semtelhas @ 15:52

Sex, 30/08/13

 

A azáfama começava no dia anterior à noite, regar plantas, preparar as coisas dos animais para quem delas e deles ficava a tratar, fazer as malas, mas sobretudo um nervoso miudinho de excitação pela proximidade da hora de partida, e que mal nos deixaria dormir, diretamente proporcional à medida que a idade dos viajantes diminuía. Estávamos na primeira metade da década de oitenta e as estradas não eram o que são, era por isso importante sair bem cedo para fugir ao calor, ao trânsito e, claro, aproveitar ao máximo a jornada.

 

No inicío de Agosto os dias ainda amanhecem bem cedo, pelo que por volta das seis, viatura carregada e pequeno almoço tomado, arrancávamos tranquilamente pela EN1, sempre preferida ao troço de auto-estrada existente naquele tempo, em nome do contacto com a realidade das localidades e paisagem que íamos cruzando, crescentemente mais plana e quente sobretudo após Coimbra. Os primeiros quilómetros eram os melhores, aquela decisão de partir! A sensação de liberdade enchía-nos os corações de uma alegria entusiasmante. Quando o rádio se calava lá de trás pedia-se música, para além do filho levámos sempre outro familiar, a sogra, uma cunhada, um sobrinho, era então que saíam Some Girls dos Stones, Gloria Estefan em Mi Tierra ou um Chico ou Caetano para nos embalar estrada fora. Pela hora de almoço chegávamos a Santarém, paragem obrigatória para almoço num belo restaurante de fácil acesso. Como o destino era invariávelmente o sotavento, menos cosmopolita mas mais calmo que o barlavento, especialmente por aqueles dias, a maior parte das vezes Pedras D'el Rei, mas também Manta Rota ou Monte Gordo, para cortar caminho, a tarde significava alentejo com tudo o isso representava, calor intenso, retas sem fim, planicíe a perder de vista, chaparros, aldeias ou pequenas vilas de casas brancas e, muito de longe a longe, outro automóvel. Recordo com agradável melancolia aqueles longos silêncios que nos invadiam perante a visão da estrada a derreter-se à nossa frente, sempre em frente, durante quilómetros e quilómetros, que sentíamos reduzir-nos à nossa pequena dimensão no meio daquele oceano ardente, e que nos enchia de paz. Normalmente parávamos brevemente em Mértola para nos dessedentar-mos com líquidos frescos e ganhar-mos lanço para atravessar a Serra do Caldeirão, uma espécie de segundo fôlego conseguido já na presença de uma paisagem de transposição que fazia adivinhar o que, duas horitas depois, vislumbráva-mos no horizonte, o tão almejado mar algarvio.

 

Uma vez instalados entrava-se naquela agradável rotina diária, um doce fazer nada, que consistia básicamente em acordar quando se acordásse, tomar um lauto pequeno almoço/almoço, à maneira americana, com ovos, bacon, fruta, sumos, queijos, compotas e café, ir a pé para a praia, o que nem sempre era fácil, mas como uma das regras de ouro era só pegar no carro quando fosse absolutamento necessário... passar por lá umas horas, entre areia, mar, esplanada, livros, jogos de raquete ou futebol, trabalhar para o bronze, dar longos passeios a explorar outras praias, até, muitas vezes, com o sol num lindíssímo alaranjado já a esconder-se enquanto tomávamos um último banho naquelas maravilhosas águas tépidas, regressar-mos lentamente a casa. Só depois do banho retemperador encontrávamos forças para preparar o jantar pelo qual os estômagos gritavam, ou então, não raras vezes, dirigirmo-nos a um qualquer restaurante forte em peixe, outra das regras de ouro, para refeições que representavam autênticas festas, de cheiros e sabores, que em zonas quentes, pela quase ausência de humidade, atingem níveis excecionais, pela atmosfera de um morno aveludado, pelo passeio com que terminavamos o dia, ora em Tavira, cidade da nossa preferência, Vila Real de Santo António junto ao rio, assistindo a um qualquer espetáculo de verão, ou então visitando a feira de artesanato de Monte Gordo disposta ao longo da avenida marginal ao mar, ou ainda, mais pontualmente, fazendo uma deslocação mais longa e espantarmo-nos, como daquela vez no meio dos montes na escuridão total, com uma chuva de milhões de estrelas que eram mais que o céu escuro. A volta fazíamo-la alegremente, acompanhando as músicas que o rádiogravador ía debitando, com a certeza que no dia seguinte haveria mais do mesmo. Ainda hoje me interrogo onde, após nos deitármos completamente arrasados, arranjávamos energias para cada dia seguinte começar tudo de novo como se fosse o primeiro, a mesma força, o mesmo entusiasmo.

