semtelhas @ 12:58

Sex, 30/11/12

 

Todo o folhetim sobre a hipotética privatização da RTP, e este episódio do Nuno Santos em particular, são o paradigma do modo de operar do governo.

 

Para concretizar aquela que é a principal linha de força do estilo governativo, atirar a pedra e esconder-se à espera do que vai dar, para depois entrar num processo de regateio, certo que vai ficar perto do desejado por ter começado os lances exigindo altos preços, o nosso primeiro utiliza uma, digamos, ferramenta preciosa para fazer esse seu jogo, os testas de ferro.

 

Pessoas com uma certa notariedade conseguida a pulso cujo pecado maior é a vaidade, a qual é sábiamente utilizada por quem as escolhe para os manter a rédea curta. Incontinentes na palavra, tal como os peixes que nadam à superficíe, acabam por morrer pela boca. Mas, até lá, são utilizados, sugados, ao limite, e só depois atirados para o balde do lixo dos indignos, que em Portugal há muito transborda e contamina o ar com o crescente cheiro nauseabundo que deixa escapar.

 

Escolhas de pessoas normalmente dominadas por desejos inconfessáveis, e que carecem de alguém que faça o trabalho sujo. Elas próprias possuídas por um ressabiamento nascido das mais diversas fontes, compensam-no com um comportamente essencialmente calculista, que vai desde a sabujisse perante quem precisam para atingir os seus objetivos, e uma vingança sobre que julgam responsável pelas suas frustrações, ou uma feroz oposição sobre quem ousa contrariá-los. Um frágil equilibrio nas margens da esquizofrenia.

 

Para o efeito, e falando só dos mais decisivos no esquema, já conhecíamos o Relvas e, agora, ficámos a conhecer o sr. Alberto. No pouco tempo que ocupa o papel de marioneta, o homem já disse uma coisa e o seu contrário uma série de vezes, está no bom caminho portanto, fazendo a cova a que ele próprio se destina, enquanto cumpre a tarefa que lhe foi dada de ir limpando do caminho os obstáculos à entrega da televisão pública a quem der mais. A ratoeira que montaram ao antigo responsável pela informação foi quase perfeita. Falta-lhe o quase. Se Nuno Santos fez aquilo de que o acusam a situação é grave, é absolutamente indispensável instaurar um processo disciplinar para correr com ele. Nestas situações não podem haver meias medidas. O exemplo tem que ser dado. A não ser que não interesse a quem acusa aprofundar demasiado as coisas...

 

Este é só mais um exemplo da opção quase exclusivamente economicista, escolhida por quem nos governa, e que está a deixar o país ainda mais refém dos nossos benfeitores(?), e orfão de uma série de sistemas, ou instituições, ou simples processos, que todos os dias morrem ou estão moribundos, que tanto e a tantos custou ajudar a implementar durante décadas. Para grandes males grandes remédios, dir-se-á. Esta terapia de choque até teria, porventura, de acontecer para compensar anos e anos de um engordar, senão até à morbidez porque não temos estrutura para tanto, muito para além do que o nosso pobre esqueleto aguenta. Mas não terá chegado o momento de mudar a agulha? E, se chegou, saberá esta gente funcionar de outra maneira? Pela positiva?

 

É que subsiste o perigo, já pelo país conhecido de outros campeonatos, de um dos tais, o mago Gaspar, por exemplo, querer chegar a rei, aproveitar a embalagem, caçar o caçador e eternizar-se de caçadeira em punho. Não seria a primeira vez que um fantoche ganhava vida.


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cores da lua @ 20:30

Qua, 28/11/12

Este filme deve ser visionado em ecrã inteiro.

Representação real de todo o céu da noite. Capturado por uma lente Sigma, "olho de peixe" de 8mm, inclui o rasto de estrela durante cinco horas.

Fotógrafo © Stephane Vetter

 


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semtelhas @ 15:32

Qua, 28/11/12

 

O meu gato resolveu mudar de nome.

 

Realmente ontem, ou anteontem, reparei que estava muito concentrado a ver O Preço Certo, onde o gordo português com mais sucesso continua a distribuir gargalhadas e simpatia. Conta para isso com a preciosa ajuda de um speaker,  o Miguel, carinhosamente tratado pelo diminuitivo e que cada vez está mais parecido com o mestre, após anos e anos a ser arrastado para a frente de faustosos cozidos à portuguesa e suculentas feijoadas. O Prince deve ter-lhe vindo à ideia  por causa das inumeras vezes que ouvimos juntos o Artista, também conhecido por Vitor. O nome e aquela mania de o mudar.

