semtelhas @ 13:41

Seg, 08/07/13

 

Um destes dias alguém me dizia que tendo milhares de fotografias guardadas no computador, sentia falta de rever imagens do passado, e que, por isso, estava a fazer uma triagem de entre elas para mandar imprimir, colocar em suportes físicos e espalhar por toda a casa.

 

Fez-me lembrar um episódio que me ocorreu há mais de vinte e cinco anos, quando deixei esquecida em cima de uma rocha na margem do rio Vouga, ali perto de Sever, após uma sessão fotográfica com a família na ressaca de um lauto almoço naquela mesma terra, num restaurante perto dos bombeiros, onde se comia, (come?) uma vitela assada que se desfazia na boca, mas nunca suficiente para que dispensásse-mos o cabrito, também assado, também no forno de lenha, tal qual o arroz que por lá passava para lhe dar aquele aroma e texturas irresístiveis.

 

Pela imagens que guardo na memória penso que seria Primavera, apesar de me recordar de algum calor. O rio corria vivo e transparente, e se nos atrevêsse-mos a molhar os pés e entrar alguns metros até aos joelhos, podiam ver-se os peixes logo ali à frente entre as algas verdes. O pessoal estava feliz e descontraído pelo que nos deixámos ficar por um bom bocado. Ás tantas lembrei-me que tinha trazido a minha fiel companheira, uma Yashica rolleiflex, de um modelo já bastante interessante, que tinha comprado em 79/80, e com a qual estava a construír a história fotográfica da minha família, particularmente do seu núcleo principal, uma aprendizagem que tinha resultado em excelentes exemplares, quer de pessoas, quer de paisagens como, por exemplo, as proporcionadas pela cidade do Porto.

 

Lembro-me que tirei algumas fotografias, com o prazer e atenção do costume, quer no que diz respeito a enquadramentos, luz, espaço envolvente, etc., quer ao desperdício, pois naquele tempo as revelações, passar a suporte físico em papel, eram caras, e eu tinha que ter especial cuidado pois, caso não o tivesse, o que aliás me aconteceu varíadissimas vezes, como o comprovam as centenas de fotografias que tenho espalhadas por albuns e soltas em gavetas, ía por ali fora na tentativa de perpetuar tudo e mais alguma coisa naquele quadrado mágico onde, tantas vezes, via muito mais do que simplesmente lá aparecia.

 

Quando, já em casa, descobri que me tinha esquecido da máquina na margem do rio invadiu-me uma tristeza profunda. Cheguei a pensar voltar apesar de já ser noite, mas lembraram-me que, quando viémos embora, muitos outros lá ficaram e muitos mais íam chegando. Para além do registo dessa tarde, muitos outros deixaram de ser feitos. Não que não tenha comprado outra, já não rolleiflex, mas a verdade, um tanto despropositadamente até, percebo-o hoje, nunca mais tornei a sentir o mesmo entusiasmo enquanto fotografava e fotográfo. Quase como quando nos morre um animal de estimação, mais do que o equipamento, tinha deixado para trás momentos de felicidade que com ele presente, e ativo, vivera. Intuía a dura constatação que perdera algo irrecuperável.  

 

Acresce que hoje, como em tantas outra coisas, a fotografia está refém da tecnologia, da virtualidade, incrementos técnicos que lhe conferem inúmeras possibilidades, um sem fim de ofertas, mas que a esvaziam daquilo que era a sua essência, captar o momento. Dir-se-à que existe sempre essa hipótese, pois, mas quem é que acredita que o que está a ver é genuíno e não uma qualquer batota do photoshop? Uma epidemia que está a matar a verdade na medida em que, cada vez mais, só existimos em função do olhar do outro. Uma superficialidade que impede o aprofundar desde logo para dentro de nós mesmos, que nos conheçamos, condição indispensável para lidar satisfatóriamente com o mundo que nos rodeia.

 

O universo da imagem, e da fotografia em particular, é quase um paradigma deste fenómeno, daí a necessidade crescente de voltar ao tradicional, o fiável, o autêntico, único caminho que permite olhar para dentro através da fixação da verdade naquele olhar ou naquela situação, evitando assim a frívola fuga para a frente promovida pela rentável adulteração da realidade, que só soma frustração à insatisfação. Um ciclo vicioso.

 


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"O medo de ser livre provoca o orgulho de ser escravo."
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