 

 

 

Também o regresso ao Porto era feito com satisfação. Havia a paragem na Meta dos Leitões como espécie de fecho com chave de ouro, de que também esta última regra era feita, e sobretudo a alegria do reencontro com quem e o que por cá tinha ficado. Assim foi durante anos construído o prazer de voltar a casa, segundo se diz a razão maior para partir. Curioso como o tempo vai mudando as vontades! Hoje, cada vez mais, são as viagens interiores as que fazem mais sentido.

 


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semtelhas @ 17:12

Qua, 28/08/13

 

O fim de semana foi tão altamente que até parece que passou mais depressa!

 

 

A frase é de um miúdo de oito dez anos, que seguia em cima do murito que separa o passeio onde caminhava a mãe, e a areia da praia. Ambos sorrimos trocando olhares enquanto nos cruzávamos, e eu fiquei a pensar, cá está uma verdade estruturante, cristalina na simplicidade das palavras de uma criança, toda a vida numa frase.

 

Alguém disse haver três condições fundamentais para que se possa alcançar a felicidade: tempo, espaço e silêncio. Que aí reside a verdadeira riqueza de um homem, especialmente quando consegue atingir as três premissas. Parece que a maior parte das pessoas só preenche uma delas, muitos duas, e poucas as três. A história da humanidade está cheia estórias que é suposto ilustrarem a ideia, sendo que uma delas, pela sua atualidade, talvez valha a pena ser contada: estavam dois homens de meia idade a pescar na margem de um rio, especulando sobre o que fariam caso lhes saísse o euromilhões, comprava um iate e ía dar uma volta ao mundo, dizia um, punha a família toda bem e depois comprava uma casa com cais para um lago, e queria que ninguém me chateasse, respondeu o outro, e eu quando chegasse comprava uma ao lado, súbitamente olharam um para o outro e, enquanto ambos pensavam, e íamos pescar juntos, perceberam o enorme valor do que possuíam.

 

Dizendo aquela frase, e sem disso ter consciência, o rapazito começou a decifrar um dos principais inigmas da nossa espécie, o tempo. Desde épocas imemoriais que refletimos sobre o tema, mas talvez ninguém tenha chegado tão longe como Albert Einstein ao conferir ao tempo o conceito de relatividade. Independentemente de todas as inúmeras implicações que essa noção acrescentou à forma como olhámos a existência, a começar pela básica constatação de que se demora dez anos a chegar a Vénus, então a imagem que aqui e agora temos desse planeta corresponde ao que lá se terá passado há uma década, obrigou-nos a encarar a palavra sobre outro ponto de vista, com outro respeito, sobretudo pela proliferação imparável da discussão do tema por todo o lado. Hoje são cada vez mais as pessoas que valorizam o tempo, o que dele fazem, pela enorme influência que essa atitude tem na conquista do seu espaço e da sua tranquilidade. Por todo o mundo mais esclarecido assiste-se a um êxodo das cidades de volta à paz da provincia.

 

Claro que a descentralização não serve os interesses dos poderes instalados, por isso gritam via estatísticas os altos níveis de conforto e segurança que a urbanidade traz. Falta aprofundar esses conceitos de conforto e segurança, que sabemos resultarem numa espécie de zombies que aspiram à eternidade enquanto se esfalfam, desde cada vez mais cedo sem ocupação, a consumir o mais desenfreadamente que lhes é permitido, os produtos que enchem os bolsos aos seus carrascos, de ecrãs de televisão cada vez maiores e mais eficazes, onde são alienados por programas altamente viciantes, até lares de terceira idade para onde transitaram da solidão prematura, abandonados nas suas casas, e onde definham já mortos sem o saberem. 

 

Oxalá aquela criança tenha a felicidade de, ao longo da vida,  dar à palavra altamente o sentido que a conduza à condição de pessoa com tempo para viver, espaço suficiente para se sentir livre, e o silêncio indispensável para que consiga não só pensar, mas também  escutar os seus pensamentos.