 

Agora que está ali sentado muito direito como fim do rabo a cobrir-lhe as patas dianteiras, e a olhar-me nos intervalos de cada espremidela, compreendo quanto está certo. Na verdade a sua existência passeia entre a bonomia, boa disposição e tranquilidade com que aqueles dois simpáticos gordos contagiam todos em volta: quando desliza despreocupadamente por todo o lado, se lava durante intermináveis minutos, adoptando  complicadissímas posições sobre nós ou refastelado num tapete, sonha horas seguidas a apanhar sol deitado em cima da almofada, do lado de dentro da janela, que para o jardim (apesar de alguns sustos quando os pássaros rasam o vidro), ou descansa de descansar esticado onde bem lhe apetece, e o verdadeiro diabrete em que se torna, qual Artista, se acha chegada a altura de lhe dár-mos alguma atenção e: vai buscar uma saca de plástico que trata de nos pousar aos pés para que a atiremos para longe, e no-la, rápida, impante e orgulhosamente devolve, resolve perseguir uma mosca, na maior parte das vezes imaginária, nem que isso represente voar por cima das nossas cabeças e aterrar sobre jarras sagradas, ou desafiar-nos ameaçando, um olhar para nós outro sobre a vítima, arranhar o quadro na parede ou o sofá que lhe está interdito ( um único!).
 
Confesso não ter grandes expectativas de o ver distribuir piadas por assembleias de gente simples da nossa terra, as habilidades que lhe conheço para além das habituais, aquele jeito de levantar o rabo quando lhe passámos a mão pelas costas, como que a dizer que o gato acaba ali, e a de, perscrutador, olhar sempre primeiro para um lado e depois para o outro já que não pode olhar para os dois ao mesmo tempo, são a de se recusar terminantemente a utilizar areia que considera suja, e não arredar pé de junto da taça de biscoitos quando aquela fica vazia. Agora, de repente, desatar a cantar e a dançar tal qual Prince já não digo nada... Ainda ontem o vi ensaiar!
 
Já estou a ver o Pintas a entrar ali naquela porta, rabo bem erguido, tudo tem limites, a olhar para um lado e só depois para o outro, e num sonoro e convicto miado, o meu novo nome é Prince, Miguelito Prince.

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semtelhas @ 15:23

Qua, 28/11/12

 

Viagem ao mundo dos sonhos esta interpretação vocal do Adagietto da 5ª Sinfonia de Mahler (que pena não podermos ver o coro! até porque as imagens são algo perturbadoras da audição)

 

 

 


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semtelhas @ 16:47

Ter, 27/11/12

 

Um destes dias passou na RTP2 um programa sobre as séries feitas em Hollywood.

 

Quando se anda anos seguidos a acompanhar as venturas e desventuras de alguém que sempre nos diz alguma coisa, independentemente da razão, é normal que se essa ou essas pessoas desenvolverem algum tipo de atividade, ou tiverem um tipo de vida que possa, de alguma maneira, suscitar sentimentos fortes a quem faz esse acompanhamento, criar-se uma qualquer espécie de dependência.

 

Se essa tal vida ou atividade, fôr pensada, delineada, durante anos, todos os dias durante oito horas, por nunca menos de sete pessoas, que se reunem expressamente para o efeito, as quais confessam que, mesmo durante as pausas, ás vezes especialmente nas pausas porque falando de outras coisas mais fácilmente encontram a solução que procuram, continuam a trabalhar, e se a isto somarmos o facto de recorrerem aos melhores atores, e nunca menos que ao melhor no que diz respeito a tudo o resto para nos fazer entrar em casa aquele produto final, começamos a perceber o porquê da força daquilo.

