Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer
Excerto do poema "Pergunta-me", in Raiz de orvalho.
Lindo, lindo.
- O vereador responsável pelo pelouro da educação da Câmara de Matosinhos diz que não há qualquer relação causa/efeito entre os desacatos provocados por um rapaz de quinze anos numa escola e a morte, logo a seguir, de um vigilante que tentou acalmá-lo. Pois não! Essa agora!
- Quanto mais os homens ajudam nas tarefas caseiras menos sexo praticam. Agora, em vez de dizerem que lhes doi a cabeça vão ronronar, não queres aspirar a sala amor?
- Ana Malhoa disse que não é uma romântica nostálgica. Bem me queria parecer!
- Os casados correm menos riscos de sofrerem ataques cardíacos. Pois se a coisa exige tanta resistência quanto uma maratona diária!
- 72% dos portugueses não paga a totalidade das contas ao fim do mês. A esta hora o Gasparzinho já pôs um batalhão de assessores dos que ganham dez mil euros/mês, a descobrir onde estão mais 25% (os três que faltam conhece-os bem) para os f..
- Hoje é publicada uma fotografia do pricípe Carlos de Inglaterra a andar de metro pela primeira vez em mais de trinta anos, onde ele aparece sentado todo escarrapachado numa postura de jovenzinho pouco confortável na sua pele. Bem me parecia que o cenário é essencial para aquela gente.
- Lucros do BPI ascendem a 250 milhões. O homem ao menos é sincero. Ainda ontem Ulrich reafirmava que nós aguentámos, aguentámos. Ele, entretanto, vai enchendo a mula.
- Portugal tornou-se o quarto maior exportador mundial de tomate concentrado. Pudera! Da maneira que nos estão a esmagá-los!
- Karanka, treinador adjunto do Real Madrid, diz que o Real e o Barcelona são equipas muito niveladas. Ainda bem que este não tem que assentar tijolo. O pior cego é o que não quer ver.
- Esta semana fecharam mais de cinquenta salas de cinema em Portugal. Também para que é que são precisas? As televisões do pão e circo são mais que suficientes para entreter o povo. Estão a conseguir o que querem.
- O Alberto da RTP já fala em despedimento coletivo. Vem aí a vingança do amigo Miguel. Já sabia que o homem era Ponte, o que não desconfiava era da dimensão. Aquilo é um auto-estrada!
Atualmente poucos conseguirão imaginar António José Seguro como primeiro-ministro. Ou, no minímo, convenhámos que é um exercicío que exige algum esforço.
A arte da conquista do poder político é apaixonante para muita gente, sempre o foi, basta dar uma volta pela comunicação social para o perceber tal é a profusão de opiniões sobre a matéria. Pessoas tão reconhecidamente inteligentes como António Vitorino, Marcelo Rebelo de Sousa e Miguel Sousa Tavares, mesmo descontando o facto dos dois primeiros estarem ligados a partidos políticos, são disso exemplo pelas não poucas vezes que se deixam iludir pela forma, desvalorizando o essencial conteúdo dos assuntos que abordam.
A história política recente de Portugal, desde a revolução de 1974, é fértil em episódios que resultaram em soluções completamente inesperadas. A condição sempre presente nessas ocasiões foi o país estar a viver um estado de exceção. Neste momento vivemos essa circunstância e, por isso, acredito que o menu de escolha eleitoral que se apresenta aos portugueses consiste num conjunto de opções que, pela sua complexidade, não facilita a escolha dos candidatos a lançar pelos partidos.
Nesta equação que representam as eleições autárquicas e as legislativas talvez seja de fixar desde logo a variável perdedor das primeiras, o PSD. Partindo desse pressuposto cabe ao PS escolher quem vai capitalizar essa vitória na luta que verdadeiramente interessa, qual o seu candidato a primeiro ministro em 2015. Acredito que o congresso socialista a acontecer após essa que se adivinha uma esmagadora vitória nas autarquicas, irá reforçar decisivamente AJS, até por que abafa o mais que certo sucesso do camarada em Lisboa. Se o congresso for realizado antes, e como o secretário geral socialista o ganharia de qualquer maneira, resultará numa vitória imediatamente desvalorizada pelas autárquicas no horizonte, António Costa a delas sair em ombros, e, consequentemente, ainda com quase dois anos pela frente, atacar a liderança do partido, e do país, ascendendo o seu vice a presidente da câmara.