 


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semtelhas @ 13:28

Ter, 27/08/13

 

 

 


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semtelhas @ 14:13

Seg, 26/08/13

 

Era uma vez um menino de caráter tão doce, e com tanta sede de saber, que se deixou espantar por todas as formas de apaziguamento do sofrimento humano que lhe foram surgindo enquanto religiões. Começou pelo hinduísmo, passou pelo cristianismo, pelo islamismo e até vislumbrou o budismo fruto de um contacto com um praticante. Cada uma destas crenças foi-lhe dando uma perpectiva da natureza humana seguindo caminhos diferentes mas tendo em comum uma variável imutável, a esperança. Quis o destino que a vida lhe proporcionasse a possibilidade de experimentar, de facto, os ensinamentos que ainda tão jovem tinha adquirido. Durante o período em que pôde fazê-lo aprendeu à sua custa mais algumas noções que haveriam de o acompanhar até à morte: para um vivência saudável são indispensáveis duas condições sob forma de necessidades, algo superior que dê verdadeiro sentido à existência e um objetivo diário por que lutar. A procura do cumprimento destas duas metas, e os enormes obstáculos a enfrentar para o conseguir levou-o à conclusão essencial, espécie de regra de ouro: tal desiderato só será atingido pela fé, consubstância na atitude de quem age sem prova, e, chave final para abrir o paraíso sim, mas da verdade, sem culpas ou castigos, sem perdões ou remorsos, feiras de vaidades ou falsos profetas. Tão simplesmente acreditar nas palavras iniciais de homens intrinsecamente bons, que tinham como principais características uma esperança sem fim, a força avassaladora da amizade, uma crença sem limites em si próprios, e, o mais importante, sem esperar nada em troca.

 

 

Há obras que foram construídas de maneira, a um só tempo, assertiva, e mesmo assim superiormente harmoniosa e bela, que têm essa capacidade de se eternizarem na memória. Refiro-me a A Vida de Pi, e lembro-me por exemplo de O Contacto, dois filmes baseados em romances homónimos. Em ambos os casos são fácilmente perdoáveis todas as comerciais piscadelas de olhos, quanto mais não seja por estas previsívelmente levarem mais gente às salas de cinema, com tudo o que isso pode trazer de positivo a essas pessoas. Se no caso do livro de Carl Sagan se recorre ao espaço desconhecido via extravagantes tecnologias, em A Vida de Pi tudo é absolutamente terreno, até, e sobretudo, a conclusão final, depois de uma fantástica e muito visualmente bela viagem, ao longo de uma metafórica estória codificada pelos olhos de um ainda jovem mas já esclarecidíssimo adolescente. O caminho faz-se caminhando, em frente.

 


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semtelhas @ 17:36

Sab, 24/08/13

 

- A angolana Isabel Dos Santos é rica por ser filha de quem é, dizem os americanos - E andava toda a gente a pensar que a senhora é multimilionária graças a insuspeitas supercapacidades para acumular riqueza!

 

- Fidel não esperava sobreviver à doença grave que lhe foi diagnosticada há sete anos - A pergunta que muitos cubanos farão por estes dias é, sim, e depois?

 

- Com o aquecimento global as maças estão cada vez mais doces e menos firmes - Então sempre é verdade o que se diz por aí há séculos? O calor adoça-as e amolece-os.

 

- Judite de Sousa insultou rapaz milionário durante entrevista - Realmente quem olha para a mulher fica com a sensação de ver uma cruzeta com uns trapinhos (caros) pendurados, e em cima de uns espampanantes tacões de metro. Será fome?

 

- No Benfica pede-se a crucificação de Jesus - Calma! Aguentem até ao fim do mês. Pode ser que o Sporting faça o serviço e, ainda por cima, resgate o Judas Cardoso.

 

- Alemanha já acumulou 41 mil milhões em juros pelos empréstimos concedidos aos países resgatados - E já estão a falar num terceiro empréstimo à Grécia! Enquanto aquela gente ainda tem alguma coisa para ser espremida e ficar eternamente agradecida.

 

- A Espanha está a fazer peito à Inglaterra no caso Gibraltar - Talvez não fosse má ideia escolher outro processo para fortelecer a união nacional. Assim pode sair-lhes, literalmente, o tiro pela culatra. É que aqueles ilhéus são danados para a brincadeira.

 

- Cientistas informam que urinar no mar é bom para o ambiente - E só dizem agora? Tanto trabalhinho a procurar um espaço sem gente, a olhar para todos os lados disfarçadamente! Mije-se orgulhosamente com a sensação de um dever cumprido!

 

- O árbitro Pedro Proença foi ao centro de estágio do Benfica explicar aos jogadores as novas regras - O Orelhas bem avisou que não o queria a apitar mais jogos do SLB! Mas pronto. Agora que foi ensinar à rapaziada como devem fazer, já pode.

 

- Casillas recusou fazer o aquecimento por ir para o banco de suplentes - Aquele Mourinho é mesmo demais! Conseguiu indrominar o italiano!

 

- Uma sessão do parlamento da Madeira foi interrompida por pessoas a cantar a Grândola - Até que enfim! O Alberto João anda a cantar o bailinho ao contenente há décadas.

