semtelhas @ 16:17

Ter, 04/06/13

 

Antes tinha ido ao Centro de Saúde onde encontrei uma sala quase cheia apesar de ser quase meio-dia. Tirei a minha senha de ordem de atendimento, setenta e cinco, ía no setenta e um, e sentei-me ao fundo, numa das únicas cadeiras disponíveis. Ao meu lado duas mulheres obesas, uma deve andar pela casa dos quarenta, a outra dos sessenta. Ambas nas suas justas malhas da moda, falavam de maneira que toda a gente ouvisse e respiravam todo o género de insuficiências e respetivos excessos. A mais velha gritava, enquanto o governo anda a correr, isto aqui cada vez demora mais tempo c. A mais nova explicou, ainda ontem estive aqui mais de duas horas, dizem que o sistema, ou lá o que é essa m., está broqueado. Enquanto as funcionárias atrás de terminais de computador se íam desenrascando como podiam o resto, que éramos nós, dividíamos a nossa atenção entre o contador que se recusava avançar e a duas volumosas senhoras que continuavam a debitar pérolas do mesmo calibre, para os porcos em que nos querem transformar. Quando finalmente fui atendido pelo meu médico, que tinha ao lado um estagiário, e perante a minha fugaz demonstração de desagrado pela confusão reinante, explicou-me que toda a zona norte está a sofrer uma alteração a nível informático, tudo vai passar a estar centralizado num único local no Porto. Racionalização dos serviços, disse. Pelos vistos andam nisto desde Março, de mal a pior, o que está a deixar toda a gente com os nervos em franja, já para não falar dos doentes, coitados! Que esses têm que aguentar. Pois, já não lhes basta estarem doentes. Enquanto o médico foi à secretaria tive oportunidade de trocar algumas impressões com o estagiário, que está no último ano mas, como as coisas andam por cá, está a pensar juntar-se a oito colegas da fornada anterior, que estão todos juntos no Reino Unido. Parece que o conselho do nosso ilustre primeiro está a resultar em pleno.

Onde, nos últimos anos, encontrei organização, pessoal motivado, e um serviço eficiente, cada vez mais descubro desalento, desinteresse ou revolta, e medíocridade. Não haverá uma forma dos doentes emigrarem?

 

Agora, em frente à fachada do restaurante onde não vinha há anos, e ao qual, num arremedo de coragem e a título de compensação pelas frustantes horas que tinha acabado de viver resolvi ir, descubro que, apesar de manter o nome e a principal empregada de sempre, sofrera grandes alterações. Gostava de ir ali pela comida italiana, sobretudo pela forma cuidada como a confecionavam, pelo tratamento quase familiar que nos era dispensado pela tal senhora, e até pelo cosmopolitismo do ambiente. À entrada um enorme cartaz de papel branco, self-service, seis euros, come o que quiser, plantada ao lado a olhar-nos como quem pede desculpa, a doce criatura que costumava atender-nos, reconhece-nos e sorri, estende-nos um panfleto promocional, mas poupa-nos ao assédio que aplica de imediato a uma pessoa que vem a seguir, o que me faz lembrar aqueles indíviduos que, na antiga Feira Popular, só faltava apontar-nos uma arma para nos obrigarem a entrar no restaurante deles. Já na mesa recuo décadas ao apreciar a atrapalhação que foi a minha nos primeiros tempos, de alguns clientes, onde estão os pratos, e os talheres, esqueci-me do guardanapo caraças, estarei a encher demais?, depois já não cabe aquilo, poderei voltar a encher? Ainda mais interessante o bailado próprio dos self-service, os executivos muito direitos na sua magnificência ignorando tudo e todos, as velhinhas aflitas num rodopio para lá e para cá, falta sempre alguma coisa, os jovens em alegre galhofa a experimentarem de tudo, e os dois tipos de gordos, ou os assumidos num constante vaivém de reabastecimentos, absolutamente assumidos nas suas pendentes banhas, deixando mesno escapar sorrisinhos sarcáticos perante o espanto generalizado, como quem diz, eu ao menos tenho a coragem que vos falta seus cobardes, e os outros, os envergonhados, apertados e ingloriamente escondidos em vestes reveladoras que, à sucapa, despercebidamente, pensam, se dirigem em passinhos curtos e rápidos às gamelas onde enchem os pratos até ao cocuruto.

Estava bom? Estava. Valeu a pena? Não. Tinha acabado de arrebanhar durante horas, e acabei a encarneirar mais umas quantas. Não era aquilo que procurava.

 

Redimensionar, adaptar, rentabilizar, reajustar, poupar, racionalizar, etc., etc., são só alguns dos adjetivos do nosso descontentamento, disfarces de uma realidade bem mais prosaica, uma queda brutal, se calhar geracional, que nos, a quase todos, aprisionam a um destino pouco risonho. Vai ser, está a ser, como quem se levanta depois de um grande trambolhão.


direto ao assunto:

Imaria @ 14:33

Qua, 19/06/13

 

Somos carneiros de um governo sem norte, de um país dilacerado e mal de nós que nos caia a doença nas trombas.


semtelhas @ 12:04

Qui, 06/06/13

 

Admiráveis estas pessoas que dão tanto e felizes os JP's que as têm perto. Sorrir ajuda-nos a todos.

Menina Marota @ 12:14

Qua, 05/06/13

 

Se não fosse tão dramático até tinha soltado uma valente gargalhada. Mas como, infelizmente, hospitais tem sido o meu dia a dia, nos últimos treze anos a acompanhar o JP, compreendo o dramatismo da situação ainda mais quando o JP deixou a bengala e passou a andar de cadeira de rodas. Eu peso aí uns 52 Kg e ele pesa mais de 80. Mas lá andamos aos empurrões tentando ter a qualidade de vida para a qual trabalhámos e este governo ( e outros que antecederem) nos tiraram e continuam a tirar.
Um abraço

"O medo de ser livre provoca o orgulho de ser escravo."
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