semtelhas @ 12:19

Sex, 31/01/14

 

Hannah Arendt, no excelente filme homónimo, falava da banalização do mal, outro filme, Golpada Americana contribui para a aceitação de um certo tipo de crimes levando ao extremo a banalidade em que se está a tornar a abordagem ao fenómeno da corrupção, supostamente na base da crise social e económicafinanceira que o mundo ocidental atravessa.

 

É sabido que para vender um produto, para agradar ao cliente, uma das formas mais eficazes de o fazer é dizer-lhe o que ele quer ouvir, mas convém fazê-lo com algum cuidado e parcimónia para que não desconfie virando o feitiço contra o feiticeiro. Não é por isso surpresa nenhuma que Hollywood não de canse de produzir, uns atrás dos outros, filmes a oferecer respostas e encontrar os culpados nos vigaristas e malfeitores mais ou menos por todos conhecidos. Acontece que se alguns o fazem com alguma qualidade, sim porque falar aqui de honestidade seria quase uma utopia, outros pura e simplesmemte despejam uma série de ideias feitas embrulhadas nuns quantos truques, argumentos plenos de surpresas, onde a solução nunca está debaixo da primeira camada, mas sim depois da terceira ou da quarta, um naipe de bons atores, algum arrojo visual e de linguagem, uma banda sonora apetecível, e aí vai disto. 

 

Os Óscars sempre foram objeto de desconfianças, a academia nunca deixou de ser acusada de servir os interesses dos grandes estúdios e, quando recentemente aumentou o número de filmes candidatos ao Óscar do melhor, de cinco para dez, de uma penada, dobrou a promoção de toda aquela enorme máquina que gira em volta da rodagem de uma fita, desde as pessoas, passando pela tecnologia, até aos sítios onde são filmadas. Ainda assim, tendo como exemplo os premiados nas cerimónias após essa alteração, parece que ainda não venderam completamente a alma ao diabo, uma coisa têm sido as nomeações, o que já ajuda, e muito, a amortizar investimentos na maior parte das vezes milionários, outra a atribuição dos prémios, não raras vezes filmes muito nomeados obtêm um, ou mesmo nenhum Óscar. Este Golpada Americana deverá seguir esse caminho, o que, a acontecer, será um bom sinal, que, apesar de tudo, o dinheiro ainda não compra tudo e todos.

 

 

 


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semtelhas @ 14:49

Qua, 29/01/14

 

Só se a intempérie não o permite, especialmente se chove, porque do frio e do calor não tem medo. Normalmente está sózinho mas por vezes um ou dois amigos acompanham-no sentados, a ver os carros passar, no murito que separa o passeio do areal, uma faixa em certas zonas com mais de cem metros até ao mar, que constitui uma espécie de reserva natural de plantas próprias dali, aspeto algo puroso, cheias de espinhos, muito coloridas e de odor forte quando molhadas, bem como de um já apreciável numero de diversos tipos de aves, além de todo um restante universo de bicharada que por ali anda, mas só se vê olhando atentamente como ainda há uns dias vi um casal que até os fotografou.

 

Tê-lo-ei visto de frente duas ou três vezes, as únicas em que trocámos olhares mas sem nos cumprimentár-mos, mas suficientes para perceber que é um homem alto, aconteceram sempre quando ainda não se sentara, a chegar ou a ir embora, a pele da cara extremamente curtida pelo sol, escura e plena de rugas, a lembrar o rosto de um pescador que pode muito bem ter sido até pelo tipo de vestuário, simples e eficaz. Quando na companhia dos outros dois parece-me ser ele o centro das atenções, o que fala mais, e fá-lo com alguma veemência, o que contrasta com a sua habitual postura quando sózinho, curvado, olhos no chão, uma das mãos no muro e a outra, braço esticado, segurando uma bengala.

 

Foi essa bengala, na verdade uma cana com a grossura certa cujo último nó forma um punho tal e qual uma verdadeira bengala, que, na volta, já depois de com ele me ter cruzado uma hora antes, vi abandonada relativamento perto de onde caminhava, no declive de terra que delimita de ambos os lados, uma ribeira que passa exatamente na direção onde o velho costuma estar sentado, logo três metros atrás é possível ver a água a correr para o mar, no verão um fiozito lá ao fundo, quatro, cinco metros?, por estes dias um autêntico rio em fúria com uma dezena de metros de largura, e a não mais de dois do alcance de quem se debruce na pequena ponte.

 

Surpreendido, sempre o vira com aquela bengala, procurei com os olhos nas imediações, recentemente limpas, os maiores arbustos que ali crescem fortes e com fartura cortados para deixarem que a água passe, evitando assim inundações a montante como aconteceram no último temporal, e não vi nada. Cruzei o ribeiro pensando, encheu-se da cana e vai arranjar uma bengala a sério, quando, do outro lado e no meu horizonte visual o ribeiro já em pleno areal a escassos metros do mar, reparo, em parte preso, em parte a boiar, naquilo que me pareceu ser um casaco de tecido aos quadrados...nas mesmas cores do que o velhote usa!

