semtelhas @ 14:02

Sex, 01/03/13

 

Depois de uma década a passar a correr, ou andar, por ela, o passadiço da praia, deu para reparar em algumas peculiariedades dos meus companheiros de viagem.

 

Acabei de me cruzar com uma senhora que caminha usando um vistoso xaile que me parece em lâ, e lhe está constantemente a cair dos ombros, proporcionando-lhe assim a possibilidade de também exercitar os braços enquanto repetidamente o reposiciona. Ao lado, muito mais alta e magra, num apertado fato de treino imaculadamente branco, acompanha-a uma outra da mesma faixa etária, (cinquentas?), que, calçando umas elegantes sapatilhas com um salto alto em cunha, a juntar aos gestos largos e elevado tom de voz, atrai a atenção dos restantes caminhantes vários quilómetros em volta, para grande desconforto da companheira a quem só falta tapar a cara com o xaile. Mais adiante um senhor parece estar a passear numa qualquer rua do Porto, tendo em conta a indumentária de reformado encostado numa esquina a ver a andar os elétricos. Quando começo a sentir o chão a tremer e uma espécie de expirar de búfalo a bufar é sinal que se aproxima um jovem atleta a bom ritmo. Começam a invadir-me a memória espécimes mais exóticos:

 

O Desportista - Normalmente vestem berrantes peças de licra que se colam ao corpo, e passam por nós como balas disparadas que cansam só de ver. Ele há de todas as idades e de ambos os sexos ainda que, naturalmente, prevaleça a juventude. Altivos, pura e simplesmente ignoram toda aquela velhada que anda por ali só para os incomodar, não se coibindo mesmo, em alguns casos, de dar um encontrão ou outro e de mandar uma bocas, especialmente quando seguem em ruidosos rebanhos. Por vezes surgem exemplares sofisticadissímos ao longo dos quais, desde a cabeça que ostenta um vistoso capacete, até à musculada e esbelta coxa, proliferam garrafas e garrafinhas, zonas prudentemente almofadadas, inexplicável fiarada a sair dos sítios mais insuspeitos, e toda uma bateria de cronómetros e instrumentos vários, todos a funcionar automáticamente e ao mesmo tempo. Avassalador!

 

O Janota - De fato completo, gravata a condizer e sapatos impecávelmente engraxados, ou o correspondente feminino numa discreta saiacasaco para o travado, maquiagem carregada e cabelo preso, ambos bem perfumados, parece terem dado o grito de Ipiranga mesmo no último momento e andam para ali meio perdidos, sem saber o que fazerem da vida, depois de deixarem o patrão ou o chefe a falar sózinho com um cliente importante

 

A Miúda Atrevida - Aparecem mais no verão. Usam duas peças de roupa reduzidissímas as quais, enquanto correm, o que fazem sempre como elegantes gazelas, vão escorregando para dentro das várias concavidades e orifícios, generosamente ajudadas pelas secreções várias que entretando vão espelhando aquilo tudo, deixando o pessoal circundante catatónico, à beira da apoplexia e muito perto cometer um disparate.

 

Os Profissionais - Chamemos-lhes assim...Indíviduos que estratégicamente, e só a partir de certas horas, se colocam numa das várias escapatórias para a praia, fazendo estranhissímos movimentos com os dedos ao longo das cordas que delimitam o passadiço, enquanto lançam lânguidos olhares aos transeuntes, os mesmos que também podemos sentir apalpar-nos, desde para aí cinquenta metros antes de umas senhoras esquisitas por nós se cruzarem, só aí os despregando da potencial vitíma.

 

Os de Esquerda - Lá vêm eles ou elas, é indiferente, com as suas coloridas camisas aos quadrados, de flanela, calças de ganga bem coçadas, mocassins em pele, vistosos casacos de malha, o cabelo muito comprido ou cortado à escovinha, nunca normal, e sempre aquele enorme tipo de alforge ao ombro onde transportam básicamente tudo: cadernos pautados para escrever a qualquer momento, a Bic meia comida, uma vasta bibilioteca, uma farmácia bem fornecida e, evidentemente, produtos naturais vários. Normalmente ostentam um ar cansado de quem carrega todas as preocupações do mundo às costas. Não será o peso da mochila?

 

Os Asnos - Os dos cães e das bicicletas. Quanto aos primeiros confesso que muitas vezes me sinto tentado a perdoar aquelas meninas queques de canixes pela trela, que param para cheirar o meu gato nas sapatilhas, e elas os admoestam severamente debruçando-se sensualmente para os retirar, enquanto deixam escapar um sorriso inteligente. Já os dos Pitbull sem coleira remeto-os para aquela mulher, sentindo o perigo a rondar os filhos que brincavam na areia gritou: não deves ter filhos meu f. da p., se ele ferrar os miúdos o meu marido vai procurar-te e f.-te todo, cabrão. Um poema! Quanto a mim, se ela fosse a concurso e eu sueco, o prémio Nobel da Literatura estava entregue. Os ciclistas são todos uma espécie de analfabetos porque não sabem ler os avisos, mas pior! nem com os desenhos que proliferam lá vão. A mim, não fosse o medo dos danos colaterais, apetecia-me era dar-lhes uma cuzada lateral quando passam a sprintar, para ver se aterravam trinta metros à frente, no fundo da duna.

 

As Púdicas - São aquelas meninas, ou senhoras, que porque têm, ou disso estão convencidas, um belo traseiro, tratam de o tapar com biombos de vários tipos, mais habitualmente uma peça de roupa atada à cinta. Devia ser proíbido! É que aquela visão faz mais pelo desportista que mil livros de ginástica, ou cem horas de programas televisivos para pôr o corpo em forma. Uma cenoura à frente do focinho do animal. Em certos casos o estado hipnótico é de tal ordem naquele esquerda-direita, esquerda-direita, que a marcha podia ir por ali fora nem que o caminho só acabasse em Viana do Castelo.

 

Claro, depois há os gaijos como eu, que que por inércia ou esquecimento vão de pijama, ramelas nos olhos, os cabelos como se acabados de ser varridos pelo Katrina, cheios de sorte por o carro já saber o caminho porque só acordam a meio do percurso, quando lhes começam a doer as mãos por irem a arrastar pelo chão, mas acabam o percurso de peito feito, sorriso de orelha a orelha, esquecendo-se sempre que, passada meia hora, estão como se tivessem levado uma tareia do Mike Tyson dos bons tempos, e prontos para entrar na urgência do hospital mais próximo.

 


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