semtelhas @ 12:48

Qua, 05/06/13

 

Infelizmente, como tantos de nós, já tive, tenho, e mais que provávelmente terei, que conviver com pessoas que são, ou foram vítimas de cancro. Em alguns casos acompanhei bem de perto os últimos tempos de vida, noutros, a esperança devido a uma ténue recuperação ou mesmo a felicidade do renascer para a vida.

 

Na caso daquelas pessoas que são derrotadas pela doença pude conviver com duas maneiras de a enfrentar completamente diferentes, uma de negação, de incredulidade, que arrasta consigo um sofrimento atroz, não só para quem está doente, mas também para quem lhe está mais próximo. Sentimentos de perda, arrependimento, remorso e puro e simples pânico, tornam estas situações extremamente dolorosas. Outra postura completamente diferente, que tive a felicidade de observar muito de perto, é aquela em que quem sabe ter os dias contados, os olha bem de frente, pragmáticamente aproveitando o tempo que lhe resta para resolver as questões que acha mais importantes, sejam elas de ordem prática ou afetiva. É extrordinário, para mim foi profundamente tocante, conviver com uma destas pessoas, nestas circunstâncias. Dá-mos por adquirido, a cada segundo que passa, que somos eternos, é algo de instintivo que, aliás é normal que assim seja, o contrário é sempre doentio. Por isso se torna tão especial aquele tipo de convívio, no qual quase se pode dizer que, por via desse tipo de gente, nos é dada a possibilidade de vislumbrar uma nesga do que lá vem, o que só por si, é já garantia de uma qualquer espécie de continuidade. Devo dizer que, no caso que acompanhei, se tratava de alguém religioso no sentido mais sério, portanto menos beato, possível. Acredito que tenha ajudado, tanto quanto acredito que a filosófica dúvida metódica o faça.

 

Quanto aqueles a quem a vida dá uma nova oportunidade, penso que boa parte daquilo que virá a ser a sua vivência passa pela forma como os outros os olham. Quem tem a infelicidade de ter que se despir de toda a arrogante vitalidade de estar vivo sem mácula, o que quase todos saudávelmente exibimos, fica indelévelmente marcado por uma espécie de fragilidade que se lhes cola ao corpo, e que é revelada pelo olhar do outro. Por isso é tão importante e decisivo. Ninguém existe só por si, todos nós somos, em função do olhar que pousam em nós, e, depois, seremos isto ou aquilo consoante a natureza dessa qualificação. Quando se passou por uma experiência tão traumática como uma doença grave esse efeito é potenciado. A este respeito e para melhor ilustrar o que penso recorro ao caso daquele ator brasileiro, Reynaldo Gianecchini, que, após recuperar de um cancro no sistema linfático, escreveu um livro a relatar toda a experiência e que veio promover a Portugal. Foi entrevistado em todo o lado. Apanhei-o em dois telejornais, assisti a uma entrevista específica para o efeito, e à sua passagem de raspão no Cinco Para a Meia Noite. Sem discutir o critério de tanta exposição, é uma escolha do próprio estar a ser constantemente questionado, mesmo escrutinado, a propósito de uma fase tão complicada da sua vida, segundo as suas palavras fez do limão uma limonada, interessa-me refletir na forma como os vários entrevistadores interagiram com ele, o tal olhar que sobre ele pousaram. E, independentemente da inquestionável categoria e profissionalismo de todos os outros, foi Pedro Fernandes, do Cinco..., quem melhor se saiu. Sem qualquer tipo de paternalismos, condescendência e muito menos laivo de piedade, simplesmente lhe disse que se era para falar do cancro, ainda havia pouco tempo lá tinha ido a Fernanda Serrano, pelo que apenas lhe dispensava um minuto, o que fez. Fê-lo, óbviamente num contexto de um programa de humor, mas a verdade é que aquilo resultou, fomos todos poupados a mais um penoso desfiar de lugares comuns e o ator saiu dali a sentir-se a pessoa mais normal deste mundo. Poderia ter-lhe sido oferecido melhor?


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"O medo de ser livre provoca o orgulho de ser escravo."
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