 

Só precisei de dar uma corrida até lá e, como estava junto à margem de areia, felizmente tinha sido arrastado para o outro lado, onde eu me encontrava, numa zona sem declive onde o curso de água se alargava e corria bem mais devagar, consegui puxá-lo e estendê-lo num sítio seco. Não tenho a mais pequena noção, para além da que todos vêmos nos filmes, de primeiros socorros, temendo complicar ainda mais a situação dele, virei-me para o lado da estrada a gesticular frenéticamente até que alguém viesse ajudar. Só parei quando um jovem com ar de atleta se aproximou e, só então reparei, já ele estava sentado mas a respirar com dificuldade.

 

Quando ficámos os dois, ambos sentados ainda no mesmo lugar, ele milagrosamente sem um arranhão e a respirar quase normalmente, e eu a tentar recuperar o habitual rítmo cardíaco, depois de agradecer-mos ao rapaz ao qual ele garantiu estar bem, disse-me, não sei o que me deu, deve ter sido uma tontura provocada pelo movimento da água. Até podia ser, mas então como é que a cana/bengala tinha ido parar lá acima, tão perto do passadiço? Não lhe respondi mas a minha expressão foi suficientemente eloquente para o ter obrigado e explicar-se, sabe, no fundo é o que todos querem, até eu, é a melhor solução. Só ando aqui a dar trabalho e, desconfio, se as coisas continuarem assim, também vou passar a dar despesa, e isso não! 

 


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semtelhas @ 14:05

Ter, 28/01/14

 

No sorriso de uma criança vislumbrar

Expressão de adulto cínico no olhar

No carinho do animal de estimação

Mera interesseira exigência da ração

Nos grupos de amigos a conversar

Banalidades, nulidades, encarneirar

O elogio da família ou pessoa amiga

Condescendência e pouca estima

Face à côr e beleza da natureza

Foi, é, vai continuar, única certeza

O dia a dia, a alegria de existir

Sucessão de rotinas para subsistir

Em todas as atitudes de altruísmo

Encontrar vaidade e egocêntrismo

Em cada mensagem de esperança

Sentir a subliminar desconfiança

Por cada verdade proferida

Adivinhar mentira escondida

Para dez propostas de paz negociar

Mil guerras a populações devastar

Por uma sincera prova de tolerância

Milhões de vozes contra, a ganância

A cada demonstrar de riqueza, poder

Países inteiros lutam para sobreviver

Perante sucessivo crescer do saber

Ver mais desigualdade e empobrecer

O trabalho, maior fonte de realização

Engrenagem para toda a exploração

Do amor, onde reside a salvação

Comércio de afetos, autopreservação

Indiferença ou inconsciente depressão 

Desistir, vazio sem réstia de ambição

 


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semtelhas @ 13:08

Dom, 26/01/14

 

- Rui Moreira exige ver decisão portuguesa sobre distribuição de fundos europeus antes de seguir para comissão europeia - Não é preciso! Vai ser como nos jogos de futebol com a Alemanha, no papel faz-se a distribuição com bom senso... e depois segue 60% do dinheiro para Lisboa e arredores.

 

- 1% da população mundial detém 50% da riqueza total - E Portugal é dos países que mais têm contribuído para confirmar o rácio! Finalmente alguma coisa em que somos francamente bons, na desigualdade!

 

- Passos Coelho descartou Marcelo para candidato presidencial do PSD - Depois tentou recuar...tarde demais! Já o professor esfregava as mãos de contente pela oferta a favor da autovitimização de que os portugueses tanto gostam. Ele há tiques de ditador irresístiveis mas que podem sair caros!

 

- Rússia anúncia que não vai interferir no conflito interno da Ucrânia - Tradução para o ocidente, é favor nem que seja só pensarem em se envolverem para que nós possámos entrar por ali dentro.

 

- A ministra das finanças afirmou que as pessoas não podem ter expectativas que as coisas voltem ao que eram no que a rendimentos diz respeito - Quais pessoas? O comum dos mortais, ou os vigaristas sem escrúpulos do costume? Mas a senhora tem razão! Afinal estávamos no topo das estatísticas da qualidade de vida!

 

- 13 mil pessoas pediram a deportação do canadiano Justin Bieber após excessos deste cometidos em Miami - Azar não ser americano dos EUA!

 

- Governo diz que Portugal está no bom caminho e PS afirma o contrário - Aqui a questão não será bem de qual o caminho a seguir, sempre mais ou menos o mesmo, mas mais de quem vai ao volante.

 

- Transferência de Neymar para o Barcelona leva presidente do clube à demissão - Até já lá tinham o Messi! Assim se acaba com uma era! Pelo pecado da gula.

 

- Pinto da Costa foi ao hospital do Porto visitar Falcão que vai fazer recuperação no FCP - Já era o Papa, agora ao oferecer a outra face mostra a sua vocação para JC. Imparável!

 

- As praxes e as suas consequências voltam à ordem do dia - Como é possível onde é suposto a melhor massa cinzenta de um país estar mais presente, andar tanta estupidez à solta?

 

- Ana Drago demitiu-se da comissão política do Bloco de Esquerda - E assim se vai desmoronando mais uma réstia de esperança no panorama partidário português.

 

- Passos afirma que muitos cortes são transitórios - Mais uma generalização que deixa espaço para dizer, e fazer o que quiser, ou como estabelecer objetivos, leia-se nível de vida, por baixo, permite apresentar resultados brilhantes!

 

- Bruno de Carvalho diz que o futebol não se joga só dentro das quatro linhas - Ele bem tem tentado demonstrá-lo com a sua atitude de  faroleiro e espalha brasas, mas parece nem assim vai lá! A não ser a inflamar lagartos para a violência.