 

- Obama recusou qualquer intenção em intervir militarmente na Síria - Tradução, já faltou mais do que o que falta para os EUA entrarem por ali dentro.

 

- Carolina Salgado aparece numa fotografia a fazer festinhas a Eusébio - Onde esta chegou! Até velhos doentes! Alguém avise o homem para fugir enquanto é tempo.

 


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semtelhas @ 15:02

Sex, 23/08/13

 

Pela sua absoluta atualidade retive duas ideias a que tive acesso ontem, uma na revista Visão através de um artigo assinado por Guilherme D'Oliveira Martins, e outra assistindo à série Fringe(RTP2) pela voz da principal protagonista.

 

No primeiro caso diz o presidente do Tribunal de Contas e reconhecido homem da cultura: fazer da Economia a sagrada escritura pela qual toda a política se deve reger, é deixar para trás valores tão essenciais que o resultado final não pode ser senão trágico. É por isso que esta ciência(?) não só não deve ir ao volante como deve mesmo viajar no banco de trás.

 

No programa televisivo, perante uma situação limite que tenta uma ação vingativa, mas aconselha uma atitude construtiva, a personagem diz algo como: trocar a característica emoção que torna únicos os seres humanos, pela capacidade tecnologica de ser perfeito, robôs invencíveis, conduz à degradação contínua e crescente da vontade até ao vazio total e inevitável destruição. 

 

Isto dias depois do Presidente da República ter mandado para análise do Tribunal Constitucional algumas leis muito controversas pela sua eventual natureza anti-constitucional, o que corresponde, ou deveria corresponder, a dizer da sua falta de bom-senso, justiça, ou mesmo espírito democrático, ou seja, não defender os interesses da maioria dos cidadãos. E, a questão fulcral, em função disso o primeiro ministro ter ameaçado aquele tribunal da necessidade de recorrer a medidas ainda mais radicais caso chumbe as referidas leis.

 

Para além da já menos inacreditável por repetição mas ainda assim igualmente, senão mesmo mais vergonhosa, precisamente por não ser a primeira nem a segunda vez, falta de respeito por um orgão de soberania da justiça, senão sagrado na sua independência pelo menos, o que nos resta?, credor desse ónus, sobressai o tal pensamento, inerente ás leis em causa, e consequente ação puramente tecnocrática, aparentemente aconselháveis no curto-prazo mas, na realidade, perniciosas tentações que a médio prazo podem conduzir a desenlaces desastrosos.

 

Colocar a Economia no seu lugar e valorizar mais as pessoas com as suas ditas fraquezas, mas antes fragilidades e necessidades, quase invariávelmente vítimas de iluminados tecnocratas, é perceber que as coisas só podem ser alteradas com as pessoas e nunca contra elas.

 


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semtelhas @ 11:49

Qui, 22/08/13

 


  

 
 
 

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semtelhas @ 16:33

Qua, 21/08/13

 

