A necessidade de levar um animal de estimação ao veterinário pode tornar-se uma experiência marcante.
A gata tinha à volta dos treze anos e, desde havia algum tempo, que se movimentava mais devagar, como se estivesse cansada. Por razões desconhecidas tinha um pulmão perfurado. É melhor ficar internada, disseram-nos, logo veremos o que se pode fazer. Muito liquido e muitos euros depois a noticía, não tem cura. Ou fica aqui, onde poderão vê-la sempre que quiserem, debaixo dos nossos cuidados, até ao fim; ou abatemo-la já. Trouxemo-la para casa. Para pensar, dissemos. Ver o animal a mancar, como se não fosse nada com ele, provocou-nos tais níveis de angústia que só podíamos optar por acabar com aquele sofrimento.
Sofrimento? De quem? Ou de quê?
Ainda antes uma pequena reflexão sobre veterinários. Passámos por alguns. A leveza com que alguns deles passa, ultrapassa e finalmente atropela os sentires das pessoas para com os seus animais de estimação chega a ser inacreditável. Nestas, como noutras circunstâncias parecidas, é sempre conveniente colocarmo-nos no lugar do outro. Simplesmente essa deve ser uma atitude comum a todas as partes. Certo que é um negócio, certo que lidam com dezenas de bichos todos os dias, certo que não podem ligar-se aos animais sob pena de irem morrendo devagarinho. Mas, e os outros? Bem ou mal é, muitas vezes, como se tivesse desaparecido uma pessoa. Outras vezes pior. Não é de espantar que, nos EUA, a seguir aos negócios das armas e das drogas apareça o petbusiness entre os que movimentam mais dinheiro.
Foi para mim espantoso o nível de sofrimento e angústia provocados pela visão da falta de harmonia, pela agressão estética, do andar de um animal magoado se, e aqui está toda a diferença, fôr nosso. A impressão que dava era que para a gata a diferença não seria grande, nem o sofrimento, o que, aliás, nos foi confirmado pela veterinária. Na verdade o sofrimento é nosso. A estética do nosso pequeno mundo fisíco e, sobretudo, o equilibrio que a sensação de sermos adorados, obedecidos e indispensáveis por aquele bicho, foi irremediávelmente desfeito. É de nós próprios que temos pena. Supremo egoísmo. Não é, por isso, de admirar que seja precisamente entre as sociedades mais desenvolvidas onde mais sucesso tem tudo o que diz respeito a animais de estimação. É onde mais impera a crescente individualização e consequente frieza e racionalidade, que mais são necessários substitutos. Para sentirmos que somos amados, queridos e necessários. Chega a atingir os limites da insanidade mental todo o negócio à volta dos cães e gatos. Não é por acaso. Precisámos muito deles.