Os partidos da coligação que governa já deram como perdidas as autárquicas, até por contam com a habitual alternância nas escolhas dos eleitores, mas definir quem deve apresentar-se às legislativas não parece tarefa fácil no caso da PSD. Acredito que mesmo que lá para o ano começam a dar alguma folga no cinto ao qual tanto furos nos têm obrigado acrescentar, as caras da austeridade terão sempre que ser sacrificadas e, mesmo assim, o candidato a líder terá que ser uma personalidade muito forte, quase indiscutível naqueles aspetos hoje considerados mais importantes, dos quais destacaria ser de confiança. Nos partidos do poder ainda não chegou a hora, públicamente, de contar espingardas, quando chegar parece-me que, se quiser, Rui Rio será o candidato com mais hipóteses.
Uma vez feita a dissertação a propósito deste autêntico jogo de xadrez sobre o tabuleiro da política nacional, tão ao gosto dos teóricos e na maior parte das vezes mortalmente ferido de inocuidade, sempre direi, num esforço de dar conteúdo à coisa, que de calculistas tipo Costa ou Rio, à semelhança de António Vitorino (a saudosa Constança) se calhar vão ficar-se pelas contas de cabeça, estou cansado. Não estaria na hora de dar oportunidade ao aparentemente mais inSeguro mas também genuíno, puro e bem intencionado candidato?
- A Opus Dei, aquela seita religiosa onde reza, por exemplo, o Jardim do BCP, esse poço de virtudes, proibiu aos seus acólitos a leitura de mais oitenta livros, entre os quais figuram alguns do Saramago e de Lídia Jorge. Onde está o espanto?
- Em França o casamento entre, e a adoção de crianças por, casais homossexuais, está a ser muito contestada. Caramba! Não sabia que os tentáculos da Opus Dei chegavam tão fundo no país da Liberdade, Igualdade e Fraternidade!
- No Afeganistão um pai vendeu a filha de seis anos de idade para ganhar um até poder pagar uma dívida de 2000 dólares. O pior é que se alguém fosse lá agora a correr dar-lhos, o mais certo seria ele gastá-los em tudo menos para pagar a dívida.
- Sara Carbonero, a namorada do guarda redes do Real Madrid, disse publicamente que há mesmo problemas no balneário entre os jogadores e Mourinho. Oxalá o Casillas não utilize a namorada para lhe resolver todos os seus problemas.
- Miguel Graça Moura foi condenado a cinco anos de prisão com pena suspensa. Um homem já não pode comer caviar e beber champagne ao almoço, ao jantar e à ceia, dormir nos Four Seasons deste mundo, ou comprar lingerie a preços pornográficos, só porque quer presentear com o melhor potenciais amigos de Portugal. Uma vergonha!
- Foi criada a primeira Igreja do Heavy Metal, em Londres, por entre esgares de admiração e olhares reprovadores. Pois se já era uma religião...
- O tribunal da EFTA, organização mundial da qual a Islândia faz parte, deu razão a este país contra a União Europeia a propósito da sua recusa de devolver os depósitos aos especuladores do Reino Unido e Holanda, perdidos aquando da falência do banco onde tinham sido feitos. Ai jesus se isto faz jurisprudência!
- Sempre que se quiser saber o dia em que o Benfica perdeu o primeiro lugar no campeonato, é só confirmar que o clube que acabou de o conquistar ou não aparece na primeira página de A Bola, ou é remetido para o seu canto mais escuro. Nunca falha.
- O pessoal da TAP e da CGD foi poupado aos cortes salariais anunciados como para todos. Também se compreende, aquilo é tudo malta a ganhar entre os quinhentos e os setecentos euros por mês.
- Hoje Lisboa acordou debaixo de um forte cheiro a enxofre. Deve ser o ambiente que está a ficar saturado tais são os níveis de vaidade, presunção, arrogância e prepotência por metro cúbico. Aceitam-se sugestões para desinfestação.