 

Não menos importante é a perspetiva economicista da coisa. Por exemplo, as séries são conhecidas no meio que as produz como, os blocos de suporte, ou seja existem para entreter entre os outros blocos, os publicitários, os que pagam aquilo tudo. Relativamente aos truques mais básicos para captar audiências, para além dessa preocupação ser omnipresente na cabeça dos argumentistas, retive que só o facto de se pôr um personagem a fazer festas a um cão pode elevar o nível de audiências em 60 a 70%. Mesmo depois de tudo isto, a série antes de ser exibida para o público em geral, é sujeita a várias prévisualizações por uma plateia escolhida pelo mesmo sistema que se escolhem os jurados que nos tribunais decidem, entre outra coisas, se o acusado deve ser executado ou ser libertado. Se pensármos que todos os anos são feitas cinquenta novas séries, e que a regra de ouro comum a todas é fazer do seu visionamento e do pequeno ecrâ televisivo, não um factor de separação entre quem vê e quem está lá, do outro lado do vidro, mas sim uma ponte entre ambas as partes, então compreendemos o poder do fenómeno. É tanto que, já há alguns anos, é um dos temas preferidos pelos professores e estudantes da Sorbonne para exemplificar os vários modelos da sociedade de hoje, e defender teses de doutoramento.

 

Quando uma série, normalmente depois de anos de exibição (o Serviço de Urgência esteve vinte anos), acaba, para muitas pessoas isso significa um buraco tão grande, fundo e negro na sua vida, que só pode ser comparado ao síndrome de falta de alguns tipos de drogas duras. Não tendo chegado a esse ponto, lembro-me quanto me custou deixar de viver na expectativa de chegar (finalmente!) o dia em que se exibia Os Sopranos, ou, mais recentemente, o Mad Men. O drama pode atingir proporções de tal ordem, o instalar de uma espécie de depressão coletiva, que , para o evitar, os criadores de Lost, na última cena da última temporada, puseram os dois protagonistas a ter um diálogo em que um diz ao outro a quem tinha acontecido uma desgraça terrível: a vida não acaba aqui, tens que seguir em frente.

 

O problema (e como eles o sabem!), é que a maior parte de nós tem uma vida tão rotineira, desinteressante e dificíl que faz dos intervalos entre a exibição dos episódios, os blocos de suporte, e assim tudo encaixa, lá nos vamos alimentando da ambição e talento deles. Bem hajam!


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semtelhas @ 12:46

Seg, 26/11/12

 

Voltámos à estrada cientes que tínhamos vivído uma daquelas situações que, apesar de raras, nos dão alguma esperança e, mais importante, confiança, num futuro que pertence aos jovens empreendedores que, sem lamúrias e com positivismo, fazem da construção do seu futuro uma demanda pela qualidade em todas as suas facetas, e que a todos beneficia.

 

A última hora, ou perto disso, tinha sido excelente. Foi o seu aspeto exterior que me fez parar. A seguir a bom espaço para estacionar um retângulo que não deve de ter mais de trinta por quinze metros, as quatro paredes em pedras de granito crú coladas por cimento devem ter quatro metros de altura ou menos, a que é paralela à estrada tem duas janelas panorâmicas sobre o parque e a floresta no horizonte, outra, mais pequena, num dos topos, e imagino que na parede paralela tapada pelas zonas de serviços hajam mais duas ou três janelas pequenas. O telhado é simples, quatro faces de telhas tipo francês, do comum alaranjado que fazem escorrer a água para uma caleira escondida. O interior, dominado pela bela estrutura de madeira, à vista, que suporta o telhado, divide-se em duas zonas principais, o restaurante primeiro e, na outra metade depois de uma imaginária linha longitudinal, sanitários, parede (que corresponde à cozinha), que tem encostado um bonito móvel em boa madeira castanho escuro, onde estão as louças, os copos e os talheres e, em toda a parte inferior, prateleiras com garrafas dos melhores vinhos. No espaço restante o balcão de serviço, em vidro grosso muito bonito, a delimitar o espaço de acesso lateral à cozinha e às mesas. As paredes estão decoradas com quadros a óleo de bonitas paisagens.

 

Quase imediatamente depois de nos sentár-mos numas confortáveis e bonitas cadeiras junto à ampla mesa , coberta por uma preciosa toalha de linho, fomos abordados por alguém cuja desenvoltura fácilmente o identificou como o dono. Dissémos que não queríamos almoçar, só petiscar, ao que respondeu sugerindo umas entradas. Concordámos juntando ao pedido uma pequena garrafa de um bom tinto. Quem nos trouxe a alheira grelhada, o presunto, o queijo, uma cestinha de broa tradicional e uns pãezinhos deliciosos foi a, também logo reconhecida, dona do restaurante. Antes de começar a comer fui lavar as mãos e deparei-me com umas instalações magnifícas sob todos os pontos de vista, no ar um perfume fresco, a luz excelente, o lavatório (com uma jarra de flores naturais em cima) imaculado, o sabão de ótima qualidade. Quando comecei a comer reconheci o que de melhor Mirandela tem, o presunto estava absolutamente no ponto, os queijos eram de chorar por mais e, quanto ao pão, tive que fazer um esforço enorme para parar de o fazer continuar a dar estalidos na boca.