 

- Agostinho Branquinho acusado de irregularidades - Parece que aproveitou o facto de ser deputado para fazer lobbying por uma empresa de que é sócio, e como para o efeito teve que se deslocar bastante, o amigo Pedrinho aprovou a atribuíção de um subsídio de transporte de mais setecentos e tal euros/mês! Isto é que é austeridade! Passinhos sujinhos...

 


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semtelhas @ 13:02

Dom, 26/01/14

 


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semtelhas @ 12:21

Sab, 25/01/14

 

Ao chegar estava um automóvel à porta. Hesitante entrei e encontrei Laura a falar com um homem alto, com idade a rondar a dela, aspeto desportivo, ar de galã. Em pé no meio da sala, mãos nas mãos, dizia-lhe, desde ontem que tento contactar-te, a Silvana e a Clarisse também. Foi o Roberto, que esteve no funeral, que nos alertou. Ensombrou-se-lhe a expressão e respondeu, logo a seguir ás imagens que passaram na televisão comecei a receber chamadas. Como não queria falar com ninguém desliguei o telemóvel. Só o ligo se preciso falar com alguém. Que me desculpem todos. Reparam em mim especado à entrada, já chegas-te Ivo? exclamou largando algo repentinamente as mãos do outro, este é um antigo colega do jornal, o Luís, e encarando-o, Ivo, o meu namorado. O dito observou-me por breves instantes em silêncio dando tempo a si mesmo para absorver o choque, prazer, disse-me enquanto me oferecia a mão. Sentámo-nos? Tomas alguma coisa? Ainda não totalmente recomposto mas já com uma expressão no rosto onde julguei descobrir um ligeirissímo sorriso cínico, disse num tom demasiado alto que óbviamente não controlava, não...obrigado. Tenho gente à espera, passei só para te dar um abraço. Após um momento de impasse Laura desencalhou-nos, ok, já agora fazes-me um favor? Se perguntarem por mim dizes-lhes que fui para fora? É que vou andar às voltas com os assuntos que ficaram pendentes e depois vou mesmo viajar. Vamos! Olhando para mim. E ainda não me apetece mesmo nada ligar o telemóvel. Como quem recebe um direto ainda combalido por um gancho demolidor que o havia precedido, balbuciou, não achas que devias ser tu mesma a falar com as pessoas? para logo de imediato sem deixar que ela respondesse, desculpa...estavas a falar e lembrei-me que o David, há duas ou três semanas, me disse que o apartamento em Paris está outra vez livre, por isso...ela, já na defensiva e não permitindo a nova investida, obrigada mas tínhamos pensado num lugar mais exótico, não foi Ivo? Mantive-me expectante, não tinha que me meter numa guerra para a qual não estava preparado e cujo vencedor era evidente. Mas, para minha surpresa ele contratacou, compreendo...não queres voltar a um lugar onde já foste feliz, e ficou a aguardar pela pancada que não se fez esperar, é melhor ires então. Sentenciou Laura. Claramente irritado lançou-me um olhar fugaz mas já carregado do ressentimento a ela destinado, e que expulsou sob a forma de um pouco audível felicidades, enquanto ambos fingiam beijar-se na face. Sentámo-nos como quem descansa após uma dura batalha, especialmente ela, acabas de assistir ao rompimento definitivo da enésima tentativa de reconciliação de uma relação que durou alguns anos mas que estava tipo adormecida há mais de meio ano. Fitando-a ainda espantado com tudo aquilo, particularmente com o seu pragmatismo que naturalmente desconhecia usado neste tipo de circunstâncias, disse como quem pergunta, definitivo, namorado, conta-me tudo. Embalada pela adrenalina que o excolega e, pelos vistos, exnãoseioquê, lhe provocou agarrou-se-me ao pescoço e, nariz com nariz, ordenou, definitivo pois claro, ou achas que vou voltar a aturar aquele puto vaidoso depois de te conhecer? Quanto ao namorado desculpa lá, são as frescuras da idade e da convivência. Devia ter dito que és o meu homem não é? Mas prometo que para a próxima chamo os "bois pelos nomes",e, apercebendo-nos do que ela acabara de dizer caímos nos braços um do outro a rir, expulsando assim da melhor maneira a tensão que a "cena" tinha provocado.

 


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semtelhas @ 13:43

Sex, 24/01/14

 

Magnifícos e estranhos estes esqueletos, incómodos em vida, e fantasmas que continuam a assombrar quem fica, sempre na dúvida se poderiam ou deveriam ter feito mais qualquer coisa para que não tivessem morrido daquela maneira, como quem parte no meio de um diálogo, a sensação, remorso nunca sarado, de que ficou algo por dizer. Enquanto por cá esgotam-se a gritar a sua irremediável incapacidade para viver segundo as normas maioritáriamente estabelecidas, e por isso são severamente punidos por todos, rigorosamente todos e, mais ainda, explorados na sua fragilidade, alguém que não se pode defender e que é sugado, usado e abusado até à morte, após a qual permanecem vivos na memória como algo mal resolvido, uma culpa que toca a todos porque, nestas matérias, ninguém é inocente. Por vezes, de entre eles, emerge alguém cuja força é tal que consegue superar essa condição de extrema fragilidade e tornar-se um ícone, não só para os que como ele sofrem mas, o mais extraordinário, para os que o rejeitam e o enterraram antes de tempo. 