Não resistiram à pressão generalizada e, percebendo que seria demais, provávelmente a estocada final, que inevitávelmente se viraria contra eles como avisadamente os mais sensatos de entre as suas fileiras adivinhavam, desistiram da anunciada destruição da RTP.
Ainda assim não nos livrámos das incontinências dos vaidosos do costume, Laurel e Hardy da (baixa) política portuguesa, Relvas e Borges, os quais, cada um no seu estilo destilaram mais uma vez veneno e ressabiamento, o que só vem provar um mau perder de batoteiros. Que haviam boas oportunidades para privatizar a RTP e que já não é preciso mais austeridade, dizia no mesmo dia que o governo anunciou desistir da privatização daquela, António Borges, um Grilo Falante ao contrário, a má consciência deste executivo. Estará o homem doente? Se fôr o caso melhor seria que se centrasse na recuperação que, sinceramente, lhe desejo. Já à noite, o Relvas esfalfava-se todo durante o telejornal, debitando desajeitadamente um chorrilho de desculpas, enquanto a sua linguagem corporal gritava frustação e amargura, por ter que desistir daquele que tinha sido o seu cavalo de batalha e mais forte razão para se manter no poleiro que ocupa. O que falta para o misturar no galinheiro comum?
Anunciam agora uma restruturação num tom de ameaça lamentável e que não promete nada de bom. O nosso primeiro ainda ontem se apressava a dizer que a mesma já estava em curso, o que é evidente, o problema é que agora tem à perna o adjunto encarregado do assunto, de freio nos dentes e, como ele muito bem sabe, menino para lhe acrescentar mais problemas aos muitos que o afligem. Será que a sua cada vez mais notória teimosia, não o vai deixar ver que manter o dito no governo é conviver diáriamente com uma espécie de bomba relógio?
Entretanto o que tem sido dado a ver da nova grelha de programação da RTP1 é claramente positivo, sobretudo pela aposta no que é nacional sem serem estupidificantes telenovelas. Independentemente da menor qualidade aqui e ali, a verdade é que, como se diz em linguagem futebolística, só jogando se pode evoluir. Ao longo de décadas foram dadas várias falsa partidas aquando de tentativas deste género. Esperemos que esta seja para valer. Uma aposta continuada em programas baseados em assuntos importantes da nossa história enquanto país, ou de matérias que tenham haver com questões intrínsecas à sociedade que somos, qualquer abordagem que, para além do entretenimento, tenha como pré ocupação o cuidado de tratar temas que promovam o bem estar da população a médio/longo prazo. Condição indespensável para pode ser considerada um bem público, digno desse nome e merecedor do dinheiro que todos nós com ele gastamos. Quanto à RTP2 continua no segredo dos deuses aquela que será a sua nova programação.
Esta última questão pode indiciar o objetivo, de momento inconfessável, de, mais cedo do que agora pode parecer, privatizar um dos canais da televisão do Estado. O que não tem que ser necessáriamente mau, porque se calhar a nossa dimensão enquanto audiência televisiva não permite mais que um canal público, mas, dirão os privados, suportará três privados? Direi que para os portugueses importa sobretudo pagar o menos possível pela melhor televisão pública que lhe possa ser oferecida. Quanto ao resto deverá ser, aqui sim, o mercado a mandar. Porque que é que as televisões privadas hão-de ser artificialmente protegidas?
Enquanto Portugal fôr dominado pelos maiores grupos de influência, a solução encontrada para resolver os problemas passará sempre por sobrecarregar o pagode, o que a longo prazo, sempre se vem a verificar não resultar. Um ciclo vicioso. Será desta?
Os três principais jogadores que representaram o Sporting na última meia dúzia de anos, entrassem no Estádio de Alvalade equipados de azul e branco isso era...encontrar o norte.
Há uma longa história de transferências entre o FC do Porto e o Sporting, nem todas amigáveis como tem acontecido ao longo dos últimos anos, lembro-me do Damas (que acabou por ser desviado para Espanha pelo caminho), do Diniz e, claro, do Futre, para além de outros. Em sentido contrário de Jaime Pacheco, Sousa, Gomes, Oliveira...