 

Dei os parabéns à senhora pela excelência de tudo que nos tinha servido ao que ela respondeu, falta um docinho. Enquanto comíamos uma maravilhosa torta, acabávamos com a garrafa, e saborávamos um espesso café do melhor, contou-nos que está ali há dez anos, que aquilo era uma antiga tasca do sogro, que só têm ajuda aos fins de semana, que ambos cozinham, e que o que dão a comer aos clientes é sempre o melhor. Abençoados!

 

NOTA IMPORTANTE: A conta não chegou aos vinte euros!


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semtelhas @ 18:35

Dom, 25/11/12

 

 

Três cantodependentes

 

 

 
 
 
 
 

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cores da lua @ 21:05

Sab, 24/11/12

Numa viagem de 8851 Km, Paulo Moura, jornalista do Público, pode testemunhar a dura realidade dos componeses expropriados das suas terras; a esperança de uma vida melhor pela partida dos campos para as cidades; a dureza do trabalho nas fábricas; o crescimento vertiginoso de novas cidades para acolher o número exponencial de chineses que "fogem" do campo.

De tudo o que li, e ouvi, sobre a china dos nossos dias, nada como esta reportagem foi para mim tão esclarecedor. Brilhante, o trabalho de Paulo Moura.

A reportagem saíu a 4 de Novembro, mas não a consegui na integra, ficam aqui alguns excertos.

 

 

 

     Haverá uma revolução mas não será dos estudantes     

 

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semtelhas @ 13:09

Sab, 24/11/12

 

- Já todos sabíamos que Cavaco é arrogante, intolerante, convencido e retrógado por conservadorismo excessivo. Desconfiávamos que tinha mau perder, que era vingativo, cínico e sarcástico. Agora, após o seu discurso na entrega dos prémios Gazeta de jornalismo, durante os quais dedicou um discurso a destilar amargura sobre a classe premiada, como se aqueles não fossem o espelho da sociedade nas opiniões que transmitem a seu respeito, numa triste tentativa de vitimização e mesmo demonstração de falta de educação perante quem o convidou, temos a certeza.

 

- Estive a ler uns excertos do livro Cinquenta Tons de Cinzento, da britânica EL James, que bateu todos os recordes de sucesso relativamente ao pouco tempo em que o conseguiu. A senhora descobriu um grande furo escrevendo, ou melhor, descrevendo uma sucessão de situações softporno, disfarçada de pseudoespecialista em sexo, vendendo a já ultradivulgada ideia de que as mulheres só vão lá com miminhos, jogos de sedução e esquisitos artefactos e arteficíos para brincar ás enfermeiras, e depois toca a inculcar em algumas ôcas cabecinhas (e parece que são muitas), as mais fundas aventuras. Mais um brilhante livro de auto-ajuda (acredito que, em muitos casos, literalmente). Que promova a libertação de milhões é o que se deseja, mas não havia necessidade de disfarçar. Ou havia?

 

- Morreu o JR da série Dallas que muitos seguiram há uns anos. Nela entravam, boazonas, bonzinhos, rapariguinhas apetecíveis e vigorosos rapazes, simpáticos avôzinhos, irritantes vizinhos e os habituais bandidos e malfeitores. Mas ninguém era mais adorado que o aldrabão, implacável e mau, rico e sedutor JR. Até pela forma exagerada como está a ser divulgada a noticía da morte da pessoa que lhe deu vida, Larry Hagman, se confirma a nossa fatal atração pelos malditos. Pois é... são imprevisíveis, quebram as rotinas, essas assassínas da vida.