 

No filme O Clube de Dallas, fala-se de um destes homens, e da sida, mas aquela personagem e a sua circunstância não se esgota ali, neste preciso momento há inúmeras pessoas a sujeitar-se áquilo mesmo, ou mesmo pior, por esse mundo fora porque o estado das coisas que levaram à situação relatada no filme estão aí, laboratórios farmacêuticos que põe à frente de tudo o lucro, e uma sociedade que insiste em rejeitar a diferença. São quase diárias as noticías de gente a morrer, cobaias vítimas de experiências com novos fármacos, especialmente em países subdesenvolvidos e, ainda não vai muito tempo, a vergonha universal que foi o aproveitamento do medo generalizado da gripeA, dada como epidemia global, para, após biliões gastos e cofres cheios, serem pura e simplesmente destruídos largos milhões de vacinas. E, por cá, supostamente o primeiro mundo, é só verificar a enorme dificuldade para implementar os genéricos ou, mais recentemente, as burlas consecutivas nomeadamente por exportação de medicamentos a melhores preços, ao mesmo tempo que morre gente por não existirem nas farmácias.

 

Se o filme pode ser acusado de chegar atrasado vinte anos quanto ao assunto específico de que trata, no essencial mantém-se absolutamente atual e, nesse particular, atinge os seus objetivos, alertar. Muito se deve a esta gente que utiliza a ficção como suporte para passar mensagens muitíssimo importantes. Se, ainda por cima, o fazem com o brilhantismo que aqui acontece, então talvez de possa afirmar que estamos perante uma obra maior. Muito contribui para isso a interpretação de dois dos tais esqueletos, Matthew McConaughey e Jared Leto, particularmente o primeiro, numa interpretação a fazer lembrar níveis de perfeição como o de Robert de Niro em Touro Enraivecido, ou Daniel Day Lewis em O Meu Pé Esquerdo, uma transformação fisíca incrível, para um boneco verdadeiramente inesquecível. Depois, ao longo daquelas duas horas, fruto da mestria com que aquilo tudo é feito, chega a ser impressionante como somos envolvidos por uma espécie de dança macabra entre todos os protagonistas, da qual ninguém ignora o fim, mas com essa diferença fundamental entre quem, saudável, mesmo sabendo ser impossível, finge querer curar matando, e quem, doente, só pede que lhe seja dado mais tempo para viver em condições minimamente aceitáveis. No fim inclusivamente semeia nos espirítos uma questão muito candente, a quem interessa que quase todas as doenças se tornem crónicas?

 

 

 


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semtelhas @ 10:40

Qui, 23/01/14

 

A de que fala o livro Ferrugem Americana refere-se aos EUA, mas podia ser portuguesa ou de um qualquer outro país ocidental. É impressionante como a leitura deste livro nos remete imediatamente para o nosso próprio país, o tempo da vacas gordas, dos subsídios milionários para milionários e para gente sem escrúpulos, das autoestradas desertas feitas para servir os interesses próprios e de amigos, a corrupção e a subsequente queda da economia. Menos de uma geração depois abrandam os subsídios para os ricos e novosricos e chegam, agora de miséria, os destinados aos exércitos de desempregados, vítimas de um crescimento económico acelerado e estruturado não para o bem comum, mas sim para sacar o mais possível no mais curto espaço da tempo, o lema era então e, mais tarde ou mais cedo, voltará a ser, burros são os que não aproveitam a maré, se não mamas-te, mamasses!

 

Este é o diagnóstico feito pelo autor, mas é nas consequências que mais se detém. Na decadência das cidades industriais, um monte de ferrugem abandonado, que deram milhões a meia dúzia e resultam em multidões sem trabalho nem futuro, a viver da segurança social arrancada a ferros a um estado que os espreme e maltrata, fisíca, mas sobretudo moralmente apelidando-os de preguiçosos, incapazes, parasitas. Uma sociedade extremada de ricos cada vez mais ricos e cada vez mais pobres e indigentes, o que se vai refletir desgraçadamente na vivência de toda essa gente sob todas as formas de indignidade, a violência, a doença, o uso incontrolável de drogas ilicítas, etc, etc.. Uma espiral cujo fim está longe mas para o qual o escritor dá uma hipótese positiva, assente naquela que sempre foi, é, e será, a única arma dos mais frágeis e aquilo que verdadeiramente os distingue dos ditos poderosos, a solidariedade.