O que parecia caracterizar as operações de trocas que depois os clubes combinaram numa espécie de pacto de não agressão, era um certo equilíbrio de valores, pelo menos à partida, já que depois, não raramente, ficava a sensação de que o FCP tinha ficado a ganhar...só que aí já estava a entrar o fator clube e o seu modus operandi a influenciar. Mas nunca tinha acontecido esta circunstância de mudarem de emblema tantos jogadores, de tão marcada importância de um clube para o outro. João Moutinho, Izmaylov e Liedson foram, durante algumas épocas, a espinha dorsal do Sporting do meio-campo para a frente.
Esta será talvez a prova mais evidente da distância que cada vez mais separa os dois clubes no que a poder, importância e notabilidade diz respeito. O que se no caso do FCP é ótimo, na caso dos leões é péssimo. O Sporting é uma instituição muito importante em Portugal pelo que faz e fez no mundo do desporto. Particularmente no atletismo, mas também na formação de futebolístas, basta lembrar, Futre, Figo, Ronaldo, Quaresma, só para nomear os mais sonantes. Depois acresce que Lisboa é uma cidade demasiado grande, com uma massa critíca mais que suficiente para ter dois clubes de topo, assim as benesses não caiam sempre para o mesmo lado.
Por muito que o orgulho portista inche ao perceber o olhar de satisfação nestes exSCP por sentirem ter encontrado o norte, o rumo certo, em busca do sucesso perdido, bem como da cada vez mais firme aposta, que já vem de há longos anos com resultados decisivos, na opção por jogadores de inteligência óbviamente acima da média, essencial num jogo que muito beneficia se desempenhado enquanto equipa, o bom senso aconselha a existência de mais um clube forte no sul, igualmente mais um no norte, para que o futebol nacional mantenha a competividade que lhe garanta uma sobrevivência saudável.
Mas não vai ser caindo na armadilha montada pelo vizinho do lado, envenenando a massa apoiante dos leões fazendo-a crer que o principal beneficiado pelo desnorte que grassa entre os sportinguistas será o FCP, quando realmente será o SLB (sábia a ardilosamente liderada pelo pasquim A Bola), ou acusando profissionais que procuram evoluir, chamando-lhes maças podres, indignos ou traiçoeiros, que vão resolver o problema.
Argo o nome por que ficou conhecida a operação de resgate de seis norte americados, dos EUA, do Irão em 1980, mantida em segredo até Bill Clinton a ter tornado pública, e assim possibilitado que tenha sido realizado uma ficção com o mesmo título.
Raramente se terá feito um filme com este tipo de conteúdo sem que na ação central do argumento, o resgate própriamente dito, e até durante toda a fita em geral, tão pouco se tenha recorrido a cenas de violência, nem tiros, nem explosões, nem lutas corpo a corpo, práticamente nada, quase exclusivamente cerebral. Este facto já seria notável se atendermos ao sucesso que obteve, mas é muito mais.
Cameça por dar um enquadramento histórico dos acontecimentos totalmente honesto, colocando desde logo os EUA na posição nada simpática de explorar um país durante quatro décadas, por via de lhe impôr um líder fantoche, não mais que lacaio defensor dos seus interesses, que vivia como autêntico nababo enquanto a população definhava, e quem tentava reagir era destruído às mãos da polícia que o protegia. Quando, inevitávelmente, surge o salvador, os excessos passam para o outro lado da barricada.
É neste cenário que a ação decorre, onde a mistura entre a fição e imagens reais daquela época resulta na perfeição, o que é fácilmente verificável. e admirável, pela semelhança entre ambas. Um trabalho excecional, ainda assim superado pela mestria como a questão da utilização de Holywood na operação é conseguida. A ideia original, e real, de recorrer aquilo em que os EUA são mais fortes, lado a lado com a sua força militar, aqui descartada em favor do mundo do faz-de conta foi genial. A forma como o realizador faz a sua adaptação para este filme, desmontando esse universo poderoso mostrando-no-lo como se de um titubeante castelo de cartas se tratasse, ficção em toda a linha, mas extrordináriamente eficaz se bem gerido, aplicanco este mesmo efeito à ação do resgate é fabulosa. Para além do mais empresta ao filme um ambiente de suspense elevadissímo.
