Livros como Meridiano de Sangue, Este País Não É Para Velhos, ou A Estrada, de Cormac McCharty, têm em comum a violência protagonizada por gente mais ou menos marginalizada pela sociedade ou por circunstâncias que a levaram a essa situação, de entre os quais emergem alguns, os mais fortes, que acabam por se tornar numa espécie de vingadores sem quaisquer escrúpulos, que, em nome desse tipo de sobrevivência, respondem vivendo no limite pouco se importando com seja o que fôr para além de si próprios, despidos de qualquer vestigío de sentimento ao qual chamam idealismo e entendem como fraqueza. Só em Suttree, a mais biográfica das suas obras, o autor condescende nesta visão radical da sociedade, talvez porque ali explica as razões que a ela levam através do relato do ambiente em que viveu até à idade adulta, numa cidade vítima da desindustralização e os respectivos efeitos, fábricas abandonadas, decadência, desemprego, pobreza e resultante marginalidade.
Após a adaptação de Este País Não è Para Velhos ao cinema, terá sido convidado a escrever um argumento diretamente para aquele efeito e assim nasceu O Conselheiro. O realizador escolhido foi Ridley Scott, Blade Runner, O Gladiador, ou o recente Prometeus. Ou seja se em Este País... os eleitos foram os irmãos Cohen, reconhecidos sobretudo pela força essencial do argumento nos seus filmes, neste caso optou-se por um realizador cuja principal característica é a espetacularidade das suas fitas, apesar de, tratando-se em ambos os casos de verdadeiros mestres, a área para que estão menos vocacionados ter sempre grande relevância. Talvez por isso assistir a este filme resulte numa experiência frustrante, uma permanente sensação de quase porque a coisa nunca chega a consumar-se. Planos sensacionais, marca do realizador, atores fantásticos mas que nunca deixámos de sentir que estão a representar, e sobretudo um belo argumento em boa parte desperdiçado por uma realização que se perde no acessório, nomeadamente no sexo, para menorizar, e até creio que involuntáriamente caricaturar o principal, a amargura e maldade intrínseca dos maus da fita.
Ainda assim, especialmente em dois ou três diálogos, transparece difusa a ideia central de mais uma grande estória de Cormac McCharty: nesta vida cuja realidade é tão dura, o que verdadeiramente interessa é contar sempre com o pior, ter o pragmatismo que alguns ganham à sua própria custa, olho por olho, dente por dente, única forma de resistir-lhe e aceitar o inevitável e raramente idílico desenlace. Um outro género de religião...