 


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semtelhas @ 13:31

Qua, 22/01/14

 

O dia estava muito quente, o que não admirava se se tiver em conta que se tratava de Agosto. Chegara da praia cansado após o exercicío que não dispenso mesmo em dias em que o tempo não está particularmente simpático, seja verão ou inverno.Tinha acabado de  meter o carro na garagem e preparava-me para fechar o portão, quando ouço um som algures entre o miar e o piar, espreito para a rua e vejo um gatito escanzelado que se movia com dificuldade descendo na minha direção. Quando estava a uns três metros parou e pôs-se a observar-me, entretanto baixara-me e olhava-o na expectativa do que faria. Não precisou mais de dez segundos para se decidir a entrar na garagem. Estás mais morto que vivo, respondeu-me com mais duas ou três piadelas como de um pardalito se tratásse, e seguiu-me até ao jardim. Quando voltei com uma mão cheia de biscoitos do gato lá de casa e as pousei em cima de uma patela da relva, foi como se tivesse ligado o bicho, devorou tudo num instante, uma dose que correspondia a metade do que o lá de dentro costuma comer diáriamente, pelo que dupliquei... e tripliquei a ração, quantidade que finalmente pareceu satisfazê-lo. Esteve seguramente cinco minutos a beber água sem levantar a cabeça da embalagem de plástico que utilizei para o efeito, e então, só então, me dispensou a atenção que eu já fizera por merecer e saltou para o meu lado, no baloiço onde eu sentado me perguntava como era possível uma coisa tão pequena comer e beber tanto! Não demorou nada para que se instalásse em cima das minhas pernas onde se deixou ficar longos minutos com a minha permissão, porque senti que naquele momento se estava a definir a natureza de uma ligação homem/bicho. Os quinze dias seguintes passou-os ali, a dormir debaixo das árvores, brincando connnosco, cada vez melhor de saúde ganhava confiança a olhos vistos, não foi portanto de estranhar que  começasse a explorar as saídas e a medir o salto. 

 

De temperamento francamente dócil e ainda muito ingénuo, quando finalmente resolveu voltar de onde tinha vindo, agora fortalecido, teve que enfrentar os primos bem mais velhos e experientes e os resultados não se fizeram esperar. Desde esse dia já tivémos que o curar de uma diarreia feroz que só depois compreendi estar na origem daquela voracidade quando comia logo no inicío, de um corte profundo que fez numa das almofadas de uma das patas, de uma dor numa das pernas dianteiras, que presumimos resultado dos saltos considerávelmente altos que tem que dar sobre o muro quando sai e entra no jardim, e de dois ou três resfriados que desconfiámos ser mais ou menos crónicos e que podem indiciar problemas maiores. Por ele talvez não saísse, não temos a certeza, a verdade é que se nos mantivérmos por perto a única circunstância em que, e nem sempre, sai decididamente, é quando ouve a buzina da carrinha do peixeiro aos gritos a suplicar pela clientela (Quando o homem estaciona a viatura e dá descanso à buzina, já o Chico o espera, calmamente sentado sobre as patas traseiras, ponta do rabo geométricamente perfeita sobre as dianteiras, como se sempre ali tivesse estado. É sempre o primeiro a chegar pelo que recebe os cumprimentos da restante clientela e um primeiro peixito que devora rápidamente, tendo que esperar pelo segundo, olhos fixos no peixeiro, até que este, mesmo antes de entrar na carrinha, lhe indique o local para onde já o tinha atirado. Pergunto-me, onde páram todos os outros gatos que costumo ver por aqui?). Como não podemos recolhê-lho dentro de casa porque o outro gato já é adulto, está castrado, e porque, em boa verdade, muitas vezes me arrependi de o ter mandado esterilizar, consciente de que assim o transformei numa espécie de brinquedo, optámos por deixar este à solta mesmo arriscando um desgosto a qualquer momento. Por isso, para compensar, lá lhe vamos dando algum do nosso tempo que ele aproveita gulosamente exigindo caricías constantes e, preferencialmente, com ele tranquilamente deitado em cima de nós. Está um grande e bonito gato! Branco, malhado com manchas pardas em tonalidades que vão do preto passando por vários cinzentos. Ainda não conseguimos descobrir se gosta mais de comer ou da nossa companhia, sendo que para ele o ideal parece ser fazer-lhe festas enquanto come entre rápidas e espremidas olhadelas. Em quase meio ano passou uma noite fora, durante a qual mal dormimos sentindo o ferrão da culpa por não o termos recolhido na garagem, não ao princípio da noite, mas daquela última vez que apareceu a meio da tarde! Que raio de bicho nos mord...escolheu?


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semtelhas @ 14:45

Ter, 21/01/14

 