 

- Passaram nem meia dúzia de meses sobre a destituição de Mubarak enquanto presidente do Egipto. Ninguém ficou indiferente  à demonstração de força de um povo que, durante largos dias, não arredou pé da principal praça do Cairo, enquanto o velho presidente não caiu. Impressionante demonstração da democracia no que ela tem de mais puro, dar voz à maioria. Mubarak deixou uma larga faixa de pobreza na sociedade egipcía e também o maior período de paz que o país alguma vez viveu graças ao seu jogo de cintura, nomeadamente com o vizinho Israel, funcionando como ponte entre este e o ocidente, e os restantes países islâmicos da região. Fizéram-se eleições e ganhou a Irmandade Islâmica. Soubesse agora que o atual presidente concentrou em si todos os poderes. Um faraó. Vamos ver se as pessoas vão ter liberdade para sair à rua, se os equilibrios na zona se vão manter, se a paz vai subsistir. Assim se confirma que a democracia é o menos mau dos sistemas políticos.

 

- Amanhã os catalães vão a votos tendo no horizonte a possibilidade de eleger para o mais alto lugar do governo autonómico, alguém que tem como principal palavra de ordem, independência. Como seria de esperar têm-se multiplicado os cenários catastrofistas para o caso de tal vir a acontecer. Que a Espanha é una, que a Catalunha sairá da União Europeia, que será o semear de guerras sem fim à vista entre o governo central espanhol e as várias provincías autónomas, etc.. A dimensão da vitória que Mas vai obter amanhã será um sinal importante do futuro que nos espera (também a nós em Portugal). Uma coisa para já se confirma, toda a discussão está a ser feita em volta das questões económico-financeiras o que extrema posições e dificulta soluções pacíficas em que todos saiam vencedores. Se se introduzisse com muito mais força a  questão cultural, o sentido de nação, o que de mais profundo têm os povos e sem o que não há mudança que resista, através dos hábitos, da gastronomia, das várias formas de expressão, em que todos têm muitos mais em comum na confirmação das suas diferenças e necessidade de uma complementaridade que a todos interessa, acredito que o diálogo seria muito mais fértil. Enquanto forem só os homens do dinheiro a tomar decisões nada será pacífico ou duradouro.

 

- Este ano já morreram trinta e seis mulheres às mãos dos seus companheiros. A realidade atual não augura nada de bom. Ao contrário do que ouço muitas das organizações femininas a dizer, não acredito que seja por via da repressão sobre os agressores, seja ela preventiva ou corretiva, que as coisas poderão melhorar nem significativamente nem, sobretudo, seguramente. É claro que também esses aspetos têm que ser melhorados, mas pôr o enfoque sobre eles pode levar a substimar o essencial. E essa é a questão educativa e cultural. A questão cívica, social. É nas escolas que a mudança tem que começar. Enquanto as disciplinas humanistas forem sistemáticamente minimizadas, a cultura continuar a ser considerada perda de tempo ou uma espécie de blá, blá, blá, para enganar parolos, vamos continuar a criar monstros cuja única resposta à crescente frustração de não ter tanto poder como o irmão, o vizinho ou o colega de trabalho, será agredir os mais fracos ali à mão, os filhos, a mulher, as minorias. Na falta de outros argumentos a violência é sempre a resposta dos mais fracos. Quantas vezes sobre eles próprios. É preciso dar-lhes outras saídas, ensinar-lhes outros caminhos.

 


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semtelhas @ 10:32

Sex, 23/11/12

 

As imagens mostram uma multidão maioritáriamente constituída por homens exibindo expressões faciais e corporais extremas, muitos empunham armas, deslocam-se a pé ou em carrinhas de caixa aberta, e gritam vitória a plenos pulmões poucas horas depois de verem morrer ao seu lado os filhos, a família, os amigos, destruídas as suas casas e desaparecer os seus parcos haveres. Festejar o quê?

 

Tudo terá começado há muitos séculos atrás quando dois irmãos desavindos por questões relacionadas com divisões territoriais se separaram. Um ficou com os seus apoiantes nas terras onde viviam, o outro, juntamente com os seus acólitos, partiu em busca da terra prometida, onde haveria de nascer o salvador. Reza a história, ou uma das suas interpretações, que o Messias nasceu de onde tinham partido tendo, desde esse tempo, a sua mensagem conquistado milhões de seguidores por todo o lado, não conseguindo no entanto, até hoje, ser milagreira na sua terra.

