Como era conhecido o grupo que eu, mais uns quantos rapazes e raparigas, liderados por dois ou três velhotes à volta dos trinta, mais experientes e muito mais lidos, formávamos lá no canto do café, durante o período revolucionário pós 25 de abril de 1974.
Assistir à série, Depois do Adeus, tem-me trazido à memória muitos desses dias. Não faço ideia se a juventude atual está a seguir este magnífico documento, e, caso esteja, se o entende. Alguns o conseguirão certamente. Aos olhos dos putos que éramos aquilo foi sobretudo uma grande aventura. Muito mais que de esquerda e alegres fomos ingénuos e felizes. As situações sucediam-se a um ritmo alucinante e bem de acordo com a nossa idade, que pedia acima de tudo movimento e novidade. Os mais velhos bem nos avisavam da precariedade da coisa, mas para nós, tal como tão bem está retratado na série através dos personagens revolucionários mais novos, era uma questão de vida ou de morte, ou ía ou rachava.
A década que se seguiu, por várias razões, mas sobretudo por evidentes atrasos relativamente à quase totalidade dos restantes países europeus, e a todos os níveis, desde as elites pensantes até ao mais simples trabalhador, mas também pela nossa situação geográfica, fomos cair no colo de uma Comunidade Europeia, toda ela, naquele tempo, virada para uma política federalista, algo que se sentia inevitável, mais tarde ou mais cedo, onde os amanhâs cantavam, e, em nome dos quais se desmobilizaram as economias que eram a côdea dos pequenos países em troca de prometidas compensações, as quais vieram a ser desbaratadas por uma classe de novos-ricos que se instalou no poder, com a benção das famílias reinantes há várias gerações, com os resultados conhecidos.
Quarenta anos depois, olhando o nosso país e o mundo, é incrível como se foram quase todas as certezas desses tempos substituídas por igual numero de dúvidas, acrescidas de muitas mais resultantes do conhecimento entretanto acumulado. Descobrir os três principais ícones do capitalismo moderno, EUA, Alemanha e Japão, a braços com as misérias dele nascidas: EUA como país desenvolvido com maior taxa de pobreza infantil; conflitos de interesses entre estados ricos que se recusam a sustentar outros mais pobres dentro da própria federação alemã; sinais de implosão por uma espécie de espírito samurai aplicado ao consumismo no Japão, por um lado, e, por outro, ver os seus potenciais substitutos, os BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), a seguir alegremente o mesmo caminho para o abismo, deve deixar o mais pintado a fazer contas de cabeça, e perplexo com a sua própria falta de respostas.
Por cá ainda no domingo vimos um primeiro ministro cheio de medo a disparar ameaças para todos os lados, completamente à toa, a fazer lembrar aqueles dirigentes desportivos quando reafirmam toda a confiança no treinador que vão despedir no dia seguinte, sendo que neste caso com Passos a desempenhar os dois papeis. Já se tinha percebido que o homem não é o que parecia, sobretudo pela confiança dada a um inacreditável Relvas, o braço direito, inenarrável vulgar populista, se pensarmos que estamos a falar do governo de um país como é Portugal, com a sua história e responsabilidades. Poucas horas depois José Sócrates explicou magistralmente tudo o que Passos Coelho dissera num discurso arrepiante, pleno de ressabiamento, medos, ameaças, descontrolo, uma autêntica fuga para a frente que se adivinha com fim próximo, pois não parece crível que homens de natureza tão claramente negativa e revanchista como o primeiro-ministro ou Vitor Gaspar, para nossa grande desgraça, deêm o braço a torcer.
Talvez a esquerda esteja menos alegre, porque mais vazia de soluções pacíficas, mas que estamos todos, por todo o lado, suspensos de uma solução qualquer como resposta a este evidente fim de ciclo, como se a história tenha enchido o saco, é inquestionável. A última gota que fará transbordar o copo que é o atual estado das coisas, estará por aí a ser derramada a qualquer momento, no seu caminho deixará um rasto da dor de que é feita a renovação. Valha-nos a sabedoria dos mais velhos, mas também o entusiasmo e a ingenuidade na procura de felicidade, dos mais jovens.