Já era noite, dirigia-me a minha casa para dar de comer ao Zinga e ao Uli e trocar de roupa, Laura ficara ao telefone com a tal Lucília que, pelo que pude perceber, no dia seguinte iria lá falar com ela. A anterior tínhamo-la passado práticamente acordados, uma vigília aqui a ali interrompida por ligeiras passagens pelo sono nos intervalos de uma conversa de horas na sala de minha casa, televisão ligada, durante as quais fômos comentando o que ía dando, na verdade, conhecendo-nos mútuamente um pouco mais em função das opiniões exprimidas. Já reparas-te que todas estas séries americanas estão carregadas de ironia, ou então de ficção pouco menos que inverossímil? Como se as pessoas hoje, para aguentarem, tenham que olhar para a realidade troçando dela, algo que existe mas perante a qual se sentem superiores, ou então entretenimento puro e duro, quase sempre à base de violência ou sexo, aquilo que de facto as consegue tirar daqui? Dizia Laura. Isto é feito em autênticos laboratórios sociais, sete gaijos oito horas por dia, cinco dias por semana, fechados numa sala a lutarem ferozmente com eles próprios e uns com os outros por um guião altamente apelativo, cujas melhores ideias segundo um deles confessava surgem ao fim de semana, testado por uma audiência cobaia, e depois, se aprovado, produzido cada vez com os melhores profissionais, técnicos e atores. Ainda um destes dias vi o Scorsese a dizer que atualmente é nas séries que está a grande qualidade, não no cinema. O que eu acho é que a coisa funciona como uma fábrica, tal qual a Globo com as suas novelas, ou Bollywood na Índia, só muda o público alvo, concordei.Também discordá-mos, foi quanto à melhor abordagem às crianças no sentido de as pôr a ler, a propósito de uma peça que passava sobre o Programa Nacional de Leitura ela achava que o mais importante é ler, só depois interessa o quê, esta gente pôe-se a criar index's como o Vaticano e depois as crianças em vez de aprenderam a gostar, como aquilo não é apelativo, detestam e passam a odiar a leitura para sempre, dizia. Em parte é verdade, mas, por outro lado, se não há outro critério que não seja o gosto pela leitura, que é obviamente muito importante para aprenderem a exercitar o raciocínio, não o será igualmente, ou mesmo mais, orientar esse raciocínio? A historia está cheia de génios do mal, gente de mentes brilhantes mas ao serviço dos piores objetivos. Por comentários avulso que foi fazendo quando deram noticías também percebi que tal como eu manifestava tendências humanistas, até idealistas salvaguardando o óbvio e marcado pragmatismo de mulher, não obstante ser oriunda de uma família de condição social média alta, terceira ou quarta geração de gente, pelo menos do lado do pai, com algum dinheiro e o que com ele vem atrás, ao contrário de mim próprio, filho de emigrantes à procura de uma vida diferente da remediada que por cá tinham. Com tudo isto na cabeça fiz o que tinha a fazer, ainda pus o Volvo a trabalhar um bocado, a idade avançada começava a fazer-se sentir, e meti-me dentro do Golf para voltar a casa de dela perante o olhar inigmático dos meus bichos que parecia perguntarem, outra vez,? então e nós? A atenção que lhes dispensara fora insuficiente, sobretudo se comparada com as verdadeiras máquinas em que se tornaram mal me viram, um de ronronar, o outro sob a forma de pequenas corridas e muitos latidos de alegria.

 


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semtelhas @ 13:40

Seg, 20/01/14

 

Sobe-se pelo Porto acima até às Antas e constata-se uma cidade cada vez mais desigual, lado a lado com as lojas chiques das grandes multinacionais, multiplicam-se os passa-se e os vende-se do nosso descontentemento. Outrora pequenos negócios familiares de sobrevivência e teia de vivência de uma sociedade feita de vizinhos. Agora sobram nas suas soleiras, tantas vezes esfregadas orgulhosa e frenéticamente com sabão azul-e-branco por senhoras de ar fresco e satisfeito, indigentes de mão estendida. Sinal dos tempos.

 

Mas chegados às imediações da igreja das Antas como que se mergulha numa twiligth zone, uma outra dimensão! Delimitada a norte pelo magnifíco templo relogioso e a sul pelo imponente, e não menos sagrado templo do Dragão, alonga-se por escassas mas deslumbrantes centenas de metros a Alameda. Ladeada por duas vias de circulação para veículos, de duas faixas cada, alarga-se pelo meio um vasto corredor para passeio separado das estradas por não menor espaço relvado e arborizado de ambos os lados. Em dias como ontem, fim de tarde de inverno em fase de tréguas, a luz solar remanescente ilumina e reaviva o verde dominante, revela-o sedoso e confere às silhuetas das árvores ainda em crescimento um aspeto nostálgico. Acendem-se as luzes públicas, e só então se repara nos estilizados mas simples pequenos postes de luzes alaranjadas que nos vão acompanhando na descida. Tal como tudo o resto conferem ao conjunto uma sensação algures entre o minimalismo, eficácia, beleza e funcionalidade. Não obstante a crise, que aqui se faz sentir menos, os prédios de elevada qualidade e preço, fazem-se notar crescentemente na sua opulência, mas nunca diminuindo as possibilidades que a Alameda oferece, dada a grande distância que separa cada uma das margens daquele rio de gente que por ali costuma correr, mais, ou menos, alteroso em dias de jogo.

 

Ainda antes de contornar o estádio mesmo junto às portas de acesso ao anfiteatro, é já possível adivinhar a grandeza do que se vai oferecer ao olhar, mas é após percorrer algumas dezenas de metros, para trás ficou já o Feijão, pavilhão ultramoderno onde o FCP, em tão poucos anos ganhou tanto!, assim chamado por acompanhar a forma da espetacular obra de engenharia que é a Via de Cintura Interna naquele lugar, que se pode perceber a real dimensão de tudo aquilo. Debruçados sobre uma paisagem que abrange dezenas de quilómetros, uma enorme varanda muito acima das formigas que lá em baixo se apressam, vê-se, parece logo ali!, um intrincado enxame de viadutos por onde circulam centenas de veículos cujos farois e motores lhes dão a aparência de insetos a zumbir ao longe. Estende-se o olhar o somos literalmente esmagados por milhares de lâmpadas amareladas até perder de vista! Gondomar, Valongo, S. Pedro da Cova, aqui mesmo Campanhã e o Metro ligados por um infinito labirinto de trilhos, do outro lado em Gaia, pelo meio serpenteia brilhante o Douro atravessado pela ponte do Freixo, plena de luzinhas brancas para cá, vermelhas para lá, Oliveira do Douro, Avintes, o Monte da Virgem, imponente e assinalado pela bela torre de antenas da RTP, a cosmopolita Av. da República adivinhada pela fileira de prédios que a resguardam. Fabuloso e único.