Quase duas horas eletrizantes onde não somos dispensados, bem pelo contrário, de raciocinar, enquanto assistimos a um relato que procura ser honesto e verosímil em todos os sentidos, sobre uma das mais espetaculares operações de resgate de que há memória.
De filosofia, ou de uma nova filosofia, como poderei sabê-lo ignorando tanto sobre a matéria, a obra O Homem Sem Qualidades, de Robert Musil.
Assenta na perfeição nesta obra aquela que é, talvez, a mais forte luz que ilumina o caminho de quem sinceramente se atreve a questionar o mundo que o rodeia, Só Sei Que Nada Sei. Poderoso motor de busca de respostas movido pelo perguntar sistemático, a dúvida metódica, que resulta na descoberta de que o aumento do conhecimento, mais que tudo, conduz à descoberta de mundos cada vez mais infinitamente maiores, ou mais pequenos, e à irremediável conclusão do, numa razão diretamente proporcional, crescer da ignorância.
Musil escreve esta obra entre os anos que antecedem a I Guerra Mundial e os que antecedem o final da segunda. Um devir ao longo de mais de três décadas, práticamente toda a sua vida adulta, durante as quais escreve mais livros, todos eles bem diferentes deste que quase se pode entender como um ensaio que tem por cenário a própria vida. O ambiente que envolvia aqueles tempos, tal como todos os anteriores a grandes conflitos, seus arautos, era propício ao questionar todo o tipo de valores reinantes à época. Fosse nas relações entre os países europeus, porque é exclusivamente destes que trata, ou na relação entre as pessoas que estão na base daquelas. O escritor fá-lo, literalmente, vagueando entre os pensamentos mais rigídos ou mais libertários sobre o funcionamento da sociedade e, em paralelo, aborda essas mesmas duas grandes dimensões aplicadas ao comportamento humano.
Se no caso do pensamento coletivo se vale sobretudo de todo o caldo de acontecimentos que estão na origem e resultam na primeira grande guerra, e que acabam por explicar boa parte da que virá a acontecer duas décadas mais tarde na segunda, já quanto às relações humanas começa por dissecar as motivações e interações entre as pessoas de um grupo que, sem errar muito, se poderá chamar de espécie de balão de ensaio do que viria a acontecer alguns meses depois, em 1914, com o início da guerra. Se alguma coisa falha naquele ensaio é a não representação no mesmo da classe mais baixa, e também muito mais numerosa, da população. Mas, em boa verdade, o que é que essa têm haver com o desencadear das guerras? Limita-se a sofrer-lhe as consequências.
É nas razões mais profundas, obscuras, desconhecidas ou inconfessáveis do comportamento humano, das quais resultam todas as outras tomadas em grupo, que Musil mais se detém. Para além do já mencionado grupo de ensaio, é principalmente explorando profundamente o relacionamento pouco convencional entre entre dois irmãos, um homem e uma mulher, e a vida de cada um deles em separado, que explica o desenrolar dos acontecimentos que, durante aquele período, vieram a resultar no que aconteceu na Europa. Se há algo que está sempre presente ao longo dos três volumes que compõe esta obra é o sexo, ou o poder deste, cobrindo-a assim com um manto de sensualidade que a alimenta e convida à sua leitura. Mas também os costumes, religião, loucura, área particularmente estudada, a vida militar e da alta sociedade, etc., são aqui largamente abordadas.
O autor mergulha de tal maneira nos seus labirínticos raciocínios, que teria sido de grande utilidade se alguém metesse ombros à ciclópica tarefa de sistematizar tudo aquilo e, se calhar, dar corpo a uma nova forma de pensar o ser humano.
A chuva era intensa
O vento fustigava
A vontade imensa
Muito a suportava
Um ou dois comigo
Bicharada nem vê-la
Pena, o medo antigo
Não a viver, temê-la
Haverá maior prazer?
Enfrentar, me misturar
Esquecer o sofrer
A mãe natura amar?