Caminho sem objetivo

Direção sem sentido 

Conquista sem sacríficio

Música sem silêncio

Felicidade sem desespero

Paraíso sem inferno

Luz sem escuridão

Pureza sem podridão

Filosofia sem essência

Religião sem decadência

Vontade sem tédio

Amor sem ódio

Ternura sem indiferença

Poder sem ignorância

Sorriso sem tristeza

Melancolia sem perda

Certeza sem dúvida

Sofreguidão sem fome

Palhaço sem pobre

Vazio sem eternidade

Saber sem curiosidade

Vingança sem maldade

Violência sem cobardia

Lei sem anarquia

Saudade sem nostalgia

Alegria sem tragédia

Alma sem crer

Sol sem nascer

Acreditar sem compreender

Viver sem morrer

Vitória sem derrota

Medo sem culpa

Ver sem querer

Pensar sem existir

Ser sem assumir

Deus sem diabo

Oásis sem deserto

Vento sem quietude

Transparência sem sujidade

Tranquilidade sem ansiedade

Harmonia sem caos

Canoa sem paus

Mar sem horizonte

Raíz sem semente

Lua sem noite

Terra sem origem

Prazer sem vertigem

Infinito sem céu

Rosto sem véu

Lágrimas sem destino

Devir sem tino

Paz sem aceitação

Realidade sem imaginação

Graça sem tentação

Armas sem ambição

Floresta sem árvore

Azul sem serenidade

Fruto sem flor

Perfume sem odor

Brilho sem dor

Nascimento sem mãe

Palavra sem pai

Queda sem ai

Beleza sem sentimento

Perdão sem sofrimento

Arte sem talento

Piada sem sarcasmo

Ironia sem cinismo

Cor sem ausência

Humildade sem consciência

Criar sem procurar

Rir sem penar

Água sem vida

Tudo sem nada

Entusiasmo sem entrega

Abismo sem fuga

Paixão sem pecado

Sonho sem pesadelo

Espírito sem corpo

Crueldade sem instinto

Razão sem esquecimento

Liberdade sem conhecimento

Epifania sem descoberta

Verdade sem mentira

Coragem sem loucura

Futuro sem passado

Continuar sem equilibrio

Presente sem instante

Excelência sem mediocridade

Trabalho sem necessidade

Enigma sem pergunta

Pudor sem vergonha

Verde sem esperança

Preto e branco sem exatidão

Vermelho sem excitação

Sobrevivência sem ilusão

Ousar sem arriscar

Ter sem dar

 

Tempo com fim

 


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semtelhas @ 12:04

Ter, 20/08/13

 

A propósito de liberdade, esse conceito ao mesmo tempo vago, inconfundível, intrínseco, levissímo, individual, massivo, profundo e simples, por estes dias foi possível assistir-se ao desvendar do que ele representa para duas das mulheres com maior notariedade na nossa praça, Rita Blanco e Judite de Sousa.

 

Numa entrevista à Visão a primeira dá uma demonstração cabal daquela que é a sua natureza, hoje muito mais refinada que há alguns anos atrás, quando qual elefante em loja de cristais, destruía tudo em volta com aquele seu estilo ultrafrontal que práticamente não poupava fosse o que ou quem fosse. Durante a longa conversa revela-se uma mulher de ação, absolutamente convicta dos seus princípios, dos quais sobressai aquilo que costuma ser denominado como humanismo, ou de esquerda, se se quiser, numa linguagem político/partidária, ainda que completamente independente de qualquer tipo de seguidismo. Notei particularmente o tirar o maior gozo da interpretação em palco, no contacto direto com o espetador com toda a imprevisibilidade que isso acarreta, o gosto pelo risco que é outra das suas principais características; dizer-se viciada sómente em livros e no amor; querer acabar a carreira numa terrinha a ensinar teatro a jovens e velhos num palco lá do sítio; e, sobretudo, quando questionada se para atingir a felicidade, é preferível o conhecimento ou a ignorância ter respondido: o conhecimento, porque só ele ajuda a abrir a cabeça, único lugar onde mora a liberdade.

 

No Jornal das Oito da TVI, durante uma entrevista a um jovem brasileiro multimilionário, face às suas multiplas exibições de riqueza, de entre as quais salientou o gasto de trezentos mil euros na comemoração do seu vigésimo segundo aniversário em Cascais(?), local que escolheu para morar, Judite de Sousa tentou aplicar-lhe uma espécie de justiça popular. Sem questionar a genuína revolta da apresentadora ficou a dúvida das suas motivações mais profundas. Acresce que o rapaz sendo rico não é burro, como pareceram ser as expectativas da justiceira, nunca perdendo a calma, mantendo mesmo uma pseudo humildade, mascarada de simpatia misto de atrapalhação, sarcasmo e ironia, frágeis é certo mas não esquecer que se tratava de um puto perante uma das mais temidas entrevistadoras cá da terra. Face aos sucessivos insultos soft de parolo, vaidoso, arrogante e fútil o menino lá se foi defendendo e mesmo passando uma imagem de vítima de uma feroz, descontrolada e mal educada diva da televisão portuguesa, que é manifestamente injusta para a senhora mas para a qual se pôs muito a jeito, desperdiçando ingloriamente, pela sua evidente natureza individualista, a degola de um exemplar perfeito dos resultados geracionais da educação superprotetora e altamente previligiada de muitos daqueles que vão dominar o mundo, e a que muitos daqueles que a criticaram desejavam assistir. Com mais ou menos estudos, sem ou cem tatuagens, o espírito é, muitas vezes aquele, substimá-los dá naquilo, o comentário compreensivo e apaziguador da vítima, e o linchamento público da besta.

 

A justiça pelas próprias mãos tem na sua origem uma vontade de vingança que assenta num caráter essencialmente individualista. O partir a louça toda, armar a maior das barracas, envolver todo o mundo numa qualquer contenda, revela um espírito aberto à comunidade, à decisão/ação partilhada, logo sujeita a escrutínio. Qual dos estilos é mais eficaz é uma discussão secular, e entre os dois tem navegado a humanidade: ignorância/conhecimento; socialismo/liberalismo; esquerda/direita; Kant/Nietzsche; humanismo/individualismo, etc.. Perceber que a liberdade, enquanto valor fundamental na existência humana, é algo que está dentro da cabeça de cada um, parece-me um grande passo para aceitar qualquer um dos caminhos. 