 

Lá vem um avião a nascente, descobre-se pelos sinais luminosos que emite. Sigo-o e só então me apercebo da enorme distância a que viria, dada a enormidade de tempo que o vejo até o perder já a poente. Durante estes minutos mágicos em que vagueei por outros lados fez-se noite fechada e as pessoas encheram as zonas de torniquetes de acesso. Lá vão elas todas atarefadas, já possuídas por um nervoso miúdinho que tantas vezes as impossibilita de ver e não simplóriamente olhar. Todo o conjunto que constitui esta obra que acabei de relatar, está destinado a perdurar nas memórias, quando outros que não esta gente poderosa mas assética que atualmente por aqui vive, polularem entre prédios marcados  pelo tempo, mas também eternizados pela cultura que este traz. E então, daqui a muitos anos, alguém, aqui neste mesmo sítio onde estou, vai pensar, visionária, fantástica e abençoada gente que, tão à frente do seu tempo, contribuiu para a construção de tudo isto! 


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semtelhas @ 13:45

Dom, 19/01/14

 

- Obama anunciou o fim da espionagem sob forma de recolha de dados telefónicos a chefes de estado de países amigos - Eu também sou um grande mentiroso.

 

- Mulher de Holland internada depois de saber do affaire do marido - O que elas fazem para não serem incomodadas e se, e nos convencerem que foram as últimas a saber!

 

- Dennis Rodman cantou o happy birthday to you ao presidente norte-coreano - Fê-lo a la Marilyn Monroe, o que já seria esquisito se se reparar bem no objeto da missiva, mas  tratando-se daquele matulão que mete medo ao susto, não se percebe muito bem quem ficará a perder...

 

- Gaspar, Santos Pereira e Arnaud colocados em altos cargos internacionais - Uns pelos seus próprios meios, outros recentemente saídos da governação, mas todos pelo reconhecido e enorme sucesso no seu país enquanto governantes e afins... 

 

- Paulo Fonseca afirmou que acredita cegamente que o FCP vai ser campeão - Já toda a gente sabe que quem vai treinar aquela equipa arrisca-se a ser campeão, mas também não exageremos...

 

- Paulo Portas disse que ía escrever uma carta de parabéns a Cristiano Ronaldo - É conhecido o talento do homem para as letras, mas, maior ainda, o que tem para a letra. Não seria melhor disfarçar-se de Marilyn e cantar-lhos como fez o outro? Ele até é lindo...

 

- Portas encerrou o congresso do CDS apelando ao PS pela pacificação - Entre partidos, paz só da pôdre, como se pode ver pelo amor entre PSD e CDS, ou, pede o roto ao esfarrapado.

 

- Os portugueses quanto mais instruídos e ricos menos solidários são - Como poderiam dar se a maior parte deles enriqueceram e se instruíram à custa de tirar a muitos outros?   

 

- Ingleses ameaçam União que saem desta por os estar a avisar relativamente aos direitos dos emigrantes - O nevoeiro continua a isolar só o leste. Nada de novo.

 

- PSD apoia, impondo disciplina de voto!, referendo sobre a adoção de crianças por casais homossexuais - A confiança sem limites que estes bravos democratas têm na ignorância de quem os pôs no poleiro! Apanha-se mais depressa um mentiroso que um côxo.

 

- Rummenigge disse que o Bayern não trocava Ribéry por Ronaldo -  Pois não! Porque não podem comprar com ele o clima de Madrid e trocar os alemães de Munique por madeirenses, condições essenciais e indispensáveis para que o craque aceitásse mudar.

 

- O líder da UGT assumiu-se benfiquista e exortou a equipa a vingar-se do Marítimo - Olhava-se para aquele estilo todo e já se desconfiava que, das duas uma, ou a UGT assumiu definitivamente que anda aqui por ver andar os elétricos, ou então teria sido melhor deixar este bom homem continuar a discutir a bola com os amigos no café lá da esquina.

 

- Luís Portela garantiu que a ciência ainda vai explicar os milagres - Explicar milagres? Milagre! Alguém já não está a apartar lá grande coisa, urge criar mais uma poção milagrosa para o curar.

 

- Bruno Carvalho diz que Pinto da Costa merece um Óscar - Não digo que não. Uns chegam a Hollywood, outros ficam-se pelas Caldas. Cada um tem o troféu que merece.

 


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semtelhas @ 12:57

Dom, 19/01/14

 


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semtelhas @ 13:46

Sab, 18/01/14

 

