sem deixar feridas abertas que tornarão o futuro intolerável.

 

O resultado é a multioferta de tudo e mais alguma coisa, um paraíso constituído por um mundo de artefactos que se podem adquirir, vendidos como caminhos para substituir os sentimentos no sentido mais tradicional do termo, também eles hoje plastificados por sucedâneos onde a exposição gratuita, a falsa solidariedade, a frouxa alegria, a pseudoamizade, são partilhadas de uma forma tão inocente quanto inócua, quando não mesmo patética, nesse supernegócio que são as redes sociais na internet. Têm, como tudo, um lado positivo, mas a instrumentalização e exploração das debilidades humanas destes tempos em favor do negócio é brutal, sobretudo porque mais que outro truque qualquer, representam e consubstanciam essa verdadeira epidemia paralisante do crescimento de cada um enquanto ser autónomo, que é o arrebanhamento.


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semtelhas @ 15:36

Dom, 18/05/14

 


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semtelhas @ 11:02

Sab, 17/05/14

 

Foram precisos alguns minutos e várias espreitadelas por uma das duas janelas do piso térreo da casa que davam para a rua, tratava-se de uma daquelas casas antigas da Foz, com dois andares, estando o de cima parcialmente tapado pelas árvores, também elas com muitos anos, até que Laura aparecesse à porta. Sem me olhar, sem carteira na mão, saiu, fechou à chave a porta atrás dela e disse-me numa voz arrastada apesar da notória tentativa que fazia para parecer dominar a situação, vamos ali a um café para conversarmos. Tinham passado pouco mais de três dias desde a última vez que a vira, mas podiam ter sido trinta. Extremamente pálida e profundamente abatida, teria dormido?, ainda vestia a mesma roupa agora cheia de vincos feitos ao longo de várias horas de, imaginava eu, abandono num canto qualquer de uma divisão da casa, ou até no exterior, caminhava à minha frente como um zombie, num visível esforço que me comoveu até às lágrimas. Quando, numa ocasião que me pareceu ir cair, já perto de uma avenida plena de automóveis, a tentei segurar, reagiu tão enérgicamente quanto podia rejeitando-me. Sentados numa esplanada sobre a areia, e apesar da enorme diferença entre este café queque e aquele outro onde meia dúzia de anos atrás trocaramos o primeiro diálogo, não pude deixar de notar a irónica semelhança, as mesmas duas pessoas, um cenário semelhante, mas circunstâncias que não podiam ser mais distantes, onde antes havia aproximação, afastamento, o aprumo o brilho e a vivacidade eram agora sombrio desleixo e desistência. Para onde de tinha ausentado Laura?

Não há muito a dizer Ivo, as coisas são como são. Eu tentei e tu és a principal testemunha disso. Quando me conheces-te pensei ter conseguido ultrapassar um vício que vinha desde a minha adolescência. Sabes? Comecei muito nova a ter que preencher vazios enquanto os meus pais andavam entretidos a provar mutúamente que podiam perfeitamente viver um sem o outro. Infelizmente não consegui ficar por uns charros e, quando conheci o David na faculdade entrei para um círculo de amigos que, inicialmente, muito me ajudou mas depois a coisa começou a ficar rotineira...e não penses que sou caso único, para aí metade dessa malta ou morreu ou está na merda, nem os papás ricos os safaram! Já me conheces o suficiente para perceberes que só me sinto bem perto do abismo, quando as coisas começam a endireitar-se isso, para mim, é sinónimo de chatisse. Concerteza que já percebes-te que algumas situações que foram acontecendo não foram própriamente acasos. Desculpa. Houve períodos que fui realmente feliz contigo, mas tu és uma pessoa que se consegue preencher recorrendo a meios bem mais saudáveis que eu. Invejo-te por isso, mas não tenho o direito de te arrastar para esta miséria, nem quero e, se calhar nunca o quis verdadeiramente, mesmo quando me parecia que ía resultar. Podia arranjar desculpas com o azar, mas sabes que a verdade é que fui eu que me pus a jeito. Ainda bem que não posso adotar, estou certa que só ía conseguir arranjar-te mais um problema. Estou condenada mas não desesperada, assumo a minha realidade de pessoa irreversívelmente doente e toxicodependente. O David é o que mereço. Esquece-me Ivo. Seria pedir-te muito que mandasses entregar as minhas coisas nesta morada? Exausta, muito mais pela energia consumida para parecer convincente e determinada, do que por outra razão qualquer entregou-me um papelito com o endereço da casa de onde saíra havia menos de uma hora e levantou-se.

Só tive tempo para pagar a cerveja que bebera e os três cafés que ela foi tomando ao longo daquela pouco mais de meia hora, e apanhá-la ainda antes de ter que atravessar a perigosa avenida marginal. Enquanto subíamos a rua em direção ao covil do desgraçado, que tinha ganas de matar com as minhas próprias mãos, ouvi-me prometer-lhe, em claro tom de ameaça, que não a abandonaria, que estava errada e que se arrependeria, que a amava e estava disposto a tudo para a ter ao meu lado, que não era próprio do caráter dela fugir, que lutaria por ela...Olhou-me uma única vez, quando tentei agarrá-la, e fê-lo com tal veemência, um misto de frieza e súplica, que quase automáticamente abri a mão que lhe pressionava o braço. Paralisado, fiquei algum tempo espantado em frente à porta que me fechou na cara, talvez a resolver se insistia batendo ou não, talvez vazio de pensamentos, talvez desejando que o amigo me viesse expulsar dali para exercer a minha vingança, exorcizando a minha inexprímivel frustração, não sei! Quando dei por mim estava dentro do carro a tentar perceber o que fazer, que direção tomar. Já em casa decidi que não lhe devolveria coisa alguma, se as viesse ali buscar dar-me-ía uma oportunidade de ouro para tentar convencê-la a ficar, também que informaria algumas pessoas do sucedido para, juntos, a resgatarmos, bem como de exercer uma vigilância que com o decorrer do tempo definiria se mais, ou menos, apertada, no sentido de lhe garantir um minímo de condições de segurança e vivência, mesmo sabendo, ou julgando saber, ter bastante dinheiro dísponível numa conta bancária, cujo segundo titular, lembrava-me agora! sempre fora o seu avô já desaparecido!

 


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"O medo de ser livre provoca o orgulho de ser escravo."
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