 

Os séculos foram passando e o povo errante foi-se disseminando pelo mundo e, graças ao seu poder empreendedor, sedento de saber e riquezas, tornou-se poderoso mas ainda, como sempre, sem terra. Nos finais do séc. XIX começa a crescer o movimento que levaria à decisão de que tinham o direito a voltar ás suas terras de origem, e assim a Palestina começou a receber colonos judeus. Com o final da segunda guerra mundial e numa decisão em que muito pesaram o poder politico e económico dos judeus pelo mundo, e uma espécie de compensação pelo holocausto, os vencedores resolvem atribuir-lhes em definitivo uma parte do território palestino, criando assim o estado de Israel. Não foi preciso passar muito tempo para que esse pedaço de terra se tornásse escasso para tanta gente espalhada pelo mundo e, mais importante, dotada do mais puro espiríto empreendedor do emigrante que sempre foram, que quer prosperar, crescer em riqueza e poder e, com ele, os motivos para invadir o lado do irmão. O resto é história e todos conhecem.

 

O que aqueles homens festejavam é a sua capacidade de, não obstante o elevadissímo preço que pagam, continuarem livres do jugo do irmão mais dotado, rico e poderoso. Agora remetidos a meia dúzia de quilómetros quadrados, vão continuar eternamente a ser olhados por todos, ou quase, como arruaceiros terroristas, desgraçados que vivem, e gostam, uns em cima dos outros, no meio da miséria e degradação. Enquanto, ali ao lado, com o coração igualmente apertado, os seus ancestrais irmãos ostentam o máximo que podem, as suas legítimas (pelo menos da maioria) conquistas nascidas da sua inata capacidade e do seu trabalho.

 

Verdadeiro paradigma da luta entre os que nasceram do lado errado,  e os outros, tão comum neste nosso mundo, no dia em que fôr finalmente resolvida, um grande passo terá sido dado para melhorar a condição humana. Mas iremos continuar a assistir a outras lutas fraticídas porque a natureza, essa, não se muda. Nem a dos que vão querer sempre mais, nem a dos que jamais se deixarão subjugar. 


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semtelhas @ 21:31

Qui, 22/11/12

 

O filme As Voltas da Vida, com Clint Eastwood.

 

Depois de ler as críticas e as frases tiradas de alguns importantes jornais dos EUA a propósito deste filme, a expetativa fica elevada. Nada mais falso. Uma sequência de acontecimentos mais ou menos forçadamente coincidentes com o objetivo de um final feliz. Eis ao que me soube. Não é que os filmes, tal como as situações reais não tenham finais felizes como é óbvio, trata-se sim da forma como a mensagem é transmitida, como somos conduzidos até lá. Neste caso a coisa vai-se desenrolando mais ou menos normalmente até que, sempre que é necessário colocar a estória nos trilhos que o argumento exige, dá-se-lhe o safanão e segue-se caminho. Na verdade o espetador é considerávelmente mal tratado, pelo menos é tido assim como uma espécie de idiota.

 

Em muitos aspetos decalcado desse grande filme que é Gran Torino, o que sai é exatamente o oposto. O argumento é bom (apesar de não se conseguir deixar de pensar em Moneyball), o ator principal é o mesmo, inclusivé nos tiques de velhice, até naquele tipo de murmúrio zangado que Eastwood faz quando contrariado, os restantes atores não destoam, mas o realizador é outro. Colaborador do mestre desde há vinte anos estreia-se com esta fita. A ideia que fica é que Clint quis dar uma mãozinha e saiu asneira. Ou deu por isso e deixou andar, ou, muito pior e espero que não, está ser invadido pela autocomplacência (ou mesmo falta de discernimento) que muitas vezes a velhice traz com ela.

 

Apesar daquela infeliz rábula que o grande ator/realizador fez para apoiar Mitt Romney (falar para uma cadeira vazia onde era suposto estar sentado Obama), que já não pronunciava nada de bom quanto à sua forma, mentalmente falando, quero acreditar que quem realizou As Pontes de Madison County, Cartas de Iwo Jima, Um Mundo Perfeito, Mystic River, Million Dollar Baby, ou o já referido Gran Torino, que passam mensagens no minímo tão importantes como esta, da importância de ouvir o coração, desastradamente passada neste As Voltas da Vida, ainda há-de dár-nos algo digno do mito vivo que é.

 

Talvez tenha que apelar aquele mau feitio que exibiu no inicío de carreira como "Dirty Harry", e que agora as suas personagens enquanto velho retomam, para dizer não quando lhe pedirem fretes, e pegar ele mesmo na batuta de realizador.


