Hoje a Aguda estava triste e cinzenta
No areal há um grupo que se lamenta
Mar revolto, indomável não dá tréguas
Cabisbaixos, fartos de tantas esperas
Barcos tombados, alinhados na areia
Quadro bizarro, medo da maré cheia
Perto deles deambulam cães, gaivotas
Também eles matam as horas mortas
No muro da estrada passeiam caracóis
Se há sol ali preparam redes e anzóis
Mulheres de avental lavam caixotes
Janelas e portas, espreitam velhotes
Vento sudoeste, núvens e algum azul
Pouca esperança enquanto sopra sul
Infeliz sina do mar estar dependente
Do seu estado d'alma vive, morre gente
Lá ao longe avaliam se podem arriscar
Memória calada revê quem ficou no mar
De soslaio, mulheres e velhotes a dizer
Não nós, mas crianças precisam comer
Talvez um ou outro esqueça o temor
Quem fica em terra rezará com fervor
As mãos calejadas, os sulcos do rosto
Vidas duras, no horizonte o desgosto
Incerto e efémero isto de ser pescador
Mar, sol, vento, frio, calor e também dor