 


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semtelhas @ 13:20

Dom, 18/08/13

 

Dizia Clarice Lispector no seu livro Um Sopro de Vida que para se ser um verdadeiro escritor é preciso conseguir levar as coisas até ao fim começar e acabá-las caso contrário não se passa de um confortável observador lateral mero anotador e crítico dos factos que vão passando em frente estes Joy Division são realmente os percursores de toda aquela gente que veio a seguir em Inglaterra dos Talking Heads até ao Cure já o Saramago com este seu estilo sarcástico de palavras muito bem escolhidas e temas que sabe fraturantes como este da vida para além da morte suporte fundamental das religiões como ele brilhantemente glosa nas Intermitências da Morte o que seria das religiões se não houvesse morte? e das funerárias? e dos hospitais? claro que a Clarice escreve aquilo quase se pode dizer em desespero de causa porque sabia restarem-lhe poucas semanas dias? de vida e escreve este maravilhoso fluir de pensamentos extremos quase já mais para lá que para cá que gostaria imenso de entender na sua planitude porque acho que se o conseguisse era como como ela diria vislumbrar a resposta ou a sua melhor possibilidade cada vez mais me convenço então lendo este Joyce! que era pura verdade aquela coisa de necessidade absoluta de escrever para existir nem que seja como também o refere Clarice fazer uma descrição exaustiva mais ou menos rigorosa de uma natureza morta de uma pessoa do espaço circundante ausência quase total de tecidos sobre a forma de cortinas paninhos em cima dos moveis só o lençol branco ainda bem esticado e as almofadas a chamar por mim ao lado a porta de dois metros e meio só vidro preso ao aluminio limpo há pouco tempo por mim já limpei os outros todos esse tens que ser ameaçou ela lá fora porque a casa fica num topo só telhados laranja pretos poucos e céu e andorinhas em frente mesas de madeira dessa cor com televisão dvd este computador onde escrevo as colunas com os Cure lá dentro ao lado a porta e a grade protetora das escadas para baixo ou para cima se se está na cozinha do outro lado o armário embutido de três portas tudo de madeira envernizada a toda a volta a parede beje pintada há dois anos pelo Afonso Henrique como todo o resto da casa por dentro mas não o branco e preto das ferragens por fora porque demorou na resposta e arranjei mais barato mas não menos bom chocou-me quando da varandita do escritório aqui ao lado olhei para a rua lá em baixo a rua e ele pretificado a ver os andaimes paredes acima e outros a fazer o trabalho dele ó sr. Afonso pensei que o sr. não ía querer fazer a obra por eu lhe ter dito que achava caro e ele e agora o que faço à tinta que já comprei e os meu olhos a responderem-lhe não comprasses nunca mais me respondeste e na cara dele isto é só o desespero e para te agredir com alguma coisa e lá foi e eu poupei umas centenas e se calhar perdi um amigo ou se calhar não o Joaquim também me parece gente boa no outro topo a primeira cama comprada com as minhas poupanças mais de trinta e três anos atrás mais uma cómoda uma mesa e quatro cadeiras tudo Olaio o melhor! tinha razão o Macedo quase só um caixilho com um pequena cabeceira sempre madeira ainda as cadeiras ambas giratórias a preta do computador em tecido herança do meu filho a outra de napa castanha que se falasse! era da sala de reuniões da empresa onde aprendi quase tudo sobre o mundo do trabalho entre os vinte e os trinta anos ela estava lá e viu muito outra herança heranças! um conjunto sólido sóbrio limpo uma certa continuidade nas tonalidades na música na escrita tudo ou muito culpa do James Joyce e desta longa viagem que agora termino e que revisitei e sobretudo redescobri trinta anos depois outra pessoa a ler os mesmos livros Retrato de Artista Quando Jovem e Ulisses agora outros livros definitivamente diferentes hoje e se calhar também daqui a uma década como seria interessante anticipar essa futura perspectiva.