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semtelhas @ 11:51

Qua, 21/11/12

 

O filme Inglourious Basterds de Quentin Tarantino.

 

Imagino a mãe do pequeno Quentin aflita, sempre à sua procura, gritando o seu nome bem alto pelas redondezas. Pendurado numa árvore, de cabeça para baixo, escondido ao fundo de um barracão a construir uma qualquer máquina diabólica, ou entretido a desmontar o seu mais recente brinquedo para tentar compreendeer o seu funcionamento, são três hipóteses possíveis onde encontrar o rapaz.

 

Genial em toda a linha que se considere quando desfrutando dos seus filmes. O único ponto em que seguramente não é consensual é na total falta de convencionalismo, a qual, aliás, é a principal força das suas obras. Á qual junta um perfecionismo sem limites, uma obsessão pelos pormenores, nos diálogos, nos enquadramentos, na fotografia, na banda sonora, na exploração do argumento até à última gota.

 

Quando há largos anos vi Reservoir Dogs, fiquei literalmente agarrado ao ecrã da televisão. Nunca tinha visto nada assim. Tudo à volta de um grupo de criminosos após um falhado assalto a um banco, do qual ninguém sai impune. Uns anos depois Pulp Fiction. Vi-o na sala bébé do cinema Batalha, e lembro-me que saí absolutamente empolgado por aquilo a que tinha assistido. Inovador na construção de filmes puzzle, estórias cruzadas que se encontram algures, trata o tema da violência com a crueza que esta precisa para ser compreendida, quase sentida. O truque está na forma teatral como o realizador (sempre) o faz, o que resulta em demonstrações muito reais mas, porque embaladas por incrívelmente adequadas bandas musicais, e situações surreais, não magoam, pelo contrário dão prazer. Jackie Brown e os dois episódios Kill Bill, são mais dois andares deste edificío, digamos que com menos requinte nos acabamentos.

 

Mas é com Inglourious Basterds que Tarantino raia a perfeição. O argumento é o ideal, os atores estão soberbos (tanto estéticamente como nos desempenhos), os cenários são magnifícos a fotografia fantástica, e a música parece que foi composta para o efeito. Completamente teatral no melhor sentido do termo, cheio de bom humor, pleno de situações com tanto de extremas quanto inesperadas, o filme vai crescendo por ali fora, até terminar num absoluto explendor para os olhos e para a alma. Depois disto não sei por onde é que o homem vai poder continuar a subir.

 

Assistir aos filmes deste realizador é celebrar o cinema naquilo que ele tem de mais puro e essencial, um constante convocar dos sentidos para um posterior serviço de excelência. Um mestre que, enquanto se diverte, nos alivia do pesado fardo da realidade.


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cores da lua @ 20:49

Ter, 20/11/12

Quase parece irreal. Mas não, é verdadeiro. A noite adormece aos primeiros raios da manhã, envolta em bruma, na República Checa.

O que são as nebulosas do dia a dia, comparadas com estas maravilhas?

 

 

© Boguslaw Strempel

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semtelhas @ 12:31

Ter, 20/11/12

 

Era muito cedo naquela manhã de Maio quando saí de casa. À porta da rua um último aceno da minha mãe, desfeita em lágrimas. Poucos minutos antes, uma sucessão de portas a bater ruidosamente, tinham sido a despedida do meu pai após me ter entregado duas ou três notas de francos suíços (quase me tinha dado uma coisinha má em pleno Português do Atlântico, ao ver um ano de poupanças reduzido aquilo) que correspondiam a sessenta contos, que eu, dias antes, lhe tinha pedido para guardar. Não me lembro de ter olhado para trás.

 

Ainda tenho uma fotografia de mim e do Zé, sentados à porta de um armazém em Matosinhos, de onde era costume partirem camiões TIR. Foi tirada pelo Tó que desistiu de viajar connosco no último momento. Ali estamos nós, a tentar afastar do olhar e da alma aquele vazio que crescentemente nos vinha invadindo nos últimos tempos, alimentado pelo desejo de aventura, enevoado por muito fumo, na verdade dando asas e realidade à nossa condição de sonhadores, o que todos os dias praticávamos por outros meios.