Sentir a natureza
Partilhar da fúria
Observar a beleza
Devastação espúria
Com a destruição
Seguida da calma
Chega a salvação
E a paz na alma
Lutam os elementos
Cega-nos a areia
São só unguentos
Já antiga panaceia
Dificíl seguir o trilho
Encontrar o caminho
Talvez só pelo brilho
Aquele ser o destino
Vem o sol, sabe a sal
Escondido, acordado
Foi-se todo o mal
Pela tareia lavado
Retemperador cansaço
Só na pele magoado
Renascer cada pedaço
Do querer recuperado
Na contenda, pela luta
Desperta emoção, alegria
Rija, saudável disputa
Pela vontade que morria
Os dos Big Brothers televisivos. Aparentemente muito distantes daqueles que aterrorizam as populaçóes urbanas e, no entanto, tão perto.
Alguns factos a que tenho assistido últimamente, a sentença de inocência atribuída aquele indivíduo que se auto-intitulava o estripador de Lisboa, ter visto o filme Gran Torino, essencialmente sobre gangs de jovens com ascendência oriental nos EUA, e uma corrente mais ou menos generalizada de cerradas críticas negativas ao programa da TVI, Casa dos Segredos, deu-me vontade de espreitá-lo ontem à noite.
Uma casa a berrar cor e plástico, um conjunto de rapazes e raparigas a condizer com o cenário, um estúdio gigantesco onde as massas em geral pedem sangue, os familiares dos belos exemplares sofrem, e uma entretainer, estilo chefe de pista de circo, que ora brande o chicote ora abana as plumas, são ou estão como que embrulhados numa série de monólogos e diálogos onde, em muito perto de 100% dos casos, o assunto tem a haver a interação fisíca bastante intensa entre os habitantes da casa. Toda a matéria que ultrapasse estas questões resume-se a sentimentos, digamos, epidérmicos, cíume, traição, desejo, fome, sono, moda, futebol, engate, doença, etc.. Sempre que surge a tentação de meter por ali algum raciocínio que roce o abstrato, a animadora logo trata alterar o rumo da conversa à velocidade diretamente proporcional com que sabe os espetadores mudam de canal.
As sociedades desiguais sempre geraram estes subprodutos sociais, vitimas da espiral de consumo cuja força centrífuga atira para as margens. Particularmente os bandos de marginais que desde há muito vivem da violência que exercem sobre as populações. Mais recentemente, em plena era da comunicação, os requintes de malvadez chegam ao ponto de se ir recrutar ás fileiras do povo, pessoas até aí, pelo menos na maior parte dos casos, completamente inocentes, em todas as facetas do termo excluíndo óbviamente em ambição no sentido mais básico do termo, expô-las numa espécie de aquário onde vão desempenhando um papel em que o lado mais crú daquilo que todos somos é abanado como cenoura à frente do focinho dessa besta que é a audiência. Que, como o prova estar sempre à frente nas tabelas dos programas mais vistos, chafurda alegremente. Tudo orquestrado por especialistas, atrás e à frente das câmaras, sendo que no caso de quem dá a cara se trata de um género de refugo, no sentido moral do termo, já que funcionam com as pessoas como de coisas se tratassem, sem o mais tímido pingo de vergonha, bem pelo contrário.
Assisti religiosamente ao primeiro Big Brother. Não obstante a anos luz do que vi ontem, apesar de tudo os artistas e toda a máquina que os rodeava, eram bem mais autênticos, já dava para temer o pior uma vez acertadas certas variáveis. Mesmo assim um dos participantes acabou a atuar num gang, e o Zé Maria só não deu num magnífico capo, miolos não lhe faltavam, porque fisícamente muito frágil. Ainda ontem, na hora da despedida, uma das raparigas andava para ali desesperada porque o namorado acabara de sair. Ao fim de algum tempo, fruto do isolamento, aquela gente multiplica qualquer pequena questão por cem. Se a isso juntármos a evidente fragilidade e falta de preparação para lidar com emoções, e o constante acirrar por quem está a vender o produto, não me parece que aquelas pessoas tirem algo de positivo daquela experiência. São abertamente utilizadas como mercadoria que se deita ao lixo (ou coloca na prateleira) quando é dispensável, não desempenhando um papel mas sendo elas mesmas, aí residindo a alma e, por isso, também o risco da coisa. São despidas, por vezes literalmente, em frente de centenas de milhar de pessoas, diáriamente. Não acredito que isso seja saudável para alguém.