 


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semtelhas @ 13:39

Sab, 17/08/13

 

 

 
 

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semtelhas @ 12:12

Sex, 16/08/13

 

O miúdo tem oito, nove anos, está dentro de um divisão decorada ao estilo clássico, tudo de grande qualidade e beleza, é magro, cabelo liso preto, molhado e bem penteado, veste uma camisa branca com folhos e calções de veludo verde escuro, em cujo bolso tem uma das mãos que se mexe. Está ligeiramente curvado para poder espreitar pelo buraco da fechadura de uma porta fechada. Observa uma mulher jovem que, aparentemente, troca de roupa. Tem cabelos castanhos compridos que lhe caem em grandes caracois. O cenário é dentro do mesmo estilo mas agora de um quarto de dormir. Começa por se deter no rosto dela, sobrancelhas fortes, para mulher, escuras, os olhos que vão deslizando sobre o seu próprio corpo enquanto se despe, são rasgados e de um azul esverdeado que quase impossibilita o deixar de fitá-los, os lábios entreabertos são carnudos e estão ligeiramente húmidos, o que mais realce o vermelho vivo que os faz sobressair na alvura do belíssimo rosto redondo. Recostada num canapé vai-se libertando das roupas oferecendo ao olhar do rapaz a perfeição de um corpo onde todas as curvas, montes e vales raiam a perfeição, seios grandes mas firmemente erguidos, coxas sólidas, elegantes, no meio um triangulo negro, bermudas da perdição, que se adivinha macio e acolhedor, destino de epifanias, euforias e, por fim, climax, que tiveram origem em demorados passeios tateis e gustativos, ao longo de uma pele alva de seda, coberta por uma quase impercetível penugem igualmente escura. Súbitamente, com um sorriso no rosto onde se misturam o angelical, a lascívia, o convite, a ingenuidade, numa palavra, a malícia, toda a malícia do mundo, fixa firmemente o olhar no buraco da fechadura no qual está o objeto da sua exibição, que, atrapalhado, foge rápidamente.

 

 

 

 

Não posso afirmar com toda a certeza que as coisas acontecem assim, mas é como a minha memória as guardou. Trata-se de uma sequência de um filme italiano, dos anos setenta, Malícia, que teve como atriz principal essa verdadeira deusa que era Laura Antonelli. Lembro-me vagamente que desempenhava o papel de madrasta de um rapaz membro de uma família rica que vivia num palacete, durante a sua infância/adolescência, com os resultados que o conjunto de cenas que descrevo ajuda a adivinhar. Ou talvez não, na verdade do que tenho a certeza é que vê-lo muito me disse e infuênciou sobre conceitos como a paixão, a sensualidade ou o erotismo, de como pode ser fantástico o poder da imaginação, um milhão de vezes melhor que esta espécie de pronto a consumir, que também nestas questões hoje impera e tanto vulgariza algo tão importante na vida como é o sexo.


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semtelhas @ 11:37

Qui, 15/08/13

 

 

 

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semtelhas @ 14:44

Qua, 14/08/13

 

Vale mais uma imagem que mil palavras, é uma máxima muito antiga que, ao longo dos tempos fez escola, enraízou-se, e hoje é posta em prática a um ponto tal que práticamente domina todo e qualquer conceito que se possa ter seja do que fôr, ou quase.

 

Lado a lado com esta espécie de ditadura, suportando-a, a estética foi-se implantando como variável decisiva em todos os quadrantes da vida daquelas que são consideradas as populações desenvolvidas e em vias disso.

 

Todo o fenómeno obedece a uma série de lógicas cuja variável dominante é, como não podia deixar de ser, a conquista do poder, em todas as suas formas, político, militar, social, etc..

 

Não é portanto por acaso que, completamente reféns de um avassalador mundo visual, tendemos a fazer juízos de tudo e mais alguma coisa baseados exclusivamente na aparência do que nos é dado a ver.

 

Dos perigos, da fragilidade, da efemeridade e potencial exposição ao erro a que tal atitude pode conduzir, já foi quase tudo dito, mas lá está, pouco terá sido realmente ouvido. Vai ser preciso insistir talvez utilizando as armas do inimigo, por imagens.

 

Ou talvez não. Desde há muitos anos que ouço na TSF um programa, Pessoal e Transmissível, que tem tudo para ser a tal arma eficaz nesta dura luta contra o domínio das aparências, tão nefasta para todos nós, mau grado a importância vital que tem na economia de hoje via consumismo. Não faço ideia dos níveis de audiência que tem, mas para durar tanto tempo acredito que seja um sucesso. Para além da qualidade intrínseca daqueles três quartos de hora, que já foram diários e passaram a semanais, garantida pela excelência do moderador, Carlos Vaz Marques, e dos convidados que entrevista, e aqui ocorre-me perguntar, quem verdadeiramente interessante não foi lá? o segredo e autêntica alma daquilo reside no facto de não ver-mos os intervenientes. As palavras, quase invariávelmente riquíssimas, são completamente absorvidas sem qualquer espécie de distração menor, um consolo altamente enriquecedor. Diria que quem conseguir apreender os ensinamentos de boa parte dos sábios de todo o mundo que por lá passaram, cientistas, escritores, políticos, economistas, humoristas, atores, cantores, historiadores, músicos, desportistas, cineastas, bailarinas, etc., etc., etc., ficará apto para enfrentar o dia a dia de forma que faça valer a pena vivê-lo, construtiva, positivamente e no respeito pelo outro.