 

Não tivémos que esperar muito. Dali a pouco partiria um camião rumo a Hendaye cujo motorista se ofereceu para nos dar boleia. Foi uma viagem curta e sem que acontecesse algo de especial. Depressa chegámos e logo tratámos de procurar outro candidato que nos ajudásse a continuar viagem. Como não arranjámos nenhum TIR na direção que pretendíamos, fomos aconselhados a ir para a entrada da auto estrada pedir boleia. Mochilas às costas lá fomos. Durante todo o dia, por duas ou três vezes, viajámos em automóveis ligeiros até às portas de Lyon. O último percurso foi feito num enorme volvo preto conduzido por um sujeito do tipo enigmático, pelo menos à luz dos nossos olhos naquele tempo, disse-nos: saio da auto estrada quarenta quilómetros antes de Lyon, como já é tarde para arranjarem boleia até lá (eram oito da noite e começava a escurecer), ficam em minha casa e eu amanhã levo-os. Eu e o Zé olhámos um para o outro e, em uníssono, respondemos-lhe que estávamos dispostos a arriscar e esperar que alguém parasse. Resultado, uma noite na berma da estrada, deitados e a tiritar, mesmo dentro dos sacos cama, mas sobre o cimento que depressa gelou. Estávamos nos finais dos anos setenta, hoje, provávelmente, seríamos levados dali para fora. O sol tinha acabado de nascer quando chegámos a Lyon. Já perto do nosso destino final, esgotados e face às dificuldades em conseguir viajar de borla até à Suiça, resolve-mos ir de comboio, (recordo-me que nos sentimos como uns reis), diretamente até Lausanne onde tínhamos uma promessa de contrato de trabalho à espera.

 

Hoje quando olho para trás, reflito nas circunstâncias e em todas as peripécias que rodearam aquela viagem, percebo como eram loucos aqueles tempos, e como, apesar de tudo, o destino influenciou decisivamente o nosso futuro quando, após três ou quatro meses, o frio a começar a apertar, já cansados e sedentos de novas aventuras, fomos à embaixada do Quénia na Suiça tentar arranjar vistos para ir para lá (o sonho africano era muito corrente entre certas comunidades naqueles dias), mas como era preciso tomar uma vacina só administrável em Portugal...


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semtelhas @ 12:56

Seg, 19/11/12

 

Dois fimes, dois autores, duas situações, um tema: o papel da arte na vida.

 

 

 

César Deve Morrer, italiano, e Bonsai, chileno, são dois filmes que percorrem caminhos completamente diferentes: o primeiro dentro de uma prisão acompanhando a representação da obra de Shakespeare pelos prisioneiros, o segundo relatando o encontro e o desencontro de dois jovens entre a adolescência e a juventude, pela mão, da leitura(?) de Proust.

 

É pela forma como olhámos, interpretámos, uma obra de arte, que esta vai exercer um determinado tipo de influência sobre nós, ainda assim as características específicas de cada autor podem ter um papel decisivo. Curiosamente, nos casos em apreciação, quase podemos falar de paradigmas de cada uma das culturas representadas, o francês mais introvertido, sensível, filósofo recolhido aos seus pensamentos (também pela sua doença que o obrigou a uma clausura quase permanente), o inglês extrovertido, aventureiro, amigo da vida vivida fisíca e intensamente.

 

Estes lados mais solares ou lunares refletem-se fortemente em cada um dos filmes. Emocionante como um grupo de condenados aproveita o texto shakesperiano como uma espécie de redenção, um novo fôlego, a tal ponto que, muitas vezes, percebemos que aqueles são mesmo presidiários reais, que estão, de facto, a ser salvos representando aquela peça, a força e o empenho com que o fazem não enganam (o lado de documental do filme). Em contraponto é bastante triste verificar quanto uma falsa abordagem pelos caminhos da arte, porque nunca sai do à tona das aparências, neste caso da literatura, a mentira e a falta de sorte (no sentido de que é o ponto de encontro entre a preparação e a oportunidade), podem conduzir a uma sequência de conclusões superficiais, durante as quais nos podemos ir afundando até ser demasiado tarde para emergir para a vida. Em qualquer dos casos,  filmes muito bonitos, excecionalmente bem feitos e que nos deixam a pensar.

 

Incrível como se pode ser livre entre quatro paredes, e prisioneiro mesmo beneficiando de toda a liberdade do mundo. Obra(s) da(e) arte.


direto ao assunto:

"O medo de ser livre provoca o orgulho de ser escravo."
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