Levantou-se e conduziu-me pela mão no sentido da casa, mas em vez de entrar-mos continuamos até uma espécie de estufa, escondida pelo edificío maior, na realidade um anexo onde havia um fogão a lenha, um armário grande, alto e largo, uma mesa de madeira comprida ladeada por dois bancos corridos, e um sofá decrépito mas com aspeto confortável, onde nos deitámos e fizemos a vontade a dois corpos que se atraíam irrevogavelmente, desta vez tranquilos, com todo o tempo e certezas do mundo. Ainda deitados, acariciando-nos suavemente, em silêncio observáva-mos a luz que entrava pela duas enormes janelas, filtrada pelas inúmeras plantas que por elas acima trepavam presas em fios que formava uma teia entre pregos e originárias numa fileira de vasos, cada um com quase meio metro de diâmetro, estratégicamente encostados áquela parede virada a sul. Apesar de lá fora estar frio, ali o ambiente era morno, aquecido pelos vidros ensolarados, e misterioso, quase místico, naquele esverdeado luminoso, ao qual se juntava um odor a terra fresca proveniente dos plantas recentemente regadas. Os meus pais práticamente já não entravam aqui, começou por dizer interrompendo o sonho em que eu vogava, mas ao princípio fizemos aqui muitos churrascos para a família toda e amigos. A partir de certa altura passou a funcionar mais como meu refúgio das discussões que aconteciam ali, apontando com o queixo para a casa. A Lucília, a empregada, passa por cá dia sim/dia não, arruma lá dentro e vem aqui tratar das plantas, está connosco desde sempre e, muitas vezes, fez de minha mãe. A qualquer momento vai aparecer por aí, se é que já não veio, espreitou foi-se embora, e eu ainda não sei o que lhe hei-de dizer...mas acho que ela deve saber. Aconcheguei-a mais a mim e assim nos mantivémos caindo num sono profundo e repousante após dias alucinantes durante os quais pouco havíamos descansado. Despertá-mos sob uma luz menos brilhante, já alaranjada. Tive um sonho esquisito, não cheguei a perceber se era um rio ou areia movediça...os meus pais a afundarem-se ao mesmo tempo que peixes, piranhas? os atacavam, tudo vermelho...respirou fundo, não consigo identificar o lugar, mas era um sítio quente e húmido, sorriu lançando-me um tristonho olhar malicioso para desanuviar, deve ter sido por causa deste ar que aqui se respira. Talvez na Amazónia...fui lá pelo jornal fazer uma reportagem a propósito dos "sem terra", quando eles invadiram e ocuparam durante algum tempo aqueles terrenos, uma pequenissíma parte de centenas de hectares que o governo mandou plantar de soja para a produção de biodísel, lembras-te? Perfeitamente, respondi-lhe, a quantos mais sítíos exóticos o jornal te mandou? Também estive em Kabul, em Kinshasa...sabes? Fitando-me, acho que isto foi um sinal! Quanto mais falo em lugares longínquos mais entusiasmada fico! vamos viajar! tratámos de tudo, primeiro o dever e depois o prazer, e depois arrancá-mos, que achas? E voltou a pousar em mim aquele olhar que, a um só tempo, questiona e decide, É verdade que não ando muito ocupado, nada mesmo, mas também o é que que atualmente vivo dos parcos rendimentos do que fui acumulando ao longo dos anos...não me posso esticar muito, ou melhor, nada, só me tenho aguentado debaixo de uma disciplina rigorosa sobre os gastos. Interrompeu-me, Não te preocupes, conheces-te uma gaija rica...acho...e lançou a primeira gargalhada que lhe ouvi, franca e sonora, daquelas que contagiam, só possíveis em pessoas ainda não irremediávelmente derrotadas pela vida, que acendem em si, e a quem por elas é atingido, uma luz de esperança. Comigo, a somar à paixão por aquela mulher que em mim crescia tão indomável quanto improvável, funcionou como o insuflar de uma nova alegria de viver, como se todos os ensinamentos, conclusões, toda a sabedoria acumulada ao longo de décadas de experiência na luta diária, e razoávelmente vasta do ponto de vista cultural, nomeadamente a livresca, de repente tivéssem caído por terra, reduzidos a zero, perante um misto de entusiasmo e serenidade que jamais pensara voltar a sentir.

 


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semtelhas @ 12:59

Sex, 17/01/14

 

Mais do que lobos é o que são uma parte desta bicharada dos mercados financeiros, independentemente das funções que desempenham. Espertos, manhosos, sem piedade, mesmo pelos seus pares, devoram tudo entre gargalhadas cínicas. É o retrato fantástico que nos dá O Lobo de Wall Street. Claro que só alguns são viciados em drogas e sexo, ou excessivos em toda a linha, desde o brilhantismo à loucura, como no excecional retrato que Leonardo DiCaprio faz de um antigo corretor da Bolsa de Nova Iorque, que resolveu contar a sua estória num livro. Mas o que é comum a todos, como desgraçadamente o comprovam os dias que correm, é o desprezo absoluto por aqueles aos quais chamam falhados, discurso recorrente durante todo o filme como justificação para as mais mirabolantes vigarices de alto quilate. Subliminar, ou nem por isso, está presente uma certa desculpabilização face à necessidade intrínseca que é suposto alguns destes espécimes terem em porem em prática a sua formidável arte de vender, no que são irresístiveis e algo que lhes é impossível evitar, bem como, por outro lado, alguma frustração, mesmo inveja, pela vida de sonho levada por estas bestas, presentes até naqueles mais responsáveis em lutar contra estes autênticos cancros da nossa sociedade. Não se sabe se resulta da transcrição fiel do livro escrito pelo artista, ou se é uma opção de Martin Scorsese, em qualquer dos casos denuncia uma espécie de lavagem da imagem de um crápula do pior que nem sequer encontra justificação no glamour tantas vezes presente no bandido. É que no caso destes animais, pura e simplesmente deviam ser tirados de circulação.

 

 


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"O medo de ser livre provoca o orgulho de ser escravo."
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