 

 

 

 

Sempre que vejo Carlos Vaz Marques noutro programa da TSF, Governo Sombra, mas quando televisionado pela TVI, constato da durante anos adquirida, enorme bagagem sociocultural do homem, indispensável para domar feras como Ricardo Araújo Pereira e Pedro Mexia, mas também de como era incomensurávelmente mais importante transmitir a sua entrevista, exemplo entre centenas possíveis, a Tolentino Mendonça no Pessoal e Transmissível, a última que ouvi. Mas assim mesmo, simplesmente duas pessoas a conversar, desprovida de qualquer artefício, com todo o seu cinzentismo, porque não mesmo a preto e branco? Seria aproveitar a forma para passar conteúdo. Enfim é uma pena. Até lá (?), resta-nos a alegria da limpidez das ideias e sabedoria de vida das vozes na rádio.

 


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semtelhas @ 15:09

Ter, 13/08/13

 

- Um dia, sem que se saiba porquê, os primatas tornaram-se monogâmicos - Correção: um dia, pelas razões que todos sabem, os primatas resolveram convencê-las que se tornaram monogâmicos.

 

- Chegou o hamburger proveta - Parece que é um bocado desconsolado, sem sabor. Mais um produto a juntar-se ao universo da, já com barbas, comida de plástico, viva, esse sim, o alimento do futuro: o molho.

 

- Português descobre medicamento para curar obsessões - Sempre notável, mas também beneficiou do ambiente mais adequado para o fazer, entre benfiquistas da capital, comedores de caracois e leitores da Bola

 

- Foi erradamente anunciada a morte de Mikhail Gorbachev - Ele há homens que estão vivos e dizem-nos que morreram, outros que morreram e dizem-nos que estão vivos. Só o Fidel foram dezenas de vezes, e o Mandela é o que se vê. Notícias francamente exageradas.

 

- Uma juíza dos EUA proibiu o nome Messias para um recém nascido porque, diz, com esse nome há só um - Então o Maomé e o Buda? E o antigo jogador de futebol? E o meu vizinho do rés do chão dto.? Alguém informe a senhora.

 

- Pais Jorge foi atirado aos lobos num briefing do governo - Isso ainda foi o menos, até porque merecido, o pior deve ter sido ter que levar com aqueles dois novos exemplares da tecnocracia governamental, Maduro & Lomba, algures entre o queque, o blasé e os meninos prodígio, mas sempre com penteados à foda-se. Tão firmes, porém de olhar doce, tão implacáveis e claros quanto harmoniosos no dizer. Só que ouvi-los é igual a zero.

 

- Livro Cinquenta Sombras de Grey potencia e perpetua violência sobre as mulheres, diz um estudo - Não sei, mas por alguns trechos que li, aquilo vive muito disso mesmo, do há séculos chamado sado-masoquismo. Acresce que vendeu como pãezinhos quentes. E agora?

 

- Para conquistar votos primeiro ministro norueguês foi motorista de táxi durante um dia - Se quiserem fazer o mesmo por cá, é aconselhável o candidato mandar construir uma viatura ao mesmo fabricante dos carritos que transportam o Obama, máximo conforto para o ocupante, ultra isolamento do motorista.

 

- Mourinho disse que o verdadeiro Ronaldo é o brasileiro - O homem ás vezes nem quer, mas as coisas saem-lhe...pela boca morre o peixe, pela conversa o Mourinho. O problema é que a treta está para ele como o trunfa estava para o Sansão, o da Dalila.

 

- Começam a vulgarizar-se as Cristotecas para atrair juventude para a igreja - Boa música é importante, corpo do dito também, mas o sangue, esse, vai ter que ser com fartura, de todos os grupos, leia-se géneros e feitios e, santíssima paciência, muito frio ou com gelo.

 

- Cada vez há mais polvo nas costas portuguesas - Se fossem só os cefalópodes nas águas do mar! O problema são os tentáculos nas costas a vergar, na carteira a roubar, na boca a calar, nos braços a amarrar e nos corredores do poder a multiplicarem-se para dominar os portugueses.

 

- Portugal, o país dos call-centers- Gostamos de dar à lingua, de falar ao telefone, e ainda se ganha algum! E assim vai baixando o desemprego, à força de salários abaixo dos 300€. De vitória em vitória até à derrota final. 

 


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"O medo de ser livre provoca o orgulho de ser escravo."
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