Uma vez longe das luzes voltam para as suas vidas, agora já não sentidas como normais, mas muito mais sombrias e desinteressantes, à medida que a notariedade adquirida vai diminuíndo, aumenta a frustração e a amargura, quando não a violência perante uma vida vulgar que os revolta. É neste sentir que tanto têm a haver com os ditos marginais. É que, potencialmente, todos o somos, haja alguém que o desperte.
00.30 Hora Negra é muito mais que um filme.
Independentemente de, aqui e ali, a realizadora sentir necessidade de condimentar o argumento para o tornar mais comercializável, condição primeira para que possa ser produzido, a sensação que fica após o visionamento deste filme é a de que acabamos de ver um documento que ficará muito para além do seu tempo, como testemunho daquilo que é, por estes dias, a luta contra o terrorismo.
Sem entrar em discussões nem mais nem menos profundas sobre a verdadeira origem desta onda de terror que nos ameaça constantemente, a todo o mundo dito desenvolvido, e particularmente aos seus principais representantes, ou em patrioteirismos fáceis, limita-se a descrever minuciosamente tudo o que está por detrás da captura e morte de Osama Bin Laden, há quase dois anos.
Tinham havido alguns antecedentes, mas foi a partir da queda das torres gémeas em Nova Iorque que os EUA se empenharam realmente em combater o terrorismo e, muito especialmente, a sua cara mais visível. A partir daí, durante quase uma década, todo o mundo sabe o que se passou, em nome dessa perseguição, cuja própria legitimidade assentou em factos só por si discutíveis se analisados do um ponto de vista alargado a todos os intervenientes, seja no tempo e no espaço, seja na autenticidade do que chega à opinião pública, foram desencadeadas guerras, cometidos atentados, morreram milhares de pessoas, e, talvez o mais trágico, em nome de uma vingança, oportunidade que havia anos impacientemente aguardavam, foram deixados à solta os piores abutres e predadores do mundo do poder, para, somando aos milhões que se gastavam tornando os países ocidentais numa espécie de gaiolas douradas, muitos mais milhões serem pura e simplesmente desbaratados por esse mesmo mundo da alta finança, como se auto-intilula, enchendo os seus bolsos e remetendo ao limiar da pobreza populações inteiras como hoje podemos constatar.
O que não se sabia é que, indiferentes a toda essa crescente desgraça, havia um conjunto de formiguinhas, coerentemente com a sua natureza fria, indestrutível, pertinaz, não olhando a meios para atingir os fins, trabalhavam incansávelmente, contra literalmente tudo e todos, para encontrar e destruir o ícone do mal, OBL, convencidos que assim atingiriam o coração da besta. É dessa gente que nos fala este filme, sobretudo de uma dessas formiguinhas, deveria talvez escrever carraça, interpretada pela maravilhosa, em todos os sentidos do termo, Jessica Chastain, a quem dificílmente escapará o Óscar. Um documento que pelo tipo de polémica política que está a dar nos EUA, fácilmente se percebe não agradar nem a gregos nem a troianos. Essa será a sua principal virtude.
Porque quanto ao resto... Se Kathryn Bigelow, e julgo que sim, acreditava no efeito mais ou menos devastador, que a captura e destruição do criador da Al Qaeda, podia ter na sobrevivência desta, a realidade de hoje e agora na Argélia e Mali, é, essa sim devastadora e terrível. O que neste preciso momento está a acontecer naqueles países, é a prova que enquanto houver no nosso mundo monstros capazes de criar tanta pobreza, não indiferentes mas, objetivamente, fazendo a sua riqueza e poder do que sugam ao pouco com que os mais fracos sobrevivem, os exemplos crescem como cogumelos a nível global principalmente pela mão das grandes companhias de dimensão mundial (vidé a de gaz que opera na Argélia), do outro lado, fatal compensação, outros monstros surgirão.
Ainda assim bem hajam estas obras, espécie de paliativos, criadas por estas pessoas, um género de médicos, para este nosso mundo e para quem o habita, óbviamente doentes e com prognóstico reservado.
Com um tempo destes, precisava mesmo de um umbrella poderoso.
Ah! quando menos se espera